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Lixo ou resíduo? – por Marta Tocchetto

“Além da mudança de terminologia é essencial a mudança de atitude”

A substituição da visão e do significado de lixo por resíduo, transforma nossa relação com aquilo que não nos serve.

A expressão lixo precisa ser abandonada como significado e como prática. Lixo representa aquilo que não presta. Aquilo que não nos serve. Aquilo que não queremos mais. Lixo guarda o sentido de desprezível, desnecessário, inútil. Lixo também é desperdício, pois desconsidera o retorno ao ciclo produtivo. Lixo não considera o reaproveitamento dos materiais.

A natureza está se esgotando em decorrência da exploração sem controle, sem respeito aos limites. A natureza é finita. O desejo de exploração e a ganância, por outro lado, são infinitos. Reaproveitar é a resposta à necessidade de equilíbrio, de recuperação e do uso racional dos bens naturais.

A substituição da visão e do significado de lixo por resíduo ou, simplesmente, por material, transforma nossa relação com aquilo que não nos serve. Não serve para mim, mas pode servir para outro ou pode ser transformado em outro produto, por meio da reciclagem.

Abandonar a ideia de lixo contribui para a redução do descarte desnecessário de materiais. Além da mudança de terminologia é essencial a mudança de atitude, de compreensão. Separar corretamente os resíduos, no momento da geração, é mais do que uma mudança necessária. É urgente! O planeta não suporta mais tanto material sendo enterrado todos os dias.

Coleta seletiva solidária, já! Chegará o tempo em que faltará terra para plantar, para instalação de moradias, pois ela estará inviabilizada pela poluição e pela quantidade depositada, decorrentes da geração sem controle.

Muitos dos materiais descartados são e/ou possuem substâncias tóxicas ou poluentes. Eles podem pôr em risco a saúde do homem e dos animais, além da natureza como um todo. São as tintas, os eletroeletrônicos, as lâmpadas, os plásticos, os materiais metálicos, as sobras de construção, as pilhas, o óleo de cozinha, os óleos lubrificantes, os combustíveis, os pneus, os esmaltes de unha, as pilhas e tantos outros. A lista é enorme.

O descarte irregular em qualquer lugar aumenta ainda mais esses riscos. A separação adequada evita, não apenas o desperdício e a extração dos bens naturais, mas reduz os riscos de poluição do ar, do solo e da água, além de proteger a saúde dos seres vivos.

Pesquisa recentemente divulgada comprovou a presença de microplásticos na corrente sanguínea humana. É preciso lembrar que os materiais e os resíduos plásticos permanecem no meio ambiente durante séculos, alguns em torno de quatrocentos anos. São bastante duráveis e de difícil decomposição.

Os microplásticos resultam do processo de desgaste e de abrasão causado pela ação dos ventos, das chuvas, do sol e do atrito. São micropartículas que pelo tamanho diminuto se espalham e se dispersam facilmente. A lavagem de roupas sintéticas também produz microplásticos que atingem às estações de tratamento de esgoto e por não serem retidas, alcançam os rios e mares, as florestas e a atmosfera.

Estudos anteriores mostraram a presença dessas partículas em alimentos, no aparelho digestivo de aves e em insetos. Os microplásticos também foram detectados em fezes de bebês. A investigação recente mostrou que as partículas podem circular pelo corpo e se depositar em alguns órgãos.

Os cientistas analisaram 22 amostras de sangue. Os microplásticos foram detectados em 17 delas, sendo que em torno da metade continha resíduos de PET (plástico das garrafas de água e refrigerante). As demais continham poliestireno (plástico das embalagens de isopor) e outras ainda, polietileno (plástico das sacolas descartáveis).

Os microplásticos podem se prender à membrana dos glóbulos vermelhos do sangue dificultando o transporte do oxigênio, mecanismo essencial para oxigenação dos tecidos. O conhecimento sobre todos os efeitos causados necessita mais avanços, sobretudo a respeito da circulação e da deposição dos micro e dos nanoplásticos no organismo e, como eles podem induzir a ocorrência de câncer.

Os avanços são urgentes, tendo em vista a projeção exponencial de aumento da produção. A previsão é de que até 2040, dobre. Mesmo ainda havendo muitas perguntas sem respostas, reduzir o uso de plástico e encaminhá-lo à reciclagem é a forma possível e viável que temos atualmente, para evitar maiores problemas e efeitos nocivos à saúde humana e dos demais seres vivos e, ao meio ambiente.

O consumidor tem uma enorme força para induzir a mudança – seu poder de compra e de escolha. Exigir do fornecedor a dispensa de embalagens ou o uso de materiais menos poluentes é exercer responsabilidade socioambiental.

Trocar de fornecedor ou simplesmente não comprar, demonstra a não conivência com um sistema de consumo que, pouco ou quase nada, se preocupa com a quantidade e com o tipo de resíduos gerados. Não aceitar passivamente, optar por embalagens retornáveis e destinar adequadamente à reciclagem aquilo que, inevitavelmente, é gerado, é exercer cidadania.

(*) Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.

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