Um gole para o santo – por Luciano Ribas
“Gole graúdo, equivalente a R$ 15 mil em espécie, acrescido de 1 Kg de ouro”
Acredito que quase todos conheçam o gesto: depois de servir uma dose de aguardente, a pessoa vira levemente o martelinho e derrama um tantinho “para o santo”.
Tal hábito popular tem suas origens especuladas pelos historiadores, segundo a rede mundial de conhecimentos superficiais. Há quem acredite que vem das libações que gregos e romanos dedicavam aos deuses – oferendas em troca de felicidade e proteção para seus lares. Outros dizem que veio da necessidade de desprezar a parte superior dos líquidos bebidos em canecas de estanho ou de cobre, na Idade Média, por conterem substâncias nocivas à saúde.
Tem-se certeza, porém, de que foram os portugueses que trouxeram a prática para o Brasil, disseminando-a entre as pessoas escravizadas para o duro trabalho no cultivo da cana-de-açúcar. Junto com ela veio o culto a São Benedito, santo siciliano filho de um cativo etíope, imposto pelos lusos como padroeiro da cachaça. Era para ele, portanto, que iam os goles iniciais do produto das destilarias brasileiras no período colonial.
Já na fase “Bolsonistão” na qual o Brasil está atolado, a prática recebeu uma atualização bizarra. Saiu o santo e entrou o pastor. Aliás, os pastores, amigos do néscio e com “copa livre” no Ministério da Educação.
Ao que tudo indica, Gilmar Santos e Arilton Moura gozam de uma “unção” no que se refere à liberação de verbas no MEC. Nas palavras do ministro Milton Ribeiro (que também é “religioso” e “cidadão de bem”), Bolsonaro lhe orientou a “atender a todos os que são amigos do pastor” de forma especial. Se viesse do Gilmar e do Arilton, a ordem era liberar a entrada e servir um cafezinho quente.
Ou seja, tudo indica que os pastores conseguiram fazer o “milagre da facilitação”, também conhecido como corrupção, atuando como intermediadores entre os prefeitos e o cofre do ministério. Para tanto, porém, um “gole” se fazia necessário. Um gole graúdo, aliás, pelo o que contou um prefeito maranhense, equivalente a R$ 15 mil em espécie, acrescidos de 1 Kg de ouro – este último talvez destinado à confecção de algum “bezerro”, imitando o que conta a estória bíblica.
Mitos e falsos ídolos à parte, no momento em que escrevo esse texto o bom pastor, digo, o ministro ainda não negou o conteúdo do áudio, enquanto a dona Michele o segura na cadeira, o Centrão fareja oportunidades e o Jair silencia. Tudo como dantes, quartel-general d’Abrantes, como diriam os criadores da libação para o santo.
Pergunto eu, até quando? Servindo uma branquinha antes de dedicar um gole para quem realmente merece, mentalizo uma resposta: 31 de dezembro de 2022.
(*) Luciano do Monte Ribas é designer gráfico, mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e doutorando em Diseño pela Universidad de Palermo (UP/Buenos Aires). É um dos coordenadores do Santa Maria Vídeo e Cinema, além de já ter exercido diversas funções na iniciativa privada e na gestão pública. Ele escreve neste site aos domingos. Ah, ele prefere vinho e cerveja aos destilados, mas hoje abriu uma exceção para ajudar na conclusão do presente texto. Saúde!
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Já passou da hora desta camarilha de pastores desembarcarem do governo: é vergonha em cima de vergonha. Agora esta intermediação entre prefeitos e o MEC é um acinte. O povo vai anotando, minha lista de falsos profetas começa com Flordelis… Tenho concordância Luciano, agora o gole pro santo, está estipulado em R$ 15 mil e mais 1 kg de ouro.