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Os Novos Ecos da Marselhesa ecoam mais uma vez – por Leonardo da Rocha Botega

A disputa na eleição nacional francesa, que colocou a extrema direita na final

Em 18 de maio de 2002 ocupei o espaço de opinião do extinto Jornal A Razão com um texto intitulado “Os Novos Ecos da Marselhesa”. Naquele momento o mundo era surpreendido pelo resultado do primeiro turno das eleições francesas. Pela primeira vez, um candidato da Frente Nacional, partido de extrema-direita, chegava ao segundo turno, após conquistar 18,86% dos votos e desbancar o então primeiro ministro Lionel Jospin do Partido Socialista, um dos promotores do que naquele momento se apresentava como “Terceira Via” ou “social democracia modernizada”.

Na ocasião, todos os agrupamentos políticos do campo democrático, da esquerda à direita, se unificaram indicando voto no então presidente e candidato à reeleição, Jacques Chirac. O objetivo era uma só: barrar Jean-Marie Le Pen, o candidato assumidamente xenófobo, anti-imigração, crítico da União Europeia e que relativizava o drama histórico da Ocupação Nazista durante a Segunda Grande Guerra.

Tal objetivo foi atingido, Chirac obteve a vitória com pouco mais de 82% dos votos. Porém, uma pergunta ficou aberta: como pode um povo com uma trajetória de lutas contra o conservadorismo inigualável deixar-se levar por uma lógica fortemente racista e anti-humana, essencialmente negadora da igualdade, da liberdade e da fraternidade, valores que tem origem na sua própria História?

Inúmeras reflexões foram feitas naquela conjuntura tomando como ponto de partida essa pergunta. Porém, passadas as eleições, o establishment político francês mergulhou numa estranha sensação de que 2002 havia sido um ponto fora da curva. Nas eleições seguintes, o republicano Nicolas Sarkosy derrotaria a socialista Ségolène Royal e Jean-Marie Le Pen amargaria o quarto lugar com 10,44% dos votos.

O sistema político da Quinta República parecia ter voltado ao normal. Em 2012, o socialista François Hollande derrotaria Sarkozy e tal sensação seria reforçada, mesmo com o novo avanço da Frente Nacional, agora liderada por Marine Le Pen, que chegou a estar na frente nas pesquisas de intenção de voto no ano anterior.

A medida em que se convenciam cada vez mais da estabilidade do sistema, republicanos e socialistas (“social democratas modernizados”) seguiram, em maior ou menor dimensão, a aplicação dos dogmas da austeridade neoliberal que desde os anos 1990 vinha produzindo o Horror Econômico (tão bem denunciado pela ensaísta francesa Viviane Forrester no best seller que levava esse título). A política da Quinta República explodiu justamente devido a descrença com os partidos tradicionais convertidos a uma economia que garantia lucros às finanças e precarização ao trabalho.

Nas eleições de 2017, socialistas e republicanos ficaram de fora de um segundo turno marcado pela disputa entre o outsider Emmanuel Macron e a ressurgida Marine Le Pen, que obteve 21,30% contra 20,01% do republicano François Fillon.

O candidato do governo, Benoit Hamon amargou uma votação de somente 6,36%. A grande novidade ficou por conta de uma esquerda renovada representada por Jean-Luc Mélenchon. Mais uma vez os democratas se uniram e derrotaram a Frente Nacional.

Cinco anos depois, os Novos Ecos da Marselhesa ecoaram mais uma vez. Passado o primeiro turno das eleições presidenciais, realizadas no último domingo (10/04), a extrema-direita chega ao segundo turno pela terceira vez, com a maior votação de sua história, 23,1%. Chega ao segundo turno, mergulhada em contexto de crise econômica, crise sanitária e continuidade da austeridade neoliberal.

Um somatório de insatisfações que refletiram fortemente no surgimento de movimentos sociais difusos como os Coletes Amarelos. Um somatório de insatisfações que não foi capaz de unificar as esquerdas francesas, mergulhadas entre sectarismos e crenças em um passado que não se faz mais presente. Esses mergulhos custaram a não chegada ao segundo turno de Jean-Luc Mélenchon, que obteve apenas um ponto percentual a menos de votos do que a candidata da Frente Nacional.

A França de 2022 não é mais a mesma daquela de 2002. O mundo também não. Uma Nova Ordem Mundial cada vez mais incerta parece estar surgindo em meio ao caos econômico e a guerra. O sonho do universalismo europeu não chegou até hoje. O pesadelo do retorno de governos autoritários e neofascistas está presente.

Mesmo com a possível (mas não provável) nova derrota de Le Pen, os franceses parecem estar apáticos e paralisados com a mesma sensação da “Estranha Derrota” narrada pelo historiador Marc Bloch quando da derrota para os nazistas na Segunda Grande Guerra.

Em um contexto como esse a tarefa urgente para as esquerdas é o voto no menos pior (Macron) e o imediato abandono dos sectarismos. Afinal, ou se faz a unidade por bem ou por mal, como foram os tempos da Resistência Francesa contra a Ocupação Nazista. 

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Nota do Editor. A foto de Marine Le Pen e Emmanuel Macron, finalistas da campanha nacional francesa, é uma reprodução obtida na internet.

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Um Comentário

  1. Para começo de conversa, ‘qualficativos’ vindos da esquerda e dos jornalistas valem nada. Esquerda principalmente, estão toda hora chamando os outros de ‘fascistas’, jornalistas só usam a ‘extrema direita’, extrema esquerda é como não existisse. Logo o papinho do ‘bem’ contra o ‘mal’ só funciona na igreja deles. Quanto a França não se resolve numa eleição. Quarta Republica durou doze anos e teve quase o dobro de primeiros-ministros. No fim tiveram que chamar o de Gaulle para colocar a casa em ordem. Resumo da opera: ideias bonitas, frase de efeito (Marselhesa, kuakuakuakua!) funcionam com crianças, o que interessa é o resultado. Allons enfants de la Patrie!

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