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Agora fiquei doce – por Luciano Ribas

“A doceria brasileira é assunto muito sério", escreve o articulista

Durante essa semana fiz uma lista dos meus doces preferidos e publiquei no Facebook. São eles, em ordem decrescente: no topo do “ranking”, ambrosia (que eu chamava de “ambrosilha” quando era pequeno porque achava que era errado dizer “ia” no final da palavra); figo em calda; pêra e/ou maçã em calda; sagú (de vinho colonial, com canela e cravo, mas sem nenhum “creminho” junto); tiramisù; doce de abóbora (em calda ou cristalizado, tanto faz); massa folhada rosa da Copacabana; churros com mumu; Rei Alberto (que é uma sobremesa que acho que apenas minha família ainda faz); e, encerrando a lista, o clássico das festas infantis, brigadeiro.

Há algumas “menções honrosas”, evidentemente, como o arroz de leite (bem cremoso, quente e com canela em pó), o olho de sogra, o Chico balanceado, a rapadura de leite da vó Dite e o mingau de farinha de milho feito às dez da noite pela minha mãe, quando eu o Leandro éramos crianças e já tínhamos comido todas as gulodices que a casa oferecia naquela data. Mas, para o desespero de muita gente, pudim, quindim, qualquer coisa com maracujá e mousse de limão jamais seriam salvos em um novo Dilúvio, por exemplo. Gosto é gosto, não é mesmo?

Um pouco depois de postar a lista, meu amigo Cláudio Langone soou o alerta: vai dar “treta”! Dito e feito, é claro. Contras e “afavores” se multiplicaram e até mesmo alguns “terceira via” apareceram: veja bem, quem sabe trocamos três, colocando a cocada do João, um alfajor e o creme de leite condensado com ameixa da minha mãe no lugar deles?

Deixadas de lado preferências gastronômicas e afetivas, a doceria brasileira é um assunto muito sério, pois remete a tradições muito profundas e a “usos e costumes” vindos com levas de imigrantes. Há traços e ecos da Península Ibérica, da África, do Mediterrâneo, do centro da Europa, do Leste, do Levante e do Oriente mais distante, além daqueles povos que aqui já estavam há milênios e que tiveram seu mundo invadido.

Existem pesquisas muito sérias sobre tudo isso, como as feitas pela Jussara Dutra, que redundou em belíssimas publicações, verdadeiros tratados de “antropologia gastronômica”. Na mesma linha, uma dessas muitas pesquisas foi feita por Luisa Coelho e João Peres e mostra como o leite condensado, a partir dos interesses comerciais da multinacional Nestlè, “sequestrou” a doceria brasileira com uma bem elaborada estratégia de expansão, décadas atrás. Para quem se interessar pelo assunto, recomendo acessar a matéria “Como a Nestlé se apropriou das receitas brasileiras”, no site O Joio e o Trigo (link aqui: https://tinyurl.com/2p98ws6y).

Sobre o leite condensado, não vou fazer julgamentos a essa substância que se tornou uma mania nacional e da qual não sou muito adepto, confesso. Apenas vou registrar que a tosca combinação dele com pão cacetinho é o (arremedo de) doce preferido do genocida, ao menos quando deseja simular simplicidade. Preferência que não me surpreende, diga-se de passagem, depois de saber do farto gasto das forças militares com leite condensado…

Nessa história, juntando todos os “ingredientes” não é ilícito deduzir que o único afeto verdadeiro do “homem da gasolina a R$ 8,00” se dirige à caserna, onde enxerga um tipo de “família”, fundada na violência real e simbólica. Aliás, não haveria nenhum problema nisso se, ao mesmo tempo, ficasse contido às tradições intestinas do seu meio e todos os outros arranjos familiares possíveis não fossem alvo da hipocrisia e do preconceito dele e de seus discípulos.

Felizmente, porém, na minha postagem não apareceram “pãocomleitecondensadistas”. Torço que cada vez exista menos gente disposta a comprar briga pelos gostos, atos e “opiniões” do néscio, além de mais pessoas optando por um dos muitos caminhos democráticos oferecidos no “cardápio” político brasileiro – no meu caso, já escolhi: um prato salgado, lula com chuchu.

(*) Luciano do Monte Ribas é designer gráfico, mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e doutorando em Diseño pela Universidad de Palermo (UP/Buenos Aires). É um dos coordenadores do Santa Maria Vídeo e Cinema, além de já ter exercido diversas funções na iniciativa privada e na gestão pública. Ele escreve neste site aos domingos. 

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