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Amas de leite e a escassez de fórmula para bebês – por Elen Biguelini

A articulista e dois temas que, sim, podem se unir. Ah, e tem ainda o racismo

Esta semana a Casa Branca americana tem tentado resolver um problema inusitado e impactante na vida das mulheres. Devido a morte de quatro bebês após utilizarem o leite em pó de uma marca específica, os produtos foram retirados do consumo. Assim, atualmente há uma escassez neste produto de necessidade para a vida de recém-nascidos.

Ainda que a falta de alimento para infantes que tem a necessidade completa do alimento cause horror na grande maioria das pessoas, um grupo vê a situação como algo simplesmente resolvido: “amamentem”. A questão, claramente, é muito mais complexa. Muitas mães não podem amamentar, outras faleceram, alguns bebês são adotados, por vezes no leite falta nutrientes. Muitas razões existem para que uma família opte por alimentar seus bebezinhos com leite em pó. E, uma vez parando de amamentar, o corpo não retorna a produzir o leite. Ou seja, aquelas que amamentaram e tiveram que parar também não podem simplesmente voltar a amamentar.

Outra questão de importância esta semana é o Aniversário da Abolição da Escravatura. Devido a isso, decidimos aliar um tópico a outro.

Durante muitos séculos a utilização de amas de leite era a forma utilizada por famílias abastadas para alimentar seus bebês. No Brasil, aliada a escravidão, a prática se tornou extremamente comum. As senhoras tinham os filhos brancos e as mulheres negras escravizadas eram as que os amamentavam.

É peculiar que o mesmo racismo que fazia com que as mães negras tivessem que largar seus filhos e cuidar dos filhos do senhor no Brasil, era a razão que impedia mulheres brancas em Portugal (onde a escravidão já era proibida no início do século XIX) de empregar mulheres negras para esta função. Como veremos na próxima semana através das cartas da esposa do Morgado de Mateus para seu marido, o preconceito e a crença de que a suposta “imoralidade” das africanas fosse “passar pelo leite” foi a razão usada por esta senhora para não escolher uma ama negra.

No Brasil, por sua vez, a forma como as jovens mulheres negras eram vistas não apenas como “criadoras” de mais escravizados, como também objeto de seus senhores (lembramos que muitas vezes os filhos poderiam ser fruto de um abuso do próprio senhor), o uso delas como “produtoras de leite” era usual e esperado.

Não é a toa que na História do Brasil temos tantas representações de homens e mulheres brancos que têm uma ama, mucama, empregada negra. Em um terceiro texto sobre o assunto, pretendemos trazer algumas destas representações, em especial através da obra de Vania Vasconcelos, “No colo das Iabás”, uma análise da imagem das mulheres negras que amamentaram os filhos de seu senhores brancos, através da literatura de autoria feminina.

Para finalizar esta introdução ao assunto, lembremos: a escravidão acabou, mas as marcas deixadas por ela em nossa sociedade não sumiram nem esvaeceram. O racismo ainda mostra sua presença na sociedade e, infelizmente, fez parte da criação de muitas das gerações que ainda existem. Para muitos ainda é duro quebrar com estas tradições, mas é preciso evoluir como sociedade e reconhecer que este preconceito existe para que possamos passar a criar uma sociedade mais igualitária.

Para ler mais.

Sobre a escassez de fórmula nos mercados americanos: https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/05/13/formulas-para-bebes-estao-sumindo-dos-mercados-nos-eua-entenda-escassez-e-plano-de-abastecimento.ghtml

Cartas da esposa do Morgado de Mateus:

BELLOTO, Heloisa Liberalli. Nem o tempo, nem a distância: Correspondência entre o Morgado de Mateus e sua mulher, D. Leonor de Portugal (1757-1798): Lisboa. Aletheia Editores, 2007.

Sobre as amas na autoria feminina brasileira.

VASCONCELOS, Vania. No colo das Iabás. Fortaleza: Edições Democrito Rocha, 2015.

(*) Elen Biguelini é doutora em História (Universidade de Coimbra, 2017) e Mestre em Estudos Feministas (Universidade de Coimbra, 2012), tendo como foco a pesquisa na história das mulheres e da autoria feminina durante o século XIX. Ela escreve semanalmente aos domingos, no Site.

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