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Democracia em risco – por Orlando Fonseca

Incrível que, nestas alturas, estejamos tendo de defender a democracia como o melhor regime. E as alturas a que me refiro são as do processo civilizatório, da vida urbana, da implantação de estados-nações republicanos, a partir do século XIX, e por fim o Brasil de 2022. Não foram pequenos os movimentos que superaram, primeiro o medievalismo, segundo os déspotas esclarecidos, passando pelo obscurantismo, pelas crendices, fundamentalismos e irracionalidades de toda ordem. Nesta jornada da civilização, regimes de senhores plenipotenciário foram superados pela noção de cidadania, pela Constituição, com o povo no poder, com a defesa do bem comum e busca de felicidade geral. E nem estou falando em caudilhos ou ditadores latino-americanos, porque isso já devia estar superado. No Brasil, ficou ainda no século retrasado o período imperial, vieram os anos de vida republicana, cheia de percalços. E pergunto, o que fizemos para ter de enfrentar o debate a respeito dos valores democráticos, tentando derrubar argumentos contraditórios e negacionismo?

Se não estivéssemos já, em pleno século XXI, quando saímos de um período ditatorial para outro, esta discussão estaria permeada de dúvidas geradas pela nova ordem mundial. Afinal, em meados do século passado, ainda estávamos enfrentando reflexos de duas grandes guerras mundiais, com a consequente formação de blocos ideológicos antagônicos e mísseis semióticos da guerra fria. Ainda que as revoluções da década de 60, ao redor do mundo, (contracultura, liberação sexual, o Poder Jovem, Maio de 68, os hippies) tenham sido censuradas por aqui, pela repressão de um estado de exceção, pudemos respirar aqueles ares de mudança e clamar pelo retorno da normalidade. Nem parece, olhando assim, que, após a democratização em meados da década de 1985, não tenhamos caminhado para um estado de direito, com uma nova Carta Magna a reger esta Nova República. O que fizemos, povo, este tempo todo?

A vida republicana no Brasil, enfrentou duas Ditaduras, uma em cada metade do século passado. A primeira, conhecida como a “era Vargas”, a despeito da dura repressão, deixou um legado de mudanças significativas para o país, com um plano de desenvolvimento, segurança jurídica de proteção ao trabalhador e incentivos à produção cultural. Passado aquele período, Getúlio, inclusive, chegou a ser eleito em um processo eleitoral. Já o período conhecido como ditadura militar, iniciado com o golpe de 1964, está marcado muito mais pelo atraso do que pelo desenvolvimento. Os anos conhecidos como Milagre Brasileiro não passaram de obras faraônicas, que trouxeram mais endividamento do que progresso; na educação, tivemos uma reforma que não fez avançar o ensino no país, e a censura impediu que a cultura pudesse alcançar o seu objetivo de elevação. Em uma paródia da ditadura anterior, um capitão do exército se elegeu, para resgatar o legado daquele período, mas o que temos visto é a celebração de torturadores, saudade do AI 5, e apelo ao fim de instituições de uma república democrática: impeachment de membros do STF (poder judiciário) e fechamento do Congresso Nacional (poder legislativo). E, incrível, falam em liberdade de expressão para propagar tais asneiras.

Ainda depurando as bizarrices do governo Trump nos EUA, com ataques às urnas e resgate de um fascismo descarado (supremacistas brancos, ataques racistas, visão imperialista), vemos um Putin, com cara de Czar da Rússia, ordenando a invasão de um país soberano. O mundo globalizado está em plena mudança, e não há mais lugar para aventuras golpistas. A nova ordem mundial fará com que os negócios em uma sociedade, digamos, “capitalista esclarecida”, se deem em um ambiente de respeito aos direitos humanos e a defesa do ambiente natural. Desenha-se uma nova democracia, no entanto, neste Brasil de atrasos e irracionalidades, a velha democracia (ou talvez, a envelhecida democracia) das patriotadas e dos falsos moralismos insiste em perdurar. Durma-se com um barulho desses! Melhor ficar acordado, aliás, porque é ano eleitoral.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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2 Comentários

  1. ‘Sociedade capitalista esclarecida’, respeito aos ‘direitos humanos’, ‘defesa do ambiente natural’, ‘nova democracia’, tudo isto não passa do velho comunismo/socialismo com outra ‘roupagem’. Lista de desejos. Basta observar os fatos. Pendulo da globalização está voltando, problema com as cadeias de suprimento devido a pandemia. A ‘vantagem comparativa’ dos economistas levou um baque. Estimativas variam, mas na média afirmam que existem 40 milhões de escravos(as) no planeta. Uns 10% são sexuais. 70% do sexo feminino. Um em cada quatro, crianças. Resumo da opera: ‘retorica’ cortina de fumaça eleitoral; mundo muda mas ninguém sabe onde vai parar, fatores importantes são deixados de lado (curva demografica por exemplo). Chutes baseados no que a imprensa publica, superficial e parcial. Muuitas conclusões com poucas evidencias. E a guerra na Ucrania? Se tivesse que apostar não acaba antes de novembro. Depois das eleições ianques.

  2. Para a esquerda tupiniquim ‘Democracia é quando temos o poder e os outros obedecem’. Liberdade de expressão ‘é quando todos falam o que dissermos que é permitido falar’. O resto é mimimi para, de novo, tentar fazer colar ‘narrativa’. Coisa de quem não tem o que dizer, repetir sempre a mesma coisa. EUA não tem só Trump, velho truquezinho barato de mostrar só a metade da historia, a que convém. EUA também tem os ‘Socialistas Democraticos da America’, Alessandria Ocasio-Cortez, que defendem, dentre outras coisas, ‘democracia no lugar de trabalho’, garantia federal de trabalho (0% de desemprego, governo contrataria todos os desempregados e garantiria estabilidade de preços) e um ‘New Deal’ verde (aumento de tributos, criação de imposto sobre o carbono, intervenção estatal na economia, etc.). Cereja do bolo é que a ‘liberdade de expressão’ ianque tem outro aparato legal e qualquer um é livre para gostar ou não, só que não tem importancia nenhuma.

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