Dirigir a vida – por Bianca Zasso
Sobre “Drive My Car”, Oscar de melhor filme internacional 2022
Uma das muitas coisas que assombraram esta que vos escreve nessa ainda em andamento pandemia foi o distanciamento da crítica. Ok, muitos dirão que eu ainda escrevi aqui neste espaço e também estive presente no Reels da Toca Audiovisual com o projeto Bia na Toca Clássicos. Mas para quem assistia no mínimo um filme por dia e suava a camiseta para dar conta das estreias no cinema, isso é muito pouco.
Foram muitas as noites em que me questionei se ainda era uma crítica de cinema. Se as frequentes interrupções nas sessões da madrugada por conta de um bebê não atrapalhavam meu processo de trabalho. Porque sim, é trabalho, por mais que pensem que só nos divertimos, afinal, vamos ao cinema toda a semana.
Senti vergonha por não estar em dia com os filmes que “todo mundo estava comentando”. Lembrei da minha mãe e da frase “você não é todo mundo”. Aliviou um pouco a angústia, mas não diminuiu minhas dúvidas.
Questionamentos à parte, foi diante de uma obra audiovisual que fui confrontada sobre como não sou mais a mesma de antes, mas isso não quer dizer que não seja mais crítica. Drive My Car, obra singular do diretor japonês Ryusuke Hamaguchi, premiada com o Oscar de melhor filme internacional neste ano, tem o poder de tocar o espectador em diferentes intensidades.
Resumir o filme à jornada de um dramaturgo que é convidado a montar uma versão de Tio Vânia, de Tchekhov, para um festival de teatro na cidade de Hiroshima é perder muito do que ele tem a oferecer. São vários personagens e todos, de alguma forma, deixam a sua marca dentro da história, mesmo que não sigam ao lado do intitulado protagonista por toda a trama.
Baseada em um conto do premiado escritor Haruki Murakami, o longa-metragem faz pensar o luto e a solidão sob faces pouco exploradas nas telas, especialmente as ocidentais. Hidetoshi Nishijima está ótimo como o fio condutor da história, equilibrando razão e emoção em suas feições e apoiado com firmeza nos potentes diálogos escritos por Hamaguchi.
Assistir Drive My Car foi como embarcar em uma viagem onde o que menos importa é o destino. O carro vermelho, que carrega o protagonista por vários cenários e cujo rádio roda as falas da peça que ele está ensaiando, já entrou para a lista de veículos inesquecíveis do cinema.
Os planos em que o observamos circular por rodovias iluminadas não são apenas belos, mas um convite para que os espectadores pensem suas próprias estradas. Hamaguchi sabe construir momentos onde o espectador pode digerir o que assiste e, porque não, montar sua própria trama ao lado da que está sendo contada diante dos seus olhos.
O cinema oriental é conhecido por seu ritmo próprio, e Drive My Car faz jus a sua origem. Se Akira Kurosawa e Yasujiro Ozu nos ensinaram a observar a natureza, dentro e fora das casas, com atenção, este jovem diretor inspira a deixarmos nossos smartphones dentro das bolsas e olharmos mais pela janela. Inclusive as que estão instaladas dentro da gente.
Há afeto e elegância em cada detalhe da produção, incluindo sua trilha sonora viciante. São quase 3 horas de duração, mas se o espectador estiver disposto a mergulhar, vai encontrar alguns dos mais tocantes momentos do cinema atual, como a cena das mãos segurando cigarros no teto solar de um carro.
Trazer mais elementos do filme para este texto seria estragar a experiência transformadora que é Drive My Car. Ofereço aos leitores desta coluna algumas das muitas sensações que as duas sessões deste filme me proporcionaram. Sem dúvida, a mais poderosa delas foi pensar que os filmes guiam meus sonhos e meus passos desde a tenra infância e é parte do meu trabalho e estudo há quase 20 anos.
As pedras no caminho existiram e muitas ainda virão. Mas eu sempre dou um jeito de sentar em cima delas para escrever sobre cinema e tocar, de diferentes formas, a mente e o coração das pessoas.
Drive My Car
Direção: Ryusuke Hamaguchi
Ano: 2021
Disponível na plataforma Mubi
(*) Bianca Zasso, nascida em 1987, em Santa Maria, é jornalista e especialista em cinema pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Cinéfila desde a infância, começou a atuar na pesquisa em 2009. Habitualmente, seus textos podem ser encontrados aqui às quintas-feiras.
Observação do Editor: as imagens que ilustram este texto são de Divulgação.
Questão de bolha. Filme que todos estão comentando é ‘Dr Estranho no Multiverso da Loucura’. Oscar deste ano se resumiu a bofetada que Will Smith deu no Chris Rock. Premios em geral abandonaram, ideologicamente obvio, o merito e politizaram-se ao extremo. Ja estavam em decadencia e caminham para a irrelevancia. Pulitzer deste ano aparentemente teve como comissão julgadora o comite central do Partido Democrata. Obviamente quem criticar é ‘racista, misogino, homofobico, etc.’.