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Liberdade virtual – por Orlando Fonseca

O cronista e a difusão de ideias, que não pode se tornar “vale-tudo”

Apesar da sofisticação dos equipamentos de comunicação e das redes sociais, o modo como os seres humanos divulgam suas ideias e, principalmente, opiniões, não evoluiu. Diria até que involuiu.

Estou exagerando, pois os benefícios são imensos; mas não escapa a ninguém que a rede mundial de computadores, vulgo internet, passou a ser território livre para a difusão de toda sorte de falácias e falcatruas do pedaço.

Ora, isso já foi o objeto de desejo dos nossos ancestrais, quando aquele mundo social era marcado pela “barbárie”, conceito usado atualmente para contrastar com o mundo civilizado e ético – o mundo moderno – da “cultura”.

Não havia, em nossa pré-história, o ser humano culto, mas o brutamontes, o qual falava mais alto e, por isso, detinha o poder, possuía equipamentos para invadir, ocupar e destruir. Para esse, não existia limites, fronteiras ou protocolos. Entretanto, hoje, em plena vigência de um mundo urbanizado e esclarecido, esse tem sido o sonho de quem supõe que “liberdade” é dizer ou fazer o que pensa, sem censura, ou consequências (como se não houvesse leis).

Freud chamou esta passagem de um mundo regido por instintos básicos para a vida em sociedade como “mal-estar da civilização”. Esse é o preço que devemos pagar para usufruir de todas as benesses do mundo evoluído (e não são poucas).

Mas não é possível imaginar que “ser livre”, na vida em uma república democrática, associa-se à noção de imposição da vontade própria sobre o interesse coletivo. Impor um pensamento como verdade absoluta sobre a coletividade, pela simples razão de que considera a sua ideia melhor.

No século XVIII, quando começamos a usar a racionalidade para formular as condições de vida social, criou-se o pensamento liberal sobre a maneira de exercer o poder em uma sociedade plural. Neoliberalismo e neopentecostalismo são outras coisas, que têm produzido sintomas de patologias sociais de nossa época, e que encontraram terreno fértil em nosso país, no condomínio das redes sociais.

Fruto de um visão triunfalista do capitalismo, agravada por uma era individualista fim- de-século, o neoliberalismo gerou toda sorte de mazelas, físicas ou mentais. E um dos efeitos colaterais disso é a falta de fundamento na ideia que grassou por aqui a respeito de “liberdade de expressão”.

O cúmulo do que estou falando, veio semana passada, com o perdão presidencial dado ao deputado Daniel Silveira, julgado e condenado por 10 dos 11 ministros do STF. O maioral da república considerou tudo isso uma injustiça.

Na mesma semana, a galera que compactua dessas ideias entrou em êxtase com o anúncio de que o miliardário Elon Musk vai comprar o Twitter, um dos descontentes com as restrições éticas do aplicativo.  

Tirando onda, Elon Musk ironizou, no próprio Twitter, dizendo que vai comprar a Coca-cola e devolver a cocaína à fórmula secreta do refrigerante. Como disse, ideias liberais mal formuladas são prejudiciais à democracia.

Em vez da “verdade que liberta”, o povo que se anuncia como “bancada evangélica” tem usado e abusado de falácias para fazer política. Diante da estupefação geral da notícia de um Pastor com revólver carregado no aeroporto (e a proteção divina?), líderes vieram a público argumentar que Jesus também usou uma arma para afugentar os vendilhões do templo.

Falso argumento, pois o Mestre não usou um azorrague para se defender, e sim para expulsar os fariseus (e teria muito trabalho se fosse hoje). Aliás, se tivesse uma arma não teria sido crucificado. Na única vez em que uma arma foi usada, Ele condenou a ação de seu discípulo que cortou a orelha de um guarda que o viera prender, e ainda operou um milagre no ferido.

Não podemos deixar que, num ano eleitoral, a difusão de ideias – base da vida democrática – se torne um vale-tudo, batalha campal, em nome da liberdade de manifestação. O voto é a livre manifestação popular, e como tal deverá ser exercido, com a segurança atestada das urnas eletrônicas. Isso é democracia e para isso é que somos – seres humanos – providos de inteligência.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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5 Comentários

  1. Daniel Silveira teria que ser punido. Mas não daquela forma. Quando não se segue o rito enfraquece-se as instituições. Ideologia dos outros não se perde tempo discutindo. Elon Musk viu as barbaridades e resolveu agir. Censura até de jornais no Twitter, a empresa decidiu, melhor, empregados da empresa decidiram que seriam os ‘arbitros da verdade’. Desculpa é a ‘etica’. Os limites legais deveriam ser seguidos, caso contrario não é ‘democracia’. Que tem a ver com ouvir o que não se quer ouvir de alguém que não se gosta. Conceito de ‘inteligencia’ da esquerda também é diferente. Bom lembrar.

  2. Biden criou um Comite de Governança de Desinformação dentro do Homeland Security. Prontamente apelidado de Ministerio da Verdade. Para chefia-lo apontou uma mulher que criticou abertamente o caso do laptop do filho do presidente como desinformação. Filho que está sob investigação e o laptop existe. Pergunta que não quer calar, quem diz o que é verdade? Os governos? A imprensa vermelhinha? Os militontos de esquerda?

  3. Freud está ultrapassado. Estamos na era da neurociencia. Da ressonancia magnetica funcional. Imposição da vontade propria foi tentada. Empresas implantaram a tal governança ambiental e social nos EUA. Ambiental ficou em segundo plano. No social a enfase foi na ‘inclusão’. Muitos empregados de minorias e cargos de direção ocupados por militantes de esquerda. Resultou numa censura aos conservadores. Algo escancarado. O perigo desta censura cair é o ‘problema’. Vide a Disney, lei proibindo ensino de temas relacionados a sexualidade na Florida nos quatro primeiros anos escolares. Maior supervisão dos pais. Empregados do Disney World protestaram, empresa deveria se opor a legislação. CEO se manifestou. Passaram uma legislação tirando os beneficios fiscais da empresa que ja duravam mais de meio seculo.

  4. Cultura é algo que pode ter muitos sentidos. Barroso, o ministro, gosta de promover saraus na sua residencia, sugere livros nas redes sociais. Arrogante ou pedante? Há os que acumulam cultura por satisfação pessoal, outros para ‘mostrar que são melhores’. ‘Cultura’ não é criterio de avaliação, os nazistas ouviam opera e pilharam os principais museus e coleções particulares da Europa. Heidegger era filosofo. Embutido nos cultuadores da ‘cultura’ está o ‘quando todos forem iguais a mim/pensarem com eu o planeta será um lugar melhor’. Não creio.

  5. Na China o Estado controla o que pode e o que não pode ser publicado. Exemplo, em outros paises existe algo semelhante em maior ou menor grau. Dai vem a questão quem define o que é ‘falacia’ ou ‘falcatrua’; A ‘esquerda’ (esquerda e direita são conceitos ultrapassados, mas se trabalha com o que se tem)? Há um aspecto geracional e ideologico na questão. Alguns creem que a ‘humanidade’ evolui da barbarie para a ‘civilização’. Pode até ser, não é falsificavel, mas o homo sapiens surgiu há uns 150 mil anos e só começou a fazer pinturas em cavernas há uns 45 mil anos atras. A maior guerra do planeta não tem 100 anos. Alguns confundiram avanço tecnologico (que está longe de ser uniforme geograficamente) com avanço ‘civilizacional’. Mais, novas gerações tem valores diferentes que, não por isto, são melhores ou piores. Tem outras prioridades.

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