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“O passado não é um lugar de residência” – por Michael Almeida Di Giacomo

O articulista e a dificuldade de desenvolver debate sério nos tempos de hoje

É senso comum, vivido por todos nós, que as relações interpessoais – quando se trata de ideologia/política/filosofia ou economia – estão a cada dia mais contaminadas por um discurso odioso, a transformar o debate – qualquer um – em momentos de discórdia, belicosidades, acusações fortuitas e efêmeras. 

E foi o que aconteceu – novamente – nas redes sociais, no último dia 5, data de nascimento de Karl Marx (1818-1883). A pauta “debatida” era sobre qual a contribuição político/filosófica/econômica do revolucionário socialista alemão, ainda sobrevive e pode ser aferida na história contemporânea da humanidade – precisamente, no limiar do atual século.

A “discussão” não foi nada elucidativa.  Eu fiquei a pensar…

Se tomarmos por fundamento o pensamento de Roy Bennett, político e escritor norte-americano, de que “o passado é um lugar de referência, não um lugar de residência […]”, é possível constatar – tanto à direita, quanto à esquerda, que a contaminação venosa a permear o “debate” político-ideológico, leva os extremistas a residir em algum lugar muito fora da nossa realidade.  É fato.

Pois veja.

Sendo o passado “um lugar para aprendermos”, conforme disse Bennett, sob uma lógica de contraponto ao capitalismo e enfretamento das desigualdades sociais – a partir da organização dos trabalhadores, uma das ações mais importantes pouco lembrada e a viger em nosso meio, foi uma proposição de iniciativa de Robert Owen (1771-1858), destacado industrial galês – considerado um dos fundadores do socialismo e do cooperativismo.

Owen, em 1817, sugeriu ao governo que usasse o fundo de sustento dos pobres para a compra de terras e construção de aldeias cooperativas. O reformista social vislumbrava que seria possível a determinada aldeia produzir para a sua própria subsistência e trocar os excedentes com as demais.  Por óbvio, não obteve êxito junto ao governo britânico.

Contudo, isso não o impediu de promover reformas pioneiras na fábrica em que era coproprietário, na cidade de New Lanark. Entre as quais, a redução da jornada de trabalho, a proibição do emprego de crianças, a construção de um Jardim de Infância para os filhos dos operários e a criação de uma Cooperativa, onde se conseguia comprar produtos a um preço mais acessível.

De modo que, em destaque, por iniciativa de Owen, a criação da primeira Escola Infantil (1816), a fim de atender aos infantes dos operários de sua fábrica. O galês tinha plena convicção – e assim procedia – que as crianças deveriam aprender jogando, brincando, dançando e realizando atividades físicas, entre outras inovadoras abordagens.

Assim, tem-se que não sendo o passado “um lugar para vivermos” – como parece ser a opção de muitos extremistas, uma breve olhada ao nosso redor é suficiente para compreendermos que a promoção da justiça social – uma luta histórica – é parte da sobrevivência do próprio sistema capitalista.

E, por certo, no tempo presente, enquanto a insensatez for maior que a razão, qualquer “debate” estará fadado à cognição obscurantista.

* O breve espaço do presente artigo não permite que se possa aprofundar o método de ensino adotado – inclusive para infantes de idades acima dos 6 anos, e que foi seguido por muitas escolas nos anos seguintes.

Se houver interesse, indico um site:  https://pgl.gal/robert-owen-promotor-da-educacao-infantil-e-reformador-social-documentarios-sobre-a-sua-vida-e-obra/

 (*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15. Ele escreve no site às quartas-feiras.

Nota do Editor: a imagem (sem autoria determinada) que ilustra este artigo retrata a escola infantil de New Lanark, criada por Robert Owen. Ela foi reproduzida deste site: AQUI.

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Um Comentário

  1. Se o debate inclui alguem de ‘esquerda’ eu nem presto atenção. Assistir alguém vomitando cartilha para convencer os outros a trabalhar para uma utopia tendo como base a Segunda Revolução Industrial é perda de tempo. Perda de tempo também são os marketeiros da ‘inovação, start up, unicornios, sustentabilidade, inclusão’ e coisas do genero. Se o debate só tiver gente do juridico pior ainda. Tudo muito descolado da realidade. Resumo da opera: de gente com visão muito estreita é melhor manter distancia. Existe vida inteligente nas redes, se alguém não ve está explicado.

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