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Real polaridade – por Orlando Fonseca

Se há, ela “reside na distância entre democracia e autoritarismo”

Se há uma polaridade na disputa eleitoral deste ano, essa reside na distância entre democracia e autoritarismo. Esqueça-se a propaganda que coloca em campo capitalismo x socialismo, livre mercado x ameaça comunista. Contudo, há uma ameaça real quando, na contraposição de atraso x progresso, resgatam-se valores ultrapassados, tanto no que diz respeito à gestão pública, quanto a um moral regente da vida em sociedade.

Quando fundamentalismos formam uma base argumentativa para barrar avanços, é preciso ficar de olho. Quando o negacionismo e a ignorância estrutural são postas na mesa para negociação, é preciso cuidado, porque é precisamente nesses detalhes que as democracias perdem fôlego e começam a morrer. Esqueça-se a fulanização da política, o que está em jogo, em defesa da vida democrática em nosso país, é a possibilidade de que o fascismo tome conta do pedaço. 

Estou ciente de que, na hora de votar, os eleitores têm em mente o nome de alguém. As campanhas eleitorais se fazem em torno de uma figura pública, para a qual constroem narrativas com base na trajetória pessoal dos candidatos.

Dificilmente, em se tratando de números massivos, pode-se falar de voto em um projeto, como deveria ser a escolha sensata. Por trás, e no entorno de um candidato, está um grupo, um conjunto de ideias e propostas, que serão levadas ao cabo no mandato. Por não levar isso em consideração é que muita gente se decepciona, de imediato, com o que fazem os eleitos.

Da mesma forma, quando se trata de reeleição, é preciso ver com clareza o que foi efetivamente realizado, durante os quatro anos de gestão. A memória da maioria dos brasileiros é fraca – e isso não é uma generalização, mas uma constatação. No entanto, o quadro que vivemos, na conjuntura brasileira atual, é de uma gravidade a que poucos estão atentos.

Não fosse pelos altos índices de desemprego e inflação, e a indolência estaria, perigosamente, tendendo a manter as coisas como estão. E aí é que reside a maior urgência: as ideias golpistas podem parecer, apenas, bizarrice ou diatribes de um desgoverno.

Não é difícil de constatar que temos uma gestão desastrada que não conseguiu apresentar uma proposta sequer que, primeiro, tirasse o país do buraco em que se meteu após o impeachment da presidenta Dilma, segundo, tivesse um programa de recuperação social e econômica após a pandemia e, terceiro, tivesse solidez para enfrentar os reflexos globais com a guerra no Leste Europeu.

Tudo o que temos visto é um governo baseado na mitificação de uma figura pública e de um passado de autoritarismo, sem que isso revele um plano de saída da crise. As falas revelam um fascismo latente, sem uma agenda populista que outros fascistas históricos – Franco, Mussolini – apresentaram em seus países. Apostar na manutenção de tal proposta é investir na falta de inteligência – para não usar termos de baixo calão. 

Um sintoma de algo muito grave é a necessidade de que membros do judiciário e do legislativo venham a público defender o sistema eleitoral brasileiro. De todas as falas que temos ouvido, a do atual presidente do TSE é definitiva.

Como disse o ministro Edson Fachin, “não admitiremos do ponto de vista da Justiça Eleitoral qualquer circunstância que obste a manifestação da vontade soberana do povo brasileiro de escolher seus representantes. Uma geração deu sua vida durante 21 anos da ditadura civil-militar nesse país para que nós pudéssemos a partir de 88 exercer o direito de escolher. E cada um, de forma livre e consciente, cada um segundo a sua cosmovisão. Quem vai ganhar as eleições de 2022 no Brasil é a democracia”.

Que o país volte a se desenvolver e garanta qualidade de vida para todo o povo é o que está em disputa. Ao mesmo tempo em que não se deve dar trela às ameaças à ordem institucional, é preciso estimular um ambiente saudável para o debate dessas ideias, a fim de que volte à cena política o que lhe é peculiar em uma república democrática: a promoção do bem comum e a busca de uma sociedade mais justa, digna e igualitária. 

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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8 Comentários

  1. Agora pela manha um correspondente, não dá para deixar a imprensa de lado, de uma emissora falou sobre as eleições regionais alemãs. Primeiro-ministro balança. Segundo o reporter o fracasso eleitoral foi devido a ‘não criticar mais veementemente Putin ou tomar medidas mais energicas’. Inflação prevista para este ano na Alemanha era 6,6%. Anualizada agora em abril passou de 7,4%. Não foi mencionado. Inflação da produção por lá bateu nos 40%. Também não mencionado. Economia andando de lado. Idem. Na França a situação está um pouco melhor, inflação anualizada anda pelos 4,5%. Já na Italia a coisa está bem feia, falam em calote da divida publica. China está reabrindo os portos e aumentou as importações da Russia, para dar uma força, em mais de 50%. Resumo da ópera: BSB tem um circo que pauta a midia politica que pauta os ‘formadores de opinião nas suas bolhas’. População, é a impressão, tem interesses mais mundanos, menos etereos. Que não sao debatidos em lugar nenhum. Boa e velha cortina de fumaça. Jornalistas não são mais prestadores de serviço, são ‘agentes de transformação social’. O que poderia dar errado?

  2. Molusco com L., o honesto, deve se eleger no final do ano. É o prognostico. Só que sem ‘boom das commodities’. Sem a economia minimamente organizada como estava depois do Plano Real. Discurso agora é de intervencionismo estatal acefalo, usar as mesmas receitas de bolo que nunca funcionaram. Gestão é ‘coisa da Globo’, chamam pejorativamente de ‘gerencialismo’, o que vale é a ‘vontade politica’. Vai falar em ‘união nacional’ (e já pode ir tomar caju desde agora, junto com as mesmas bestas que irão replicar o discurso). O que poderia dar errado?

  3. Fachin tem 64 anos. Já tem mais tempo no retrovisor do que no caminho a frente. Não é saudavel tocar o pais com olho no retrovisor. Problemas que podem ser resolvidos são os de agora, não os do passado (ideologicamente alguns discordam).

  4. Diretoria do Inter de POA, ao menos é a impressão que fica, viu o Manchester City e o Liverpool jogar e concluiu que o clube deveria mudar a forma de jogar. ‘Modernizar-se’. O que seria bom, vamos combinar. Contrataram técnicos falantes de espanhol com bons salários e promessas de contratações. Comissão tecnica chegava aqui e o plantel era o que a casa tinha para oferecer, a imprensa esportiva era uma das mais cricri do pais e a torcida impaciente. Deu no que deu. Ou seja, não tem como desenhar, conceitos e boas intenções não bastam. Do conceito ao planejamento, burocratas não vão entender, é até fácil. Tirar do papel é onde mora o perigo. Resumo parcial: falar só custa a saliva.

  5. Brasil é um pais de hipocritas. Socialistas querem fazer justiça social com o dinheiro dos outros. ‘Liberais’ idem, livre mercado para os outros, para eles é reserva de mercado e muito subsidio. Alás, durante a pandemia o que mais se via era carros particulares fazendo entregas pela cidade. Diminuiu por um certo tempo e agora parece que a ‘moda’ voltou. Não a toa, os custos das lojas fisicas ficaram proibitivos. Altas de juros levam tempo para fazer efeito, pelo jeito há uma recessão contratada para o segundo semestre. Lojas de rua devem fechar.

  6. ‘base argumentativa para barrar avanços’. Que avanços? Alás, quem define o que é ‘avanço’? Este negocio de ‘voto em projeto’, ‘grupo com um conjunto de ideias e propostas’ é teoria. Projeto petista lá atras era ‘permanecer 20 anos no poder’, 20 anos renovaveis bem se diga. Molusco com L., o honesto, enrolou-se com o Mensalão e depois com o Petrolão. Elegeu Dilma, a humilde e capaz, para um mandato tampão (a la Putin). So não contava que a Capaz e Humilde quisesse reeleição. E quebrasse o pais no processo. Alás, uma das maiores realizações do governo Dilma, a humilde e capaz, foi a introdução do panelaço no pais. De que forma? Quebrando a nação. Simples.

  7. Democracia e autoritarismo é a narrativa que os vermelhinhos querem fazer colar. Em algumas bolhas funciona. São conceitos etéreos. Proporcionam um cheque em branco para depois da eleição. Se os problemas reais não são discutidos pode-se fazer qualquer coisa. E, se o debate fosse autoritarismo, não poderia ficar de fora Mao, Stalin, Pol Pot, Fidel, etc. Alás, ‘politico tal era rico, não poderia ser comunista’. Qual o lider comunista que morreu ‘pobre’? Alás, autoritarismo, de onde saiu o ‘politicamente correto’? O ‘não basta não ser racista, há que ser anti-racista’. O ‘humor está sempre do lado do opressor, logo não pode existir’. Falar que a esquerda é ‘democratica’ só utilizando o conceito que os vermelhinhos dão para ‘democracia’.

  8. Pessoal da academia, principalmente na aldeia, interior, tem uma visão despregada da realidade. Pior, tabacudos vão atras. Exemplo? Criatura é mestre/doutor(a) em empreendedorismo, start-ups, unicornios, inovação, sustentabilidade, inclusão, etc. Só que nunca teve nem uma barraquinha de pipoca para chamar de sua. É o mesmo que ser um(a) mestre/doutor(a) em sexologia virgem. Há que não atente para este detalhe importante.

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