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A primeira e a segunda morte de Dom e de Bruno defendendo a Selva Amazônica – por Carlos Wagner

“Assim que Bolsonaro assumiu, o governo passou a ter um lado nessa disputa”

A chegada dos corpos de Dom e Bruno em Brasília para identificação pelos peritos da Polícia Federal (PF) (Fotos Reprodução)

Há um fato que não pode ficar fora do inquérito da Polícia Federal (PF) sobre o assassinato, pelos irmãos Oseney da Costa de Oliveira, 41 anos, o Dos Santos, e Amarildo da Costa Oliveira, o Pelado, do jornalista britânico Dom Phillips, 57 anos, e do indigenista Bruno Pereira, 41. No dia 23 de maio de 2020, durante uma reunião ministerial com o presidente da República Jair Bolsonaro, o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles surpreendeu a todos sugerindo que o governo deveria aproveitar que a atenção da imprensa estava toda voltada para os efeitos causados pela pandemia da Covid-19 e “passar a boiada”.

Referia-se a cancelar portarias e decretos que regulamentavam assuntos em vários ministérios. Toda a imprensa já sabia que o governo Bolsonaro estava flexibilizando por conta e risco regulamentos em diversas áreas. Salles sugeriu que o que estava sendo feito no varejo fosse feito no atacado. Ele não só desregulamentou a sua pasta como também boicotou a ação dos fiscais de órgãos importantes, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

A história da “boiada” facilitou a vida dos madeireiros clandestinos, garimpeiros, pescadores ilegais e outros saqueadores da Floresta Amazônica. Antes de seguir conversando com os colegas e os leitores vou recordar um assunto que considero importante. Bolsonaro pode ser acusado de muitas coisas, a maioria exageros beirando à ilegalidade. Mas uma coisa podemos dizer: ele não mentiu para os seus eleitores.

Durante as três décadas em que foi parlamentar e na campanha eleitoral de 2018 ele defendeu o garimpo nas terras indígenas, os madeireiros ilegais e a expulsão das ONGs da floresta, entre outras coisas. Ao se eleger presidente, começou a cumprir o que havia prometido.

Voltando à nossa conversa. Conheço razoavelmente bem os rolos daquele canto do Brasil. Trabalhei no caso Chico Mendes, assassinado em 1988 na cidade de Xapuri, no Acre, no massacre dos índios ianomâmis, em 1993, na fronteira de Roraima com a Venezuela, e na morte de 29 garimpeiros pelos índios cintas-largas, em 2004, em Espigão D’ Oeste, Rondônia. E fiz três livros chamados Brasil de Bombachas, publicados em 1996, 2011 e 2019, sobre a ida dos gaúchos e seus descendentes, nos anos 70 e 80, para as fronteiras agrícolas, como eram chamados os estados do Centro-Oeste e do Norte.

Lembrei o meu currículo para poder fazer as afirmações a seguir. Toda a região vive um conflito permanente entre agricultores, extrativistas, garimpeiros, pescadores e, nos últimos tempos, traficantes da cocaína trazida dos países vizinhos, principalmente da Colômbia. Não acontecia um massacre por dia devido à presença dos órgãos governamentais, principalmente os federais, como o Ibama e a Fundação Nacional do Índio (Funai), ONGs e a Polícia Federal (PF).

Assim que Bolsonaro assumiu o seu mandato, o governo passou a ter um lado nessa disputa. Destituindo funcionários públicos federais que eram comprometidos com a preservação do meio ambiente e defensores das causas indígenas. E colocando seus amigos no comando.  

O fato do governo federal ter um lado desequilibrou o frágil controle que havia entre as partes no conflito e começaram os rolos. Como consequência, o desmatamento e o volume de invasões das reservas indígenas aumentaram a um nível que jamais tinha sido visto, além de outras atrocidades que não chegaram ao nosso conhecimento.

Foi esse ambiente de “pode fazer que não dá nada” que encorajou Dos Santos, Pelado e outras três pessoas a planejarem e executarem o brutal assassinato de Dom e Bruno. Lembro o seguinte. Foi preciso a juíza Jaiza Fraxe, da 1ª Vara Federal Cível do Amazonas, em Manaus (AM), atender a um pedido da Defensoria Pública da União e das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja) para determinar que o governo federal colocasse seus recursos – pessoas e equipamentos – na busca de Dom e Bruno, que haviam desaparecido no domingo, dia 05/06.

A imprensa também descobriu que o advogado que defendia Pelado, que havia sido detido para averiguações, era procurador de uma prefeitura da região. O governo federal entrou na busca porque foi pressionado pela juíza, imprensa (nacional e mundial) e organizações populares.

Pelas escassas informações sobre o andamento da investigação das mortes de Dom e Bruno, o rumo que as coisas estão tomando é de que ela foi planejada e executada por um grupo ligado à pesca ilegal. Esse grupo criminoso tem ligações com outras gangues que agem na área no furto de madeira, garimpo nas terras indígenas e tráfico de cocaína.

Pelo que aprendi trabalhando na região não existe um comando central que coordene a ação desses grupos criminosos. Cada um deles age por sua conta. A única coisa que os une é a vista grossa do governo para os crimes contra o ambiente que eles praticam. Estão aproveitando que o governo é simpático à desregulamentação das leis ambientais e tirando proveito da situação.

Tudo que escrevi aqui não é opinião. São fatos que publicamos nos noticiários. Arrematando a nossa conversa. Dom e Bruno foram mortos pela primeira vez quando o governo Bolsonaro e seus aliados flexibilizaram as leis ambientais e desmontaram os órgãos de fiscalização, facilitando a ação das quadrilhas de saqueadores da Floresta Amazônica. E a segunda vez quando o grupo criminoso dos irmãos Dos Santos e Pelado concluiu que “não daria em nada” o ajuste de contas com o jornalista britânico e o indigenista brasileiro.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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