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As mães na literatura de autoria feminina negra – por Elen Biguelini

Finalizando o tema que iniciamos há um mês sobre o aleitamento maternos, voltamo-nos novamente à História do Brasil, ao tratar da maternidade para as mulheres negras.

O texto de Vania Vasconcelos, “No colo das Iabás”, trata da maternidade negra nos livros de autoria feminina negra. Esta obra traz questões interessantes sobre as representações do que era ser mãe, e o que ainda é ser mãe, para as sociedades afrodescendentes, bem como as representações recuperadas destas figuras que foram criadas por autoras negras.

A autora afirma que a “imagem materna é, provavelmente, o mais poderoso e universal dos arquétipos ligados à mulher”. (VASCONCELOS, 2015, 91). Ou seja, a figura da mãe como guia e protetora surgiu em diversas sociedades e se apresenta recorrentemente na mitologia e, logo, na literatura das mais diferentes etnias e grupos.

A representação delas surge também recorrentemente. No entanto, como “the pen has been in their hands”, como nos informa Jane Austen, a escrita foi, ao longo da história, majoritariamente masculina. Não porque escrever fosse considerado um ato masculino, mas porquê a sociedade como um todo denotava às mulheres uma posição de subalternidade, posição esta que era ainda mais inferiorizada perante a “Sociedade” com S maiúsculo quando esta mulher também era de cor.

Assim, durante muitos séculos, a figura da mãe ficou fechada nas interpretações masculinas da maternidade. A mãe ideal, Maria, aquela que se submente como inferior ao filho, mas que cuida, preza e o guia na caridade.

Com uma base católico cristã, os autores brasileiros não fugiram desta interpretação.

Virginia Woolf descreve o “anjo do lar” como a idealização da mulher segundo os olhares masculinos, mas é na mãe que esta idealização verdadeiramente se apresenta. Capitu pode ter traído Bentinho (esta autora acredita que não), mas é na figura de mãe devotada que se redime.

A figura da mãe, quando representada pela autoria masculina, surge envolta em um véu de sensibilidade e carinho. E isto apenas quando aparecem. Segundo Vasconcelos, “o mais comum é que essas personagens sejam secundárias ou co-protagonistas, compondo os estereótipos criados pelo imaginário masculino acerca das mulheres”. (VASCONCELOS, 2015, 100).

Então, quando mulheres negras passaram a ter acesso as letras, começaram a delinear figuras femininas das mais variadas, incluindo as maternas. Vasconcelos faz uma breve descrição das importância da imagem da mãe para as sociedades africanas e matrilineares. Conforme a autora, este modelo “não implica na dominação da mulher sobre o homem, mas na partilha das responsabilidades e privilégios”, assim como estimula o desenvolvimento das mulheres “como ser humano e, portanto, sua contribuição produtiva para a sociedade” (VASCONCELOS, 2015, 122).

Estas características da sociedade sobreviveram ao colonialismo, e até mesmo no Brasil, a importância das mulheres e a partilha dos deveres e poderes existe, em parte, nas tradições afrodescendentes e nas religiões de origem africana.

Assim, nas obras de autoras negras, a maternidade aparece não apenas como a imagem de uma figura imutável, inalcançável e superior à todas as outras mulheres, uma Virgem Maria dos trópicos, mas são sim representadas como figuras verdadeiras e reais, com situações complicadas a serem resolvidas, conflitos e sofrimentos da realidade. Segundo a autora, estas escritoras “[a]presentam nas relações familiares que vivenciam, a complexidade e profundidade que as torna muito mais atraente do ponto de vista da verossimilhança”.(VASCONCELOS, 2015, 144). São reais e não fruto de uma idealização masculina.

Vasconcelos analisa a obra de duas autoras em especial, Conceição Evaristo e Ana Maria Gonçalves, mas esta característica se apresenta também em outras escritoras. Maria Firmina dos Reis, que já aqui apresentamos em outra ocasião, é também outro exemplo. As mães em Ursula, tanto brancas quanto negras, não são imagens sobre um pedestal, mas sim mulheres que sofrem e que têm voz.

VASCONCELOS, Vania. No colo das Iabás. Fortaleza: Edições Democrito Rocha, 2015.

(*) Elen Biguelini é doutora em História (Universidade de Coimbra, 2017) e Mestre em Estudos Feministas (Universidade de Coimbra, 2012), tendo como foco a pesquisa na história das mulheres e da autoria feminina durante o século XIX. Ela escreve semanalmente aos domingos, no Site.

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