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Covid longa – por Orlando Fonseca

Com certeza já ocorreu para você, leitor, de estar tentando localizar algo no passado próximo, e ter dificuldade de dizer se foi há dois ou três anos. Comigo tem acontecido muito, e isso se deve àqueles dois anos e meio de pandemia, com a radicalidade dos protocolos de isolamento, de afastamento, do temor de contrair a doença, da perda de gente querida, e da falta de vacina. É um dos efeitos colaterais, e talvez o de menor gravidade, porque, dentre as sequelas individuais, há quem tenha perdido capacidades físicas e mentais como a memória, olfato e paladar e as condições respiratórias. Os especialistas ainda estão estudando o caso, mas já denominam de Covid longa. Ou seja, a epidemia veio para ficar por muito tempo ainda.

Mas o que desejo considerar, neste espaço, está dentre as consequências sociais em nosso país. Afora os problemas econômicos, que catapultaram os índices de miséria, um dos maiores problemas que estariam nesta Covid longa comunitária, é a defasagem na educação. Professores e gestores ligados ao ensino escolar e universitário têm detectado deficiências graves de aprendizado, em especial alunos de primeiros anos. E, talvez, assim como se viu na demora em providenciar a vacina, o que vai impactar ainda mais essa situação é a falta de um programa nacional, por parte do MEC (mergulhado em escândalos de corrupção).

Aquelas crianças que, em março de 2020, quando se iniciaram os protocolos sanitários anti-Covid, ingressaram no primeiro ano, para começarem a sua alfabetização, e aqueles que começavam o segundo ano, para consolidá-la, são os que têm maiores dificuldades agora. O ensino remoto, seguido do sistema híbrido, foi uma solução para resolver a ausência total de formação. Um expediente, que com certeza, não passou de solução de continuidade. Sem contar a falta de socialização, item importante na formação educacional, o processo foi, digamos, terrível, para os pequenos. Por mais que em casa uma criança tenha recebido apoio, a alfabetização exige técnica, acompanhamento especializado, condições que estão mais apropriadas em uma sala de aula. O ensino híbrido, com os alunos frequentando a escola com máscaras, professores idem, também trouxe dificuldades para esse aspecto, pois a leitura, nesta etapa, normalmente feita de forma oral, carece da expressão facial prejudicada pelo uso do equipamento.

Para os alunos das outras séries mais avançadas, também houve prejuízos, pois dois anos de atividade mediada pela interface digital desencadearam uma série de vícios, prejudicando a participação em presença dos demais colegas em classe. Isso também serve para alunos universitários, alguns tendo iniciado a sua formação superior na forma remota, alijados das trocas sociais do convívio acadêmico, do debate público, da prática em laboratórios e bibliotecas. Assim como para os alfabetizandos, esse é um período crucial para a continuidade do processo ensino/aprendizagem, porque é básico para inserção no ambiente que o torna “estudante”. Com o agravante para os primeiros, porque, na minha opinião de educador, a alfabetização é a etapa fundamental, não há outra na trajetória de um estudante em grandeza. Tornar-se alfabetizado produz uma mudança tão significativa na vida do cidadão que se forma, que não se compara com as demais transformações na carreira: terminar o Ensino Médio, passar no ENEM, receber um diploma ou conquistar um título de doutor. E temos uma geração que vai pagar um preço altíssimo pela falta de um programa de nivelamento necessário.

É claro que aqueles que, no ambiente doméstico, tiveram condições e conseguiram apoio, o impacto terá sido menor. No entanto, a educação é obrigação constitucional partilhada entre a família e o poder público. Cabe a este último providenciar as melhores ferramentas e práticas para garantir o direito do cidadão. Caso contrário, etapas importantes na formação de crianças e jovens estarão entre aquelas que se perderão na memória, e farão falta, muita falta, no futuro do nosso Brasil. É bom lembrar disso, pois estamos em ano eleitoral.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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2 Comentários

  1. Obviamente medias não mostram muito. 3,2% ao final do ensino medio atingiram o nivel adequado em matematica. Problemas da educação são antigos e ninguém quer realmente enfrentar o problema. Diferenças ideologicas priorizam coisas diferentes. Uns falam em não reprovação nas series iniciais para evitar evasão. Ou seja, baixam o nivel para resolver outro problema. Dai vem o caso de Sobral onde colocaram uma serie a mais no inicio do fundamental com alfabetização no primeiro ano. Medida que é copiada nacionalmente. Politicos vivem metendo o bedelho. Uns querem direito constitucional no ensino medio (que era o antigo OSPB). Outros querem educação financeira, esquerda quer acabar com o capitalismo e é contra. Construtivismo aplicado de forma tosca. Ensino baseado em competencias que vira empulhação. Muitos falam em ‘formar cidadãos’, mesmo que não saibam ler e escrever direito. Alguns procuram uma homogeneidade impossivel. Os curriculos minimos viram o teto no ensino publico, nas privadas acrescenta-se algo, mas não muito mais. Brizolistas ainda defendem o ensino integral, dois turnos, que não sobreviveu. Ensino não resolve (logo não é atrativo) para os que não querem cursar uma faculdade. Ou seja, querem resolver todos os problemas da sociedade com educação, mas ninguém resolve os problemas da educação. Surrealismo puro. A pergunta que não quer calar: os ‘especialistas’ em educação do Brasil sabem o que estão fazendo?

  2. Kuakuakuakua! Sim, foram os dois anos de covid, os sessenta e tantos que vieram antes não tem nada a ver com o fato. Kuakuakuakuakua! Autodiagnostico sem grau em medicina, tudo muito ‘cientifico’, kuakuakuakua! SARESP, avaliação do ensino de SP, mostrou que os alunos que concluiram o ensino medio em 2021 mostraram, majoritariamente, conhecimento equivalente ao setimo ano primario em matematica e oitavo ano em portugues. Sistema se ‘realimenta’, muitos no futuro virarão professores.

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