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Política ambiental do Brasil pode ter custado a vida de Dom Phillips e Bruno Pereira – por Carlos Wagner

Autoridades brasileiras terão que se explicar para a opinião pública mundial

Dom e Bruno tomaram todos os cuidados exigidos para trabalhar em região de conflito. O que deu errado? (Foto Reprodução)

Vamos começar a nossa conversa colocando as coisas no seu lugar certo. Ao contrário do que afirmou o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), que o jornalista inglês Dom Phillips, 57 anos, e o indigenista Bruno Pereira, 41, “estavam em uma aventura não recomendada” quando desapareceram no Vale do Javari, no Amazonas, no domingo (05/06), eles tomaram todos os cuidados recomendados para trabalhar em área de conflito.

É o que revela a rapidez e a riqueza de detalhes com que o desaparecimento se tornou público. Vejamos: na sexta-feira (03/06), às 19h25min, eles chegaram de barco às proximidades da Base de Vigilância Indígena da Fundação Nacional do Índio (Funai), próxima ao Lago do Jaburu. No domingo seguinte partiram para a Atalaia do Norte e, no caminho, fizeram uma parada na comunidade de São Rafael. Partiram da comunidade com a previsão de chegar a Atalaia entre 8h e 9h.

Como não chegaram no horário previsto, no início da tarde, às 14h, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) enviou uma equipe para percorrer o trajeto percorrido pelos dois em busca de pistas. Às 16h, reforçou as buscas com outra equipe, que saiu de São Gabriel da Cachoeira.

Antes de seguir a conversa vou fazer um relato que considero importante. Logo no início da pandemia de Covid, contrariando todas as avaliações de cientistas e da Organização Mundial da Saúde (OMS) que alertavam sobre o grande poder de contágio e letalidade do novo coronavírus, Bolsonaro afirmou que se tratava de uma “gripezinha” e consolidou o negacionismo do vírus como política de governo. O que atrasou a compra de vacinas e causou a falta de oxigênio hospitalar em Manaus (AM) e em cidades do interior do Pará, matando dezenas de pacientes por asfixia.

No total morreram mais de 600 mil pessoas no Brasil e a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, a CPI da Covid, encontrou as digitais do governo Bolsonaro nas mortes. Toda a história é contada no relatório de 1,3 mil páginas produzido pela CPI.

Voltando ao desaparecimento de Dom e Bruno. A afirmação do presidente de que os dois “estavam em uma aventura não recomendada” me fez lembrar a história da “gripezinha”. Na área em que estão sendo feitas as buscas foram encontrados pertences dos desaparecidos enrolados nos galhos de árvores submersas pelas cheias dos rios. Incluindo o laptop de Dom. Todas as informações que forem encontradas no notebook são importantes para o caso.

Também foram achadas vísceras humanas, que estão sendo analisadas pela Polícia Federal (PF). Na manhã de segunda-feira (13/06) foi noticiado na Globo News que a mulher de Dom Phillips, Alessandra Sampaio, teria sido informada de que dois corpos foram encontrados na área onde a dupla desapareceu. A PF negou a informação.

É normal nesse tipo de situação circularem informações desencontradas. Lembro que a cobertura do que está acontecendo no Amazonas é mais perigosa do que nos campos de batalha da Ucrânia. O conflito entre russos e ucranianos, que se iniciou em 24 de fevereiro, é uma guerra entre dois países, que vem sendo transmitida online para os quatro cantos do mundo.

Segundo o Centro de Comunicação Estratégica e Segurança da Informação da Ucrânia, já foram mortos cinco jornalistas, entre eles Oleksandra Kurrshynova, produtora da FX News. E foram cometidos 148 crimes contra profissionais da imprensa, como ameaça de morte e outras coisas do gênero. O perigo nesse tipo de cobertura faz parte, por ser uma guerra.

A cobertura dos conflitos na Mata Amazônica é muito mais perigosa para o repórter porque não se sabe de que lado vem a bala. A região está tomada por garimpeiros, contrabandistas de madeira e traficantes ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC) e outras facções da região, como a Família do Norte (FDN).

Há uma aliança entre o PCC e cartéis colombianos produtores de cocaína para tornar o Brasil um corredor de exportação de drogas para os mercados europeus e americanos. Como acontece atualmente no México. Os órgãos governamentais daquele canto do país estão infiltrados de informantes das quadrilhas.

Essa situação na região não é de hoje. Mas foi muito agravada no governo Bolsonaro pela escolha política feita pelo presidente de desmontar os órgãos de controle que existem na Selva Amazônica. Sem correr o risco de cometer um exagero pode-se afirmar que as autoridades brasileiras não têm mais o controle da região. Hoje aquilo é terra de ninguém.

Uma situação bem pior que era em 1988, quando o ecologista, sindicalista e seringueiro Chico Mendes foi tocaiado e morto em sua casa, em Xapuri, no Acre. Mendes ganhara fama ao redor do mundo porque cercava as árvores com uma corrente de pessoas, evitando que fossem derrubadas para a criação de gado.

Trabalhei na cobertura do julgamento dos culpados pela execução de Chico Mendes: Darci Alves, o autor dos disparos, e seu pai, Darly Alves, o mandante do crime. Os dois foram presos, condenados e cumpriram pena. Houve várias denúncias que eles eram apenas elos de uma corrente que envolvia muita gente ligada à grilagem de terras.

Também trabalhei no massacre de 22 índios ianomânis por garimpeiros na fronteira entre Roraima e a Venezuela. Em 2004 estive trabalhando na reserva indígena Roosevelt, em Espigão do Oeste (RO), onde os índios cinta-largas massacraram 29 garimpeiros que extraíam diamantes na reserva.

No rolo dos cinta-largas aprendi uma coisa. As riquezas saqueadas por garimpeiros, contrabandistas de madeira e outros criminosos são legalizadas de várias maneiras e vendidas nos mercados internacionais e nacional.

É uma situação que exige muita paciência do repórter devido a sua complexidade. Nos anos 80 e 90, vários repórteres trabalhavam na Selva Amazônica, enviados pelos jornais. Tipo de matéria cara, porque os deslocamentos na região são feitos por avião locados ou barcos. Nos dias atuais, os grandes jornais simplesmente caíram fora da região porque enfrentam problemas econômicos.

Mas ainda existem grupos de jornalistas que trabalham por sua conta e vendem o material para publicações estrangeiras. Repórter só é herói nos filmes. É bem outra a realidade de quem trabalha com matéria complicada e perigosa. Dedicamos uma parte considerável do nosso tempo planejado a abordagem, para obter as informações de uma maneira que reduza o risco de se cair em uma cilada. Mas o risco sempre existe.

Lembro que certa vez, em um boteco em São Paulo, conversava com um colega sobre conflitos agrários no Pará, um estado onde existem muitos pistoleiros de aluguel. Ele me contou um episódio em que um homem o ameaçou de morte durante uma matéria sobre grilagem de terras. A grande preocupação que teve no momento era que, se morresse, não poderia redigir a matéria.

Olha, seja lá qual for o fim do caso de Dom e Bruno, o fato é que as autoridades brasileiras terão que dar explicações para a opinião pública mundial, como deram no caso de Chico Mendes, no massacre dos ianomânis e em outros.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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