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Até o último restinho – por Marta Tocchetto

“Este comportamento está longe de ser apenas pãodurice ou avareza”

Você é daqueles ou daquelas que, feito eu, não põe nada fora ou só descarta o que de fato não dá mais? Eu sou assim, uso até o último restinho.

Você é daqueles ou daquelas que vira o tubo de detergente para usar até o último restinho? Corta o tubo de condicionador e coloca um tiquinho de água para facilitar a retirada? Cola a lasquinha de sabonete e de sabão na barra nova? Raspa várias vezes o fundo de latas e dos vidros deixando-os limpinhos para retirar tudo? Dá aquela lavadinha básica no vidro de molho para aproveitar a última sobrinha no prato que está sendo preparado? Enrola e aperta o tubo de pasta de dente para aproveitar ao máximo? Limpa bem e até dá uma lambidinha na tampa de vedação do iogurte? Você é daqueles ou daquelas que, feito eu, não põe nada fora ou só descarta o que de fato não dá mais ou não tem conhecimento de como aproveitar na totalidade? Eu sou assim.

Este comportamento está longe de ser apenas pãodurice ou avareza. A preocupação é com o desperdício e com o impacto que os restinhos podem causar no meio ambiente. Representam, sobretudo, cuidados válidos e importantes, considerando que o desperdício conduz ao aumento de consumo. Essa forma de proceder, aproveitar tudo ao máximo, colabora também para reduzir a geração de resíduos.

As sobras de produtos descartados no meio ambiente ao se degradarem geram diversos subprodutos que podem reduzir a qualidade do meio, considerando a possibilidade de interação com a água, o solo e o ar. Dependendo da toxicidade podem ainda causar efeitos graves, inclusive à biodiversidade.

Outro aspecto também importante quando se considera a retirada ao máximo do conteúdo das embalagens, é a reciclabilidade. A presença de sobras contamina o material podendo não apenas reduzir a qualidade do reciclado, mas inviabilizar o próprio processo. A limpeza das embalagens para entregá-las à coleta seletiva é um fator muito importante.

Embalagens sujas, em especial as de alimentos atraem vetores, como ratos, baratas, escorpiões e outros que oferecem riscos à saúde humana. Sempre que possível é importante limpá-las para também evitar o mau cheiro, decorrente da decomposição dos produtos.

Costuma-se tratar os recicláveis como sendo resíduos limpos, os quais podem ser estocados, sem maiores transtornos, até que o recolhimento seja feito. Quando se fala em limpeza é preciso considerar o uso da água. A água é um bem natural essencial. Não vivemos sem água. A poluição hídrica é um fator importante para a escassez, pois muitas vezes, mesmo havendo reservas, o uso é inviabilizado pela falta de qualidade ou pelas limitações operacionais ou, ainda pelos custos financeiros relativos ao tratamento físico-químico.

Sempre que possível, o ideal é lavar as embalagens, para isso é possível usar água servida. A água de enxague da louça, por exemplo, é uma boa alternativa. Basta tapar o ralo da pia e dar uma boa enxaguada para retirar o grosso. Essa medida já é suficiente para evitar os transtornos decorrentes da presença de sujidades.

A força da gravidade também pode ser uma aliada tanto no aspecto do maior aproveitamento quanto da limpeza. Emborcar as embalagens deixando-as de cabeça para baixo, facilita o escorrimento dos produtos. Resíduos de líquidos viscosos, como óleos, são facilmente eliminados desta forma. Assim também, se evita o uso de detergente que, quando presente no esgoto urbano, em especial em cidades que não dispõem de unidades de tratamento, contribui fortemente para a poluição dos rios, dos lagos e de outros corpos hídricos.

O uso de descartáveis, se por um lado oferece praticidade, por outro traz consigo um alto custo ambiental. Este custo está relacionado à pegada ecológica dos materiais que os compõem. Pensando nos plásticos que demoram centenas de anos para se decompor, a pegada atravessa gerações. O retorno das embalagens ao ciclo produtivo, por meio da reciclagem, minimiza o impacto do descarte no meio ambiente, mas está longe de neutralizá-lo.

O ideal é usar embalagens retornáveis oportunizada pelas vendas à granel. A refilagem (uso de refil) poderia ser uma alternativa não fosse o incompreensível preço mais alto dos produtos acondicionados neste tipo embalagem. Uma prática que vai na contramão da sustentabilidade e da redução dos impactos ambientais provocados.

Essa conduta é facilmente comprovada nos produtos de limpeza. É mais barato comprar sabão líquido na embalagem original que usa mais plástico para produzi-la do que em refil. Uma conta ambiental que não fecha considerando o incentivo ao consumo na contramão da redução.

Usar os produtos até o último restinho é a ponta do iceberg. O problema das embalagens é bem mais complexo e exige enfrentamento, em especial com políticas relativas aos materiais usados para a confecção das mesmas e a implantação, de fato, da logística reversa que visa fechar o ciclo em direção a uma economia circular, responsabilizando todos os elos da cadeia de produção, distribuição e consumo, no sentido de reduzir os impactos ambientais decorrentes do consumo de diversos produtos.

(*) Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.

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