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Por que Bolsonaro insiste no caso da menina catarinense estuprada? – por Carlos Wagner

“Usar uma família, como é o caso, na disputa política é um ato de crueldade”

Os estrategistas da reeleição do presidente Jair Bolsonaro estão tentado atrair Lula para o debate sobre o aborto (Fotos Reprodução)

É crueldade para com a família e os brasileiros de um modo geral a insistência do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) em usar o caso do estupro de uma menina de 11 anos em Santa Catarina para puxar a pauta do aborto para a disputa eleitoral que trava com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP).

Os estrategistas da reeleição do presidente estão tentando surfar na onda criada ao redor do mundo pela Suprema Corte dos Estados Unidos, que no final do mês passado revogou uma decisão tomada em 1973 que garantia o direito constitucional das mulheres americanas ao aborto – há matérias na internet.

O aborto é um assunto que divide a sociedade na maioria dos países. O Brasil não é exceção. Portanto, há inúmeros caminhos que os estrategistas da campanha poderiam ter tomado para puxar essa pauta para a disputa eleitoral. Escolheram o mais cruel. Por quê? É sobre isso que vamos conversar. Vamos aos fatos.

Antes uma observação, que considero necessária para quem não é jornalista. Há inúmeras maneiras de começar a contar uma história, duas são as mais usadas. Uma delas é a que chamamos nas redações de “pé na porta”, que consiste em “falar de cara” a informação mais importante para o leitor. A outra é “pegando leve”, ou seja, ir contextualizando o leitor aos poucos, até envolvê-lo na história. Vou começar pela segunda maneira.

Há dezenas de matérias disponíveis na internet sobre o caso da menina. Vou citar algumas informações durante a nossa conversa. Agora, vou começar a contar a história. É marca registrada da maneira de fazer política de Bolsonaro usar traumas familiares que viraram casos nacionais para ganhar espaço na imprensa. Fez isso durante as três décadas que foi deputado federal pelo Rio de Janeiro e continuou fazendo quando se elegeu presidente da República em 2018.

Tratei do assunto no post de 30 de julho de 2019 Bolsonaro continua enfiando o dedo na ferida de 64. Por quê? Na ocasião ele teve uma discussão com o então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Fernando Santa Cruz (47 anos na época). Afirmou que, se fosse do interesse de Santa Cruz, ele diria quem matou o pai dele, Fernando Augusto, então com 26 anos, militante da Ação Popular (AP), que desapareceu em fevereiro de 1974, provavelmente sequestrado e morto pelos órgãos de repressão política do Governo Militar (1964 a 1985).

Nos últimos três anos, Bolsonaro se envolveu em vários outros casos semelhantes. O presidente tem um senso de oportunidade de vender o seu peixe muito apurado. Há um livro muito interessante sobre o assunto chamado O Cadete e o Capitão – A vida de Jair Bolsonaro no Quartel, escrito pelo repórter Luiz Maklouf Carvalho.

Lembro que ele virou assunto obrigatório nos jornais ao redor do mundo quando tornou o seu negacionismo em relação ao poder de contágio e letalidade da Covid-19 em política de governo. O resultado foram mais de 620 mil brasileiros mortos. As digitais do seu governo nas mortes estão nas 1,3 mil páginas do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19, CPI da Covid.

Não sou ingênuo de pensar que os estrategistas da reeleição de Bolsonaro não usariam esse caso da menina estuprada de Santa Catarina para puxar a pauta do aborto. Tenho 71 anos, 40 de profissão e 30 e tantos de redação de jornal, onde trabalhei na maior parte do tempo com matérias investigativas.

Tenho dito nas minhas palestras que quando a gente sai da redação (sai em 2014) há assuntos que nos acompanham e vez ou outra nos tiram o sono. Um que muitas vezes emerge nos meus pensamentos é sobre casos de famílias de pessoas comuns que acabaram se envolvendo em episódios que as tornaram manchete dos jornais nacionais.

Não é fácil ganhar a confiança dessas famílias para fazer uma entrevista. Porque elas são isoladas por um cordão de advogados e autoridades. Quando o repórter consegue ultrapassar esse cordão e chegar aos familiares o que ele encontra pode ser resumido em uma palavra: “medo”.

Conheço razoavelmente os detalhes não publicados do caso da menina de Santa Catarina. Mas o que interessa aqui são os publicados. O que era para ser um procedimento normal, no caso o aborto previsto na legislação, se transformou em um pesadelo para a família por conta da juíza Joana Ribeiro Zimmer, que tentou convencer a menina a não abortar – há matéria na internet.

Depois que o direito da menina ao aborto foi garantido, o caso voltou às manchetes por conta do governo federal, através do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, que entrou com pedido de investigação no Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (CRM/SC) sobre os médicos que fizeram o aborto. E também quer saber como o assunto chegou à imprensa. Os dois casos, dos médicos e da imprensa, são protegidos por lei. O governo federal só fez isso para ter as manchetes dos jornais.

A volta do caso ao noticiário assustou a família. Li tudo o que se publicou sobre as intenções do governo em reativar esse caso. A imprensa deu um tratamento muito correto ao episódio. O que vou escrever agora não é opinião. Mas fatos que estão nas entrelinhas do que publicamos.

Os estrategistas da campanha à reeleição não estão nem aí para a família dessa menina. O compromisso político do presidente é com os seus eleitores, que são contra o aborto. Acreditam que esses eleitores não irão se interessar pela família. E se não for bem assim?

Vamos por partes. O uso desse caso tem o objetivo maior de atrair Lula para a discussão. Até agora o ex-presidente tem se mantido distante da discussão. O fato é o seguinte. A maioria tem filhos e ninguém sabe o que acontecerá amanhã. Usar uma família, como é o caso da menina de Santa Catarina, na disputa política é um ato de crueldade. Não interessa o que os estrategistas da campanha à reeleição digam em contrário. É assim.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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