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Resgate da história dos casais desempregados que voltaram para a casa dos pais – por Carlos Wagner

Fatores que eliminaram o tédio das redações. E as histórias ainda não contadas

O pesadelo do desemprego ainda não terminou. E raras são as matérias que dão voz aos desempregados (Foto Reprodução)

Nos últimos quatro anos não teve espaço para o tédio nas redações do Brasil. Uma enxurrada de pautas como jamais houve antes tomou conta dos noticiários devido ao somatório de uma série de fatores, citando os três mais importantes.

O primeiro deles foi a eleição para presidente da República de Jair Bolsonaro (PL), uma pessoa polêmica, que “deixou no chinelo” o seu colega Jânio Quadros, advogado, escritor e político que assumiu a Presidência em janeiro de 1961 e renunciou sete meses depois apostando que voltaria ao poder pelas mãos da população – há matérias na internet.

Uma explicação para quem não é um velho jornalista como eu. “Deixou no chinelo” é uma expressão que foi muito usada nas antigas redações que significa ser melhor ou superior a outro por larga vantagem.

O segundo fator foram as lambanças armadas pelo presidente e seus ministros na administração da pandemia de Covid-19, apontadas em um relatório de 1,3 mil páginas produzido pela CPI da Covid do Senado. O terceiro foi o estrago à economia do país causado pela guerra entre Rússia e Ucrânia.

Todos esses rolos agravaram os problemas econômicos que o país tinha em 2018, ano da eleição de Bolsonaro, e acrescentaram novos. No meio dessa confusão aconteceram histórias que não foram devidamente registradas pelos noticiários e que devem ser resgatadas para que no futuro sirvam de fonte de pesquisa para os historiadores que vão esmiuçar esse período do país.

Uma dessas histórias esquecidas é a dos filhos casados que perderam seus empregos e precisaram voltar para a casa dos pais. Andei pesquisando e não encontrei um número confiável sobre a quantidade. Mas pelas conversas que tive e observações que fiz muita gente trilhou esse caminho.

Vamos começar pela classe média. Mais precisamente entre os casais na faixa etária entre 35 a 50 anos. Nessa faixa de idade geralmente o casal está consolidando o seu patrimônio, pagando prestação da casa, do carro, plano de saúde e escola particular dos filhos.

Vou citar dois casos que conheço. Um deles é de um casal com dois filhos em que ambos trabalhavam na iniciativa privada, setor de prestação de serviços. Primeiro, o homem perdeu o emprego e, quatro meses depois, foi a mulher. A prestação do confortável apartamento em que viviam, do carro e da escola das crianças levou a família a optar por ir morar na casa dos pais da mulher.

O outro caso é de um casal em que a mulher é funcionária pública federal e o marido trabalhava na iniciativa privada. Ele perdeu o emprego e o pagamento das contas da casa ficaram por conta da esposa. Claro, precisaram enxugar o orçamento. Alugaram o apartamento, trocaram o carro por um mais barato e foram viver no sítio do pai do marido.

Às famílias de baixa renda restaram escassas opções para sobreviver à perda do emprego. Conversei com meia dúzia de líderes de associações de vilas de Porto Alegre. Vários casais que perderam os seus empregos alojaram os filhos na casa dos avós das crianças.

Na Grande Cruzeiro, um conglomerado de 37 vilas populares onde vivem mais de 250 mil pessoas, na parte sul de Porto Alegre (RS), e que conta com uma estrutura de várias associações de moradores que ajudam as pessoas nas ocasiões de necessidade, os desempregados tiveram mais chance de sobreviver à perda do emprego.

Já nas chamadas ocupações, vilas que foram erguidas em terrenos invadidos e que não foram legalizadas pela prefeitura, a situação dos desempregados foi bem pior. Muitos não tiveram para onde correr e acabaram indo viver com os filhos na rua, em barracas improvisadas.

Conversei com um casal que alugava um barraco em uma ocupação. O homem sobrevivia vendendo bugigangas do Paraguai nas esquinas. A mulher fazia faxina. O dinheiro que ganhavam sustentava a família e dava para pagar o aluguel.

Conheço bem o problema das famílias de trabalhadores de baixa renda que vivem nas vilas da Região Metropolitana de Porto Alegre. Um dos focos da minha carreira de repórter é a migração. E foram os migrantes vindos do interior gaúcho e de estados vizinhos que povoaram as vilas da Região Metropolitana.

Lembro-me que no final dos anos 80 morei durante algumas semanas nas vilas, fazendo uma reportagem a respeito do dia a dia dos moradores. Nos anos 90 refiz a rota dos paus de arara, caminhões que serviam para o transporte irregular de trabalhadores e retirantes nordestinos que migravam para os estados do Sudeste e Sul do país. Como me disse certa vez o dono de um boteco na periferia da Região Metropolitana de Florianópolis (SC): “A gente vive hoje”.

Os fatos que enfileirei são para reflexão dos colegas, em especial dos jovens repórteres que estão na correria da cobertura do dia a dia nas redações. Se fizermos uma leitura atenta da maioria do material que publicamos sobre o impacto da crise econômica na vida das pessoas que perderam seus empregos só encontraremos especialistas falando.

Raras são as matérias que dão voz aos desempregados. Sentar e conversar com uma família de desempregados não é uma tarefa fácil. Porque envolve o destino de crianças e outros assuntos delicados. Mas quem tem que mostrar essa crise por dentro somos nós, repórteres. O país já viveu muitas crises. Mas essa é inédita e merece ser destrinchada e melhor explicada ao nosso leitor.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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