Uma feira que é outro mundo, um outro mundo possível! – por Leonardo da Rocha Botega

“Muita gente pequena, em muitos lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, mudarão a face da terra”. Esse singelo provérbio africano, popularizado pelo historiador Eduardo Galeano e citado incontáveis vezes pela Irmã Lourdes Dill, sintetiza (como poucas frases são capazes de sintetizar) um sentimento. O sentimento da solidariedade!

Solidariedade é uma palavra que etimologicamente deriva do latim a partir do adjetivo “solidus”, aquilo que é sólido, consistente. Tal adjetivo, por sua vez, dá origem ao substantivo “solidum”, que significa fundamento ou apoio, e a dois verbos, “solidare” e “solidescere”. O primeiro pode ser traduzido como consolidar, segurar, fazer sólido. O segundo significa fazer-se sólido, consolidar-se.

Solidariedade é o oposto do egoísmo, do individualismo, do egocentrismo. Solidariedade requer sujeitos coletivos, multidões que conjuntamente se fazem sólidos, se consolidam. Solidariedade é uma postura ética que se faz vida junto e com o outro. Um “espírito” que permeia o olhar e o agir daqueles que não se reconhecem no mundo das injustiças e das mazelas sociais. É o oxigênio que faz viver a Economia Solidária.

Este oxigênio tomou conta mais uma vez de Santa Maria através da 28ª Feira Internacional do Cooperativismo e Feira Latino-Americana de Economia Solidária. Foram mais de cento e quarenta mil pessoas e quinhentos expositores respirando esse oxigênio. Pessoas pequenas, que fazem muitas coisas pequenas, mas que carregam a grandeza no coração de quem resiste a selvageria de um sistema econômico que cada vez mais se faz sentir como uma máquina de moer gente.

Apesar dessa resistência, a Feicoop não é apenas resistência. É vida! E esse ano a Feicoop foi um reafirmar da vida. Um reafirmar que esteve presente na figura do presidente da Câmara de Vereadores de Santa Maria, Valdir Oliveira, que venceu uma luta de cento e dezoito dias contra a Covid-19. Esteve presente também no grande jornalista e expositor, Marcos Antônio Corbari, um guerreiro que é puro afeto, outro sobrevivente da luta contra a pior pandemia mundial desde 1918.

Corbari nos brindou com a bela imagem da Irmã Lourdes que embelezou o palco principal juntamente com as fotografias do “mágico das lentes” Dartanham Baldez Figueiredo. O reafirmar da vida também esteve presente no Acampamento do Levante Popular da Juventude que teve como tema “A juventude quer viver”.

Como bem escreveu (e canta) o poeta-palhaço Fernando Anitelli, de O Teatro Mágico, “a vida anuncia que renúncia à morte”. A 28ª Feicoop foi uma celebração da vida, sobretudo, de sua própria vida! Muitas pessoas ficaram aflitas, perguntando o que seria da Feicoop sem a Irmã Lourdes? Alguns desejavam e até tramaram pelo seu fim. Os olhos que não veem nada além dos cargos e dos umbigos não toleram a solidariedade. Queriam e torciam pelo fracasso. Enganaram-se!

A Feicoop seguiu! Foi linda! Foi resistência! Foi vida! E a Irmã Lourdes esteve presente sim! Esteve presente mesmo distante, lá nas Montanhas do Maranhão, fazendo o que sempre soube fazer: falando “levanta e anda” aos desesperançados. Esteve presente em cada stand, em cada trabalho, em cada peça de artesanato, em cada fruta, em cada verdura, em cada música cantada, em cada abraço, em cada sorriso de reencontro. Esteve presente, afinal a Feicoop não é o mesmo mundo dos mesquinhos interesses de poder. A Feicoop é um outro mundo! A Feicoop é um outro mundo possível! Vida longa à Feicoop!

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Nota do editor. A foto (de Maiquel Rosauro, da assessoria dos eventos da economia solidária) é do interior da Feicoop, acontecida entre 15 e 17 deste mês de julho.