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As três Marias e as Novas Cartas Portuguesas – por Elen Biguelini

Verdadeira obra de arte, escrita por três portuguesas, no início dos anos 70

Na semana passada apresentamos um texto de autoria dúbia, mas de grande relevância para a história da autoria feminina em Português. Estas “Cartas Portuguesas” publicadas em 1669 foram a base conceitual para outra obra de ainda mais relevância.

As “Novas Cartas Portuguesas”  foram escritas por Maria Isabel Barreno (1939-2016), Maria Teresa Horta (1937) e Maria Velho da Costa (1938-2020), a três mãos; ou seja, não se conhece qual autora escreveu que parte da obra.

O livro segue o modelo da obra “supostamente” de Mariana Alcoforado: são cartas e poemas que descrevem o amor e algumas cartas sobre os amantes do texto de 1669. No entanto, não se limitam a poucas linhas, sendo uma obra de 389 folhas.

Tornou-se um clássico não apenas devido a sua relação com o texto de nome semelhante, mas também porque resultou em grande reação por parte das camadas conservadoras da sociedade. Isto porque o livro fala abertamente da sexualidade feminina. É um texto propositalmente feminista, e foi mal recebido por aqueles que ainda se opunham aos direitos das mulheres.

“Era perversa:

Dormia toda nua, os peitos soltos e brandos muito brancos e expostos tal como os seus mamilos largos, róseos, distendidos.” (BARRENO, HORTA, COSTA, 166)

“-Frágeis no entanto são os homens em suas nostalgias, medos, rogos, prepotências, fingidas docilidades. Frágeis são os homens deste país de nostalgias idênticas e medos e desânimos. Fragilidade em tentativas várias de disfarce: o desafiar touros em praças públicas, por exemplo, os carros de corridas e lutas corpo-a-corpo. Ó meu Portugal de machos a enganar impotência, cobridores, garanhões, tão maus amantes, tão apressados na cama, só atentos a mostrar picha”. (BARRENO, HORTA, COSTA, 100)

“Ginástica muito própria esta, para um homem fazer na cama, enquanto a mulher, por certo, se masturba apanhando-o assim distraído…” (BARRENO, HORTA, COSTA, 327)

Com estes pequenos textos, é facilmente compreendido porque os grupos mais conservadores foram contra a publicação. Se este texto já é chocante em 2022, o era infinitamente mais em 1971.

Para além do conservadorismo, Portugal vivia uma época de ditadura salazarista, logo, o texto foi proibido e banido, tendo sido retirado das livrarias apenas três dias após ter sido lançado. Fora do país, no entanto, a obra fez sucesso. Foi traduzido para o inglês e para o francês e o banimento da obra foi assunto em diversos jornais estrangeiros, bem como para grupos feminista de todo o mundo.

As três Marias defenderam sua obra, recusando a afirmar quem havia escrito as partes mais fortes do livro.

O texto é ainda muito atual, apesar de ter sido escrito na década de 70, assim como universal, apesar de ter sido escrito em Portugal. Ele retrata situações de violência de gênero, fala abertamente sobre o prazer e o corpo feminino, descreve diferentes formas de amor, e escrito em prosa e em verso, trata de figuras históricas e contemporâneas. É uma verdadeira obra de arte deixada por estes três importantes nomes da literatura portuguesa e feminista.

BARRENO, Maria Isabel; HORTA, Maria Teresa; COSTA, Maria Velho da. “Novas Cartas Portuguesas”. Lisboa: Editora Futura, 1974 [1971].

(*) Elen Biguelini é doutora em História (Universidade de Coimbra, 2017) e Mestre em Estudos Feministas (Universidade de Coimbra, 2012), tendo como foco a pesquisa na história das mulheres e da autoria feminina durante o século XIX. Ela escreve semanalmente aos domingos, no Site.

Nota do Editor: na foto, sem autoria determinada, as três autoras do livro: Maria Velho da Costa, Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno.

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