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Hora do planeta (em atraso) – por Marta Tocchetto

“O preço pago pela falta de ação, além de alto, está se revelando irreversível”

O atraso em relação a hora do planeta é evidente – devagar quase parando! Fazemos pouco e consumimos muito além da capacidade da Terra se recuperar.

Longe de serem comemorativas, as datas ambientais são alertas, advertências, chamamentos. Dia 15 de março foi o Dia Mundial do Consumidor. A ideia da data é dar visibilidade aos direitos do consumidor à escolha, à segurança e à informação dos produtos. Muito mais do que consumir, a ampliação para um consumo responsável e sustentável é urgente. É fundamental questionar o consumo atual.

Por que consumir? O que consumir? Como é produzido o produto consumido? O processo de produção está diretamente conectado às exigências do consumidor. Em tempos de cancelamento, induzir modificações ou mesmo estimular a retirada do mercado de algum artigo que não atenda a segurança ou outro fator revelam o poder do consumidor que deve ser exercido para garantir a proteção à saúde e ao meio ambiente.

Não consumir produtos com ciclo de vida curto que rapidamente estragam e precisam de descarte, muitas vezes complexo. Não consumir produtos que contém na sua composição, substâncias tóxicas que fazem mal à saúde e ao meio ambiente. Não consumir produtos que promovem o desmatamento, a exploração de pessoas, que incentivem a desigualdade e o preconceito.

São alguns aspectos essenciais a serem incluídos aos nossos critérios de escolha, não apenas o preço mais baixo. Em geral, preços baixos significam sacrifício de alguma variável social ou ambiental ou até mesmo, as duas.

Os plásticos que dominam o planeta devido ao uso indiscriminado e insustentável têm trazido inúmeros problemas à biodiversidade e ao sistema ambiental como um todo. Os microplásticos contaminam inclusive o leite materno. Mães saudáveis revelaram a presença de diferentes tipos plásticos (PVC, polietileno e polipropileno) no alimento mais recomendado para assegurar o desenvolvimento saudável de bebês. É assustador, pois o real efeito a essas crianças é ainda desconhecido. 

Dia 22 de março foi o Dia Mundial da Água, instituído para alertar sobre a importância desse bem natural essencial, vital. Não há vida sem água. Ano a ano, as fontes se tornam cada vez mais escassas não apenas em relação a quantidade, mas sobretudo a qualidade. Muitos corpos hídricos estão morrendo devido aos despejos de esgotos urbanos e efluentes industriais sem tratamento.

O descarte inadequado de resíduos sólidos, como o presenciado no Gravataí contribui significativamente para a redução de qualidade das águas e para o sentenciamento dos rios à morte. As mudanças climáticas somadas ao desperdício e à poluição agravam a questão hídrica no mundo.

Crescem assustadoramente as populações sem acesso a água potável ou cujo tratamento é inviável financeira e tecnicamente, devido à complexidade dos poluentes presentes. Nossos rios, além da oferta hídrica são fontes importantes de alimentos e de sobrevivência para os que tiram deles o seu sustento, como os pescadores. O tratamento dado a esses locais no estilo “lata de lixo” tem comprometido não apenas a subsistência, mas a saúde das populações – a água é um importante veículo de transmissão de doenças, como dermatite, hepatite, leptospirose e outras.

Dia 25 março foi marcado pela Hora do Planeta – movimento instituído pela Organização Não Governamental WWF para conscientizar indivíduos, empresas e poder público a respeito dos desafios socioambientais da atualidade e sobre a perda da biodiversidade. O gesto é simples – apagar as luzes durante uma hora.

No Brasil, a Hora foi sábado e o início foi às 20 h e 30 min. Durante os sessenta minutos de duração, os participantes dedicaram o tempo para refletir sobre a urgência de cuidar do planeta. Cuidar do planeta é cuidar de si mesmo. Cuidar do planeta é cuidar de nós e de todos.

Minha percepção é de que o engajamento aos propósitos ambientais é baixo e lento, apesar das evidências cada vez mais nítidas, mais drásticas e, da urgência. O atraso em relação a hora do planeta é evidente – devagar quase parando. Fazemos pouco e consumimos muito mais do que a capacidade da Terra se recuperar.

O preço que está sendo pago pela falta de ação além de alto, está se revelando estratosférico, irreversível. A resistência às mudanças de atitude vai na contramão da urgência das ações – a seca no Sul, as chuvas no litoral de São Paulo e, nos últimos dias, no Acre, Amazonas e Maranhão são provas contundentes das modificações ambientais e climáticas. Esses poucos exemplos não deixam dúvidas de que os eventos climáticos que estão cada vez mais drásticos, que ceifam vidas, sonhos e conquistas são respostas às ações do homem que explora de forma predatória os bens naturais.

As medidas de enfrentamento adotadas são essencialmente reativas, apenas apagam incêndio. Os efeitos só crescem. As desigualdades se avolumam. Os sofrimentos se ampliam. Governos desencorajados e descomprometidos com o enfrentamento da crise climática jogam com a solidariedade entre as pessoas criando esperanças sublimáveis ante ao esquecimento e ao próximo evento, retomando o interminável e repetitivo ciclo de tragédias cada vez mais frequentes.

(*) Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.

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