Delegacia de Pelúcia – por Marcelo Arigony
“Boa de bater, boa de apanhar; boa de cuspir. Tal qual a Geni”
Mais de uma vez nesta vida imaginei-me atendendo ao telefone da delegacia assim:
– Delegacia de Pelúcia, bom dia!
Sim. Tinha havido (mais) um furto na propriedade rural. E havia um suspeito com diversos antecedentes. Ele possuía um veículo com as características do que fora utilizado no crime; e foi apresentado na delegacia em situação de flagrância, pois tinha carne na geladeira.
Provavelmente fosse a carne do animal vacum surrupiado na calada da noite. Muito – muito mesmo – presumivelmente era o autor. Carro similar e carne na geladeira. Mas o capa-preta não havia autorizado a busca; veio no contexto do “flagrante”. Lugar ermo; alta madrugada; nenhuma testemunha. Tinha até álibi: tava na baia do fogão. Elementos informativos precários. Não havia prova!
Na ocasião a vítima se fez presente e, sabedora do contexto, queria que “tirássemos o serviço” do preso. Era fácil. Um rapazote. Estava ali sozinho, algemado, e ainda sem advogado. Teria que confessar!
Eu apontei para a sala onde o rapaz estava sentado, preso a uma cadeira, e disse àquela vítima que poderia ir lá. Que atrás da porta havia um bastão chato, com três dedos de lombo, e um fio que poderia ser ligado à tomada, para algum beliscão. Que aproveitasse o momento. Mas que fosse rápido porque o anel estava para chegar… e tortura é um crime bem maior do que o abigeato.
Aquele homem arregalou os patacão (!), e me disse que não iria fazer aquilo. Que era um pai de família, homem de bem; que não era violento… e que tinha medo. Ademais, aquilo era o nosso serviço, papel da polícia. Disse que nós é que temos a maldade, preparados para isso; e que a polícia tem o dever de resolver essas situações. Senão aquilo era uma delegacia de pelúcia, e não de polícia.
A situação acima narrada – um pouco mais, um pouco menos – ocorreu muitas vezes. Algumas pessoas procuram a delegacia e nem querem registrar; pretendem que a gente vá dar um susto; um calor; e se possível uns beliscõezinhos. Boa de bater. É papel da polícia lidar com os bichos-homens. No imaginário popular a gente tá ali pra redimir a sociedade.
Até que o susto, o beliscãozinho, é em alguém próximo da gente; até que um “justificado” abuso põe um inocente na cadeia; até que aquela diligência ao arrepio da lei leva um lazarento à morte. Aí a polícia tá sozinha. Boa de bater, boa de apanhar; boa de cuspir. Tal qual a Geni.
Que tipo de polícia a sociedade quer? Lei é vontade geral. E a polícia é o retrato da sociedade a que serve. As instâncias legislativas e formadoras (academias de polícia) estão sintonizadas com essa vontade?
(*) Marcelo Mendes Arigony é titular da 2ª Delegacia de Polícia Civil em Santa Maria, professor de Direito Penal na Ulbra/SM e Doutor em Administração pela UFSM. Ele escreve no site às quartas-feiras.
Diria que alguma coisa devia ser feita. ‘Suspeito’ está procurando, uma hora vai achar. Mais ou menos como os ‘genios’ (que incluem mulheres, óbvio) da teoria que defendem as cameras. Alás, não sei porque tanto debate, a decisão já foi tomada, ser contra ou a favor é perda de tempo. Divago. ‘Retorica’ toda é ‘vigiar a policia’ para que ‘respeite os direitos da cidadania’. Como se a grande maioria dos policiais já não o fizessem sem Big Brother. Alás, vigilancia muda o comportamento dos policiais, mas também dos vagabundos. Alás, nos EUA em alguns lugares o dispositivo foi implementado há mais tempo. Alás, já falhou em casos rumorosos, o que levou imediatamente a midia tradicional a concluir que os policiais eram culpados, teriam adulterado o aparelho. Alás, suicidios com utilização do policial foram filmados, criatura não quer cometer o ato e provoca a autoridade até levar um tiro (ou mais). Resumo da opera é pessoas sentadas num ambiente confortavel opinando sem levar em conta todas as alternativas. Exemplo? Antes da pandemia vi uma Kombi de catadores de residuos. Logo depois uma Saveiro (ou uma Pampa). Talvez ainda operem na urb, talvez não. Com coleta seletiva o que acontecerá? Proibiram armas num raio de 100 metros das sessoes eleitorais. Vai ser fiscalizado? Obvio que não em todo o pais. Periferia de Manaus, de Curitiba, no Complexo do Alemão do RJ e outros lugares. Obvio.