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A intenção da arte – por Bianca Zasso

Sobre o filme de Fabrício Koltermann. Mas é mais, bem mais que isso

Na semana passada, Santa Maria viveu um momento importante dessa fase de retorno das atividades presenciais dos espaços de arte da nossa cidade. O termo “semana passada” pode soar bem doloroso para uma jornalista como eu, que já trabalhou com hard news e sabe que passado um minuto a notícia já pode ser considerada velha.

Mas retomo um acontecimento nesta coluna porque não deixar de registrar o que vivi naquela quarta-feira no auditório que abriga as sessões do Cineclube da Boca, projeto de extensão do curso de Gestão em Turismo da Universidade Federal de Santa Maria.

Para marcar o início das sessões presenciais do cineclube, uma proposta e tanto: o lançamento do curta-metragem A Intenção da Noite, nova empreitada do diretor e roteirista Fabrício Koltermann.

Com produção da Toca Audiovisual e financiado pela Lei de Incentivo à Cultura de Santa Maria, o filme é um retrato dos tempos sombrios que nos assolam desde antes do ano de 2020, mas que ganharam mais força com a chegada da pandemia.

Numa história que trata de negacionismo, importância da ciência e das possibilidades (boas e ruins) que uma crise pode trazer para um país, A Intenção da Noite é diminuto em sua duração, mas merece ser debatido por horas.

Nos detalhes da precisa direção de arte, assinada por Camila Marques, e de fotografia, assinada por Daiane Bedin, o filme apresenta a jornada de Saulo (um inspirado Sidy Corrêa), que ministra cursos de motivação de cunho bem duvidoso durante as madrugadas.

Com problemas familiares e financeiros, ele é cercado por tipos bem conhecidos dos espectadores: a estudante de jornalismo (Thayná Máximo) que luta contra as fake news e a desvalorização da pesquisa no país, até o vendedor de carros (Luciano Gabbi, mais uma vez poderoso em cena) que conhece bem o que conquista seus clientes com poucos neurônios e muito ódio.

Contar mais do que isso sobre o roteiro de A Intenção da Noite é estragar a experiência de cores, gritos e reflexões que o filme proporciona. Mas o que não se pode deixar de marcar é a maturidade do estilo de direção e escrita de Fabrício Koltermann, que também assina a montagem do curta-metragem.

Muitos leitores desta humilde coluna dirão que a amizade que esta que vos escreve têm com o cineasta (que dirigiu os primeiros episódios de um projeto que tenho muita saudade, o Bia na Toca) influencia na opinião emitida.

Pois eu garanto que se há uma coisa que sempre existiu por aqui foi sinceridade. Fabrício nunca foi perfeito, mas desde seu primeiro trabalho, lá em 2006, já mostrava seu diferencial. Santa Maria vivia uma boa produção de curtas-metragens, muitos realizados dentro do saudoso Curso de Extensão em Cinema Digital da UFSM.

Boas histórias ambientadas na nossa terrinha surgiram, mas Vítimas em Nós se destacava pelo humor e as invenções cênicas. Nascia um diretor de comédia na Boca do Monte? Acho que A Intenção da Noite tem a resposta e ela é um sonoro não.

Humor é marca da personalidade de Koltermann e sempre aparece em seus roteiros. Mas assim como Love do Amor (seu filme anterior, indicado ao prêmio Gauchão do Festival de Cinema de Gramado), esta última empreitada apresenta um novo horizonte de interesses do diretor. Crítica social sem precisar de panfleto ou frases feitas e a proeza de conseguir atuações orgânicas de pessoas que nunca estiveram diante de uma câmera.

Estamos vivendo muitas incertezas. Logo ali há um futuro que não podemos nos aventurar a prever como será. A Intenção da Noite tem esse clima, mas não esquece de ser cinema. É na força de suas imagens que a produção cola em nossas cabeças.

Óbvio que a emoção de voltar para um ambiente cineclubista (lotado, diga-se de passagem) e reencontrar tantas pessoas queridas pesa. Mas A Intenção da Noite, numa nova sessão, em outro lugar, com outro clima, em outras circunstâncias, irá cumprir o seu papel. Não tenho dúvidas disso.

A estreia no Cineclube da Boca abre um caminho de muitos desafios para o filme. Afinal, nem todos estão preparados para verem seus “heróis” ser presos e pode ser que alguns espectadores saiam babando raivosos diante do destino de Saulo. Que bom que isso acontece. A intenção da arte é incomodar mesmo.

(*) Bianca Zasso, nascida em 1987, em Santa Maria, é jornalista e especialista em cinema pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Cinéfila desde a infância, começou a atuar na pesquisa em 2009. Habitualmente, seus textos podem ser encontrados aqui às quintas-feiras.

Observação do Editor: as imagens que ilustram este texto são de Melissa Peres.

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Um Comentário

  1. Nada diferente, a conhecida mentalidade de cidade do interior. ‘a amizade que esta que vos escreve têm com o cineasta […] influencia na opinião emitida’: aldeia está cheia disto até o topete. Vide alguns programas locais, babação de ovo é um esporte bastante praticado. ‘nunca foi perfeito, mas desde seu primeiro trabalho, lá em 2006, já mostrava seu diferencial’, perfeição é inatingivel, mas existe um destaque. O que leva a questão: profissionais que não saem da terrinha e viram um bando de tapados. Chamar de ‘arte’ a referida peça para consumo interno é uma piada analisando a resenha. Para começo de conversa, humor não combina com militancia de esquerda. Humor demanda refinamento e um certo nivel de capacidade cognitiva. Ovelhas não voam. Chavão: ‘a estudante de jornalismo que luta contra as fake news e a desvalorização da pesquisa no país’ (raso ainda por cima). Chavão: ‘vendedor de carros que conhece bem o que conquista seus clientes com poucos neurônios e muito ódio (critica ao capitalismo?). ‘o filme é um retrato dos tempos sombrios que nos assolam desde antes do ano de 2020, mas que ganharam mais força com a chegada da pandemia’. Critica ao governo Cavalão? Criatividade também é incompativel com militancia de esquerda pelos mesmos motivos citados. Resumo da ópera: nicho, mais uma patotinha autocongraturia. Quarenta mil anos atras uma pessoa das cavernas entrou numa furna da França e fez uns rabiscos na parede. Quando era permitida a visitação faziam fila para entrar. Simples assim.

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