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Cigarros no frio – por Bianca Zasso

Sobre “Encontros”, premiado filme do sul-coreano Hong Sang-soo

Realizar um cinema intimista é uma tarefa árdua. Ser grandioso, colorido e brilhante dá mais trabalho no quesito técnico, mas o resultado é, no mínimo, belo. Tratar de temáticas mais sensíveis sem se deixar levar por lágrimas em profusão ou mesmo no excesso de diálogos para movimentar uma cena é um talento raro.

O sul-coreano Hong Sang-soo o possui e, a cada novo trabalho, surpreende por seu equilíbrio e seu charme ao contar histórias de gente como a gente, com emoções como as nossas, só que elevadas a outro patamar pelo poder da tela grande.

Encontros, que chega hoje aos cinemas e foi premiado em Berlim pelo seu preciso roteiro, assinado também por Sang-soo, é daqueles filmes onde aparentemente nada importante parece acontecer, mas que na verdade está mostrando o que de mais intenso há dentro de nós.

Dividido em três segmentos, acompanhamos um jovem casal, Young-ho (Shin Seok-ho) e Ju-won (Park Mi-so) em diferentes momentos de suas vidas. É aos pedaços que Hong Sang-soo nos apresenta aos seus protagonistas e, mesmo que a maioria das sequências seja de uma câmera próxima e até terna, jamais são revelados por completo o tamanho daquelas relações apresentadas.

Se fazem meses ou anos de namoro, se pai e filhos e são bem ou estão vivendo um recomeço, se a mãe compreende seu filho, nada disso nos é explicado. E é essa a magia de Encontros.

Exibido na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e filmado em preto e branco, o que lhe concede ares de Nouvelle Vague sem perder a autenticidade, o longa-metragem é um convite para a contemplação. Mas não estamos falando de fotografia. Apesar de belíssima (e também assinada pelo cineasta), nossos olhares serão brindados pelo conteúdo das imagens, significados que, dependendo de nossos ânimos no momento da sessão, podem ir do ódio ao afeto.

Há uma ternura amarga, quase cômica, na cena em que Young-ho fuma do lado de fora do consultório de seu pai, no meio de uma neve que cai insistentemente. Um rapaz ansioso que encontra segurança em seu cigarro, mas que também busca o abraço da secretária, num gesto que beira o infantil.

Os segmentos são curtos, o que colabora para que o filme nos acompanhe até bem depois do fim dos créditos. Em tempos onde produções estão batendo as três horas de duração, mesmo se tratando de blockbusters, lançar uma produção com pouco mais de uma hora contendo intensidade e beleza é mérito para poucos.

Hong Sang-soo tem apreço por seus diálogos e já deixou claro em várias entrevistas que gosta que seus atores sejam fiéis às palavras contidas no roteiro. Sua liberdade é a do gesto. Cada intérprete é livre para se movimentar dentro da cena como achar melhor.

Essa proposta parece ser um dos ingredientes para seu cinema flertar com o de Bergman. Com o texto (muito bom, diga-se de passagem) bem definido na cabeça, atores e atrizes deixam fluir o que as palavras provocam.

E o resultado é poderoso, basta observar a cena final, na praia, onde o protagonista ainda está impregnado pelo diálogo da cena anterior. E nós, espectadores, também estamos. Mergulhamos juntos no mar gelado e pensamos que aquele garoto tem muitos medos, mas também muitos desejos. Parece comigo e com você.

Se havia um clima mais sombrio em Na Praia à Noite Sozinha, filme que Sang-soo lançou em 2017, em Encontros a proposta é de mais humor e amor. Não causa gargalhadas, afinal esse não é o forte do diretor e é bom que seja assim. Há pequenos detalhes que nos fazem rir, seja pelo insólito da situação ou pela rebeldia dos atos dos personagens.

A revolta do ator veterano diante do motivo alegado por Young-ho para ter desistido do ofício da atuação traz mais dúvidas que respostas. É uma briga ou uma troca de vivências o que estamos assistindo?

Vale perder algumas horas de sono por isso. Nunca para tentar entender, mas para deixar a imaginação voar e nos presentear com um novo filme, dentro de nossas cabeças. Experiências. É isso que devemos buscar na sala de exibição. Encontros comprova que Hong Sang-soo segue nos proporcionando algumas inesquecíveis.

Encontros (Inteurodeoksyeon)

Ano: 2021

Direção: Hong Sang-soo

Em cartaz nos cinemas

(*) Bianca Zasso, nascida em 1987, em Santa Maria, é jornalista e especialista em cinema pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Cinéfila desde a infância, começou a atuar na pesquisa em 2009. Habitualmente, seus textos podem ser encontrados aqui às quintas-feiras.

Observação do Editor: as imagens que ilustram este texto são de Divulgação.

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