“Dolus Bonus”. Emboneca que enamora – por Marcelo Arigony
Não parece (ou parece?), mas o cronista está falando de eleições e candidatos
Na década de 90, Geremildo comprou um fusca 1975. Toca-fitas Roadstar. Caixa justinha. Motor 1500 sereno e potente. Bólido refrigerado a ar, cor azul calcinha. Um besouro cheiroso por dentro, bem pintado e polido por fora, tal qual essas moças contemporâneas, sobrancelhudas.
Depois de uns dias começou a vazar óleo por tudo. Então se descobriu que tinha banana na caixa e Bardahl no motor. Quem vendeu embonecou o cabrito pra passar a cerca. E naquela época não tinha a Márcia na defesa do consumidor. Bailou com a mais feia!
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Quando a gente estuda Direito, aprende que sem dolo (dólo) ou culpa não há crime. Culpa com “C” de cautela, facinha de ver. É a mera falta do cuidado que deveria ter tido na ocasião. Puro descuido não intencional. É a negligência, a imprudência, a imperícia.
O dolo também não é difícil. No comportamento doloso a pessoa sabe o que tá fazendo, e quer (!) fazer. Dolo é pura intenção, consciência e vontade de algo ruim; muito mais grave do que culpa. Até aqui tranquilo…
Mas depois vêm teorias… e duas dezenas de dolos pra baratinar as ideias: dolo eventual, genérico, específico, de perigo… mais uns quinze tipos… e o dolus bonus – em juridiquês nativo.
E o sistema é leniente com o dolus bonus. Aceita-o, como quem tolera um sertanejo raiz do vizinho no sábado à tarde. É o dolo que antecede o namoro. Na hora do flerte, besuntar-se de filtros para dar uma ludibriada é permitido. Tudo precisa parecer bonito; de preferência maravilhoso.
A foto na rede social é de uma bonequinha de porcelana, a própria Vênus de Tróia; se for menine é a encarnação do Ken da Barbie; ou quiçá Ricardão de veludo, avatar GG. No linkedin é currículo de fazer inveja ao RH multinacional. E por aí vai. Tá na pista, tá valendo!
Déjà vu, lembrei-me de “O Homem Que Copiava” (2003). Lázaro Ramos trabalhava tirando xerox numa papelaria, mas apresentava-se como “operador de fotocopiadora”. Sutileza cosmética!
E assim caminha a humanidade, especialmente em tempo de eleição. Iniciado o período eleitoral, os candidatos exaltam copiosa e profusamente suas virtudes. Permissa vênia, redundância adrede. Dizem crer em coisas que não creem, mentem descaradamente e levantam cortinas de fumaça. É o dolo bonus do jogo eleitoral.
Na campanha é preciso embonecar-se. E o tempo é curto. Fugaz momento no rádio e TV. O candidato precisa aproveitar. Então aparece coberto de massa corrida. Resta a nós, eleitores, atentar ao canto dos sereios, e não se enamorar pelo Adônis calipígio, nem pela Afrodite cunegunda.
(*) Marcelo Mendes Arigony é titular da 2ª Delegacia de Polícia Civil em Santa Maria, professor de Direito Penal na Ulbra/SM e Doutor em Administração pela UFSM. Ele escreve no site às quartas-feiras.
Venus de Troia também conhecida como Helena de Troia. Alas, Venus em Roma, Afrodite entre os gregos. Moda agora não é só embonecar-se, é dizer que os outros são feios.