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Educação Especial: a contribuição de Clarice Lispector – por Demetrio Cherobini

A escritora extraordinária e as suas lindas concepções sobre “escrita e vida”

Dias atrás descobri quase ao acaso a contribuição de Clarice Lispector à educação especial. E não foi por meio de texto onde ela escrevesse diretamente sobre o assunto. Nem mesmo era livro sobre educação. Tratava-se de um conjunto de escritos com título bem mais genérico – Crônicas para jovens: de escrita e vida (Rio de Janeiro: Rocco Jovens Leitores, 2010). Foi justamente o tema da relação entre escrita e vida que me chamou atenção para a questão da inclusão.

Para Lispector, escrever – não apenas copiar mecanicamente, mas sobretudo escrever de forma criativa e conscientemente elaborada – é uma atividade humana vital. Tão vital a ponto de asseverar: “essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é o que eu chamo de viver e escrever”. Viver e escrever equivale, portanto, na visão da escritora, à constante renovação de si mesma.

Isso porque a escrita possibilita uma consciência mais clara sobre o mundo e sobre nós mesmos. Escrever ajuda a organizar ideias e, desse modo, ter um domínio maior dos assuntos escritos. Escrever é, sobretudo, uma forma especial de pesquisar, descobrir e conhecer melhor a realidade, a temática geral sobre a qual se escreve. São inegáveis as implicações positivas disso na existência de qualquer pessoa.

Afirma Lispector: “é na hora de escrever que muitas vezes fico consciente das coisas, das quais, sendo inconsciente, eu antes não sabia que sabia”. E completa: “Minhas intuições se tornam mais claras ao esforço de transpô-las em palavras. É neste sentido, pois, que escrever me é uma necessidade. Escrevo pela incapacidade de entender sem ser através do processo de escrever”.

Escrever é, portanto, para a vida individual e coletiva, uma necessidade fundamental. É sobretudo uma conquista, obtida mediante esforço, constância, exercício, disciplina e determinação. Principalmente: uma conquista que inspira à superação dos próprios limites – tanto de quem ensina, quanto de quem aprende.

Chega a ser difícil avaliar o quão mais generosa e realista essa proposta é do que as costumeiras opiniões médicas e psicológicas sobre os alunos da educação especial, taxativas ao decretarem a perpétua mediocridade do indivíduo a partir da aplicação acrítica de testes de formato duvidoso, como o de QI, por exemplo. Laudos que reforçam para o sujeito os seus limites e o condenam a ser visto como um permanente incapaz, do qual não se deve exigir nem esperar muito, mas apenas educar em tarefinhas básicas que o destinarão a um futuro acanhado e subalternizado na sociedade.

Bem diferente, a posição de Lispector assegura: “A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve”. Um desafio no sentido acima descrito, que precisamos realizar diuturnamente, sob pena de permanecermos aquém daquilo que poderíamos ser caso não desenvolvamos as potencialidades por ele exigidas. A educação e a educação especial devem se propor, pois, vencer esse desafio.

Sei que Clarice Lispector foi na juventude professora de crianças. Ignoro se chegou a trabalhar com alunos incluídos em suas aulas. Mas, pela lucidez de suas concepções sobre escrita e vida, que bela educadora especial ela teria sido!

(*) Demetrio Cherobini, professor da rede municipal de Santa Maria, é licenciado em Educação Especial e bacharel e Ciências Sociais pela UFSM, mestre e doutor em Educação pela UFSM e pós-doutor em Sociologia pela Unicamp.

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