É pela vida. É pela democracia – por Valdeci Oliveira
“Os próximos dias, no mínimo, ditarão o que seremos nos próximos anos”
Em outubro de 2018, um tradicional jornal da paulistano afirmou, em editorial, que optar entre os candidatos que disputavam naquele momento a cadeira de presidente da República em segundo turno se tratava de uma escolha difícil. Mesmo não encontrando lastro na realidade, aquele foi o sentimento compartilhado por alguns segmentos de brasileiros e brasileiras. E a História, sempre ela, cuidou para nos mostrar que não era nada daquilo. Colocar uma equivalência, por menor que fosse, entre os dois projetos em disputa é o que se define como desonestidade intelectual, que é quando se defende, conscientemente, uma ideia falsa ou enganosa.
Passados quatro anos, e graças à democracia, novamente somos chamados a escolher o que queremos, almejamos, sonhamos. E agora estamos novamente diante de caminhos completamente distintos. Mais evidente que em 2018 – pois, desde então, o que na época apenas se imaginava, foi posto em prática com uma voracidade, ferocidade e truculência jamais vistas -, são opções de futuro muito claras, que não deixam dúvidas.
Se é exagero comparar com o desafio da Esfinge de Tebas, o conhecido “Decifra-me ou te devoro”, que eliminava o viajante que não se mostrasse capaz de responder a um enigma, os próximos dias, no mínimo, ditarão o que seremos enquanto sociedade nos próximos anos. Futuro este que será fruto do presente, um presente que ultrapassou as fronteiras da paleta de cores que representa diferentes visões de mundo. Não se trata mais somente ser de esquerda, de se portar como defensor de pautas progressistas em busca da construção de uma sociedade mais justa, igualitária e inclusiva. A realidade que nos é imposta é muito mais abrangente do que isso.
A fronteira entre o que se havia estabelecido como normal e moralmente aceitável, aquilo que estávamos acostumados a vivenciar no cenário político nacional desde a segunda eleição presidencial pós-redemocratização, a disputa entre centro-esquerda e centro-direita dentro das regras da democracia liberal, definitivamente foi rompida.
O que temos visto e vivido há quase uma década a partir dos protestos de 2013, de forma paulatina, continuada – tendo na sequência um golpe político-institucional de uma presidente honesta, a prisão e impedimento de um candidato a presidente com grandes chances de ser eleito e, por fim, a vitória da extrema-direita em 2018 – é um esgarçamento do chamado tecido social, com a relativização do que é democracia, direitos sociais, soberania, verdade, patriotismo, ciência, vida.
Não se trata mais de ser petista, lulista ou qualquer outra qualificação que traga o mesmo sufixo que se queira utilizar para denominar o lado de uma disputa que é muito mais ampla.
E o simbólico disso tudo é ter economistas liberais e pró-mercado como Edmar Bacha, Pedro Malan e Pérsio Arida, os “pais” do Plano Real, dizendo isso. É ver antigos opositores que se digladiavam dentro da arena democrática se unindo justamente para que esta arena continue a existir sem que abdiquem de suas convicções políticas. É ler e ouvir de uma dúzia de ex-ministros da Justiça de diferentes governos e do Supremo Tribunal Federal (STF), até então tidos ou vistos como algozes da esquerda, avalizando essa assertiva.
Da mesma forma, é simbólico ver manifestos tornando clara essa posição e sendo assinados por quem dá aula, atua na ciência, dedica sua vida à pesquisa ou milita em diferentes organizações da sociedade civil que defendem o conhecimento, a saúde e a educação. É simbólico ver que essa posição é dividida tanto por quem usa as próprias mãos para produzir alimentos da agricultura familiar como por figuras como a ex-ministra da Agricultura, empresária do agronegócio e pecuarista Kátia Abreu e um dos maiores vendedores de sementes de soja do país, Carlos Ernesto Augustin.
O que está em jogo são valores iluministas, humanistas.
O oposto é vermos o desmatamento da Amazônia, o orçamento secreto, a compra de votos, a fome sendo barganhada, a morte da população jovem e preta, é vermos a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lamentar em nota a exploração da fé e da religião para conquistar votos, é ver padres serem interrompidos durante a homilia por fanáticos ou serem vaiados por criticarem a injustiça.
O oposto é ver trabalhadores e trabalhadoras sendo obrigados a filmarem seus votos para permanecerem contratados, é ver livros sendo substituídos por armas, ver a profusão de mentiras produzidas e distribuídas em larga escala com o único objetivo de espalhar o ódio e o medo, cujos efeitos são, nas palavras do corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Benedito Gonçalves, “nefastos (…) para a formação da vontade eleitoral que depende do ambiente sadio onde divergências podem ser apresentadas com respeito aos fatos”.
Não sei qual o posicionamento atual daquele jornal de 2018, não importa. Mas a escolha hoje, assim como na época, continua sendo fácil. É por um país que pode ser inclusivo ou não, tolerante ou não, justo ou não. É pela vida. É pela democracia.
(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria. É também o atual presidente da Assembleia Legislativa gaúcha.
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