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Educação especial e empreendedorismo – por Demetrio Cherobini

Em favor da “ética do respeito total aos fragilizados e vulnerabilizados”

A tarefa da educação especial é organizar as condições que possibilitam o avanço na aquisição do conhecimento a todos os estudantes da escola. Aí, ninguém deve ficar para trás, todos devem aprender e avançar. Para isso, os sujeitos envolvidos – estudantes, famílias, educadores e demais profissionais – precisam estar sempre mobilizados em torno das ações e reivindicações próprias a esse campo.

Esse projeto exige esclarecimento, sensibilidade, planejamento, participação, empenho e senso de comunidade permanentes para a obtenção dos seus objetivos. Exige, sobretudo, ter cuidado com ideologias estranhas que se impõem na escola contra os propósitos da educação especial, como a do “empreendedorismo”, por exemplo, muito em voga nos dias atuais.

Em que consiste essa ideologia? Em linhas gerais, é a idealização mistificadora das ações dos indivíduos que, na dita “economia globalizada”, conseguem derrotar seus competidores e encher os bolsos o máximo possível. Para tal concepção, os mais “fortes” e endinheirados devem ser vistos como modelo de virtude a ser seguido pelos demais.

Por sua vez, os sujeitos considerados “fracos”, “não-competitivos” etc, são definidos como a antítese de tudo o que é belo, bom e desejável. Também são responsabilizados individualmente pelo seu “fracasso” e constantemente tomados por objeto de riso, discriminação e “bullying” pela ideologia do “empreendedorismo”.

É daí que nascem, na escola, as piadas, o desprezo, o escanteamento, a má vontade, a secundarização, a violência simbólica e física contra os que não se assemelham ao perfil do “empreendedor”. Quem destoa desse padrão – por exemplo: não é “rápido” ou “prático” para superar a “média”, não “vence” os demais numa “competição” -, tem muita probabilidade de ser ridicularizado ou nomeado com adjetivos nada simpáticos.

Para tais pessoas há menos dedicação, reconhecimento, visibilidade, paciência e, sobretudo, menos recursos materiais e humanos para desenvolver suas potencialidades. Assim, a ideologia que cultua a ideia do “vencedor” e do “forte” produz também a discriminação e o desprezo com os que não se adequam ao comportamento idealizado para “concorrer no mercado”.

Ora, os estudantes da educação especial, em sua maioria, como tantas outras pessoas, não se alinham ao padrão de “produtividade” do empreendedorismo. Por causa disso, não merecem consideração? Devem exaurir suas energias mentais e físicas a fim de se adaptar a esse perfil idealizado? Contentar-se com a subalternização perpétua? Viver dos restos e migalhas de recursos que são destinados à sua educação?

A educação especial repele todas as concepções de mundo contrárias à ética do respeito total em favor dos fragilizados e vulnerabilizados. Tem como fundamento de sua prática a solidariedade com aqueles que as sociedades passadas relegaram ao descarte, abandono, negligência, submissão e escárnio. Esse público, em nossos dias, não aceita mais a condição degradante de outrora e reivindica acesso a bens fundamentais, entre eles o conhecimento escolar como meio necessário para uma vida com dignidade e autonomia.

A educação especial trabalha, pois, para quem pertence ao que o filósofo Walter Benjamin chamou de “a tradição dos oprimidos da história”, e não para quem se autoproclama, ilusoriamente, o ideal de indivíduo a ser seguido na sociedade.

(*) Demetrio Cherobini, professor da rede municipal de Santa Maria, é licenciado em Educação Especial e bacharel e Ciências Sociais pela UFSM, mestre e doutor em Educação pela UFSM e pós-doutor em Sociologia pela Unicamp.

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