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Melaram a nossa festa – por Orlando Fonseca

“Temos nas mãos a decisão sobre o futuro de um país que queremos”

Devíamos estar vivendo uma festa da democracia. Celebração da cidadania, em uma república livre e soberana, manifestação do voto para a escolha do seu mandatário maior. Mas o que temos visto e ouvido, pela mídia e pelas redes sociais, nos indica que isso nos empurra para uma defesa sofrida do regime democrático.

Em menos de quatro anos, tivemos um espetáculo deplorável nos EUA, maior potência ocidental, modelo e padrão de democracia para as repúblicas deste lado do oceano, e mais, polícia desse regime no mundo.

E, como soe acontecer em nosso país, copiou-se o método de ataque às urnas, de profusão de fake news a modo de propaganda eleitoral e, por fim, a tentativa de invasão do Capitólio, para impedir a posse do presidente, legitimamente, eleito.

O trumpismo tupiniquim está melando a nossa festa, tirando o gosto do gesto maior no exercício da vida cidadã. Ainda teremos duas semanas até que se defina o que virá, mas a minha expectativa é que não seja o funeral da democracia.

Nesta semana de gente nas filas para atualizar os dados no CadÚnico, num sintoma da crise econômica em que vive a população (cada vez) mais pobre, o que precisávamos analisar, na fala dos candidatos, eram os planos para tirar o país do buraco. Porque os problemas da economia não atingem apenas a camada de baixo; pela perda de credibilidade, neste último período, faltam investimento.

Com isso não se expande a produção, faltam empregos, sobram problemas sociais. A falta de perspectiva congela o desenvolvimento, mina a esperança e potencializa a violência. Nesse preciso momento, o país tem necessidade de remédios para se recuperar da pandemia e dos efeitos colaterais de uma guerra no Leste Europeu. Mas não é isso que se vê na administração federal, que, por efeito cascata, atinge os estados e municípios.

Não se diga que a festa da cidadania foi melada por um país dividido pela polaridade ideológica. Temos uma divisão, mas não se trata, para os mais atentos, de uma divisão entre projetos para a saída do poço. Apenas os que não estão atentos ao que se noticia, confiando muito mais (para desespero geral) nas mentiras que circulam pelas redes sociais, é que o Brasil está em condições melhores.

O fato de os combustíveis estarem mais baratos é um truque, com efeito transitório, talvez até logo depois do segundo turno das eleições, ou até o final do ano. O anúncio da liberação de auxílio emergencial, que provocou as filas de que falei acima, também é uma panaceia (necessária, porque quem tem fome tem pressa, como dizia o sociólogo Betinho), a exigir projetos mais consistentes para tirar os milhões que estão hoje abaixo da linha da miséria. O nosso país perdeu o prestígio internacional, de modo que não tem como, sequer, resolver seus problemas ambientais, o que dizer dos sociais e econômicos.

Se há um confronto que divide o país, hoje, é o que opõe civilidade e barbárie. Vivenciamos, estarrecidos, uma mistura indevida de religião com política, balizando por baixo o debate entre conservadorismo e progressismo.

Deus é oferecido por estes “vendilhões do Templo” no varejo, na tentativa de sustentar privilégios em nome da fé. Para potencializar argumentos, os partidários da mistificação lançam conteúdos com base no senso comum, para desacreditar a ciência (e com isso o ensino, a pesquisa e o investimento no avanço tecnológico – até mesmo o esquema vacinal se perde na crença em debates sem fundamento).

Sem a menor responsabilidade, incrementam ameaças à ordem institucional. Pois, para justificar uma possível perda na corrida eleitoral, se não há nada com as urnas, alguma coisa “errada” existe com as pesquisas de opinião. Prepara-se o terreno para que, se o resultado das eleições não apresentar X como vencedor, é preciso dar um golpe.

A democracia resiste pela força popular, manifestação cidadã pelo voto: ato consciente, não induzido por falácias e falsas informações. Temos nas mãos a decisão sobre o futuro de um país que queremos. E isso só é possível, mesmo que sem festa, tirando do cenário as mistificações, com os olhos e a esperança na realidade.

 (*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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6 Comentários

  1. Civilidade é, por acaso, eleger o maior corrupto da história? Que só não está encarcerado por uma chincana demagógica dos ministros que ele mesmo escolheu com seus nove dedos sujos? Civilidade é conduzir uma política econômica kamikaze a la Argentina apostando em gastos abusivos (e muitos, muitos desvios) para “induzir”o crescimento? Civilidade é apoiar regimes ditatoriais? É comprar o Congresso com Mensalões? Sim, nós temos uma disputa entre a civilidade e a barbárie, mas o nobre autor erra tristemente ao nomear os lados. A barbárie está na corrupção, no retrocesso, na demagogia que rouba usando o nome dos pobres, que promete picanhas enquanto rouba montanhas. Essa barbárie não merece ocupar a presidência, mas sim uma penitenciária e o repúdio de todas as gerações futuras pelo mar de lama que quase levou ao fim do nosso país!

  2. Outra coisa, Tennessee tem uma cooperativa com 64 mil fazendeiros. A maior cooperativa financeira do mundo é a French Credit Agricole, o ‘banco verde’. Tem alguns trilhões de dolares de patrimonio, é o segundo maior banco da França. Ou seja, o mimimi das cooperativas que rola por aí é só baboseira, ‘mudar o mundo’, ‘nova maneira de blá blá blá’. Isolamento leva a alienação.

  3. O resto do texto é baboseira, ninguém vai mudar o voto por conta das catilinarias vermelhas. É jogo para a torcida, logo perda de tempo. Progressismo é mais um termo ‘bonito’, teve inicio fora da filosofia no governo Theodore Roosvelt (que era republicano). Aqui foi apropriado, ‘não podemos dizer que somos comunistas porque perderemos votos e apoio; também não dá para copiar a China agora, não existem as condições objetivas’. Basicamente é uma seita que acredita ter o monopolio da ‘virtude’, acham-se superiores ao resto da humanidade. Na verdade são um bando de ignorantes (alguns super diplomados) que cultuam um apedeuta. Alas, camisa com o Tchê, boina com estrelinha petista e peito estufado, camisa da economia solidaria e boné do camarada Mao com estrelinha petista no lugar da chinesa. Falam uma coisa e sinalizam outra bem diferente.

  4. Parentesis. Comparação de tupiniquins com ianques na grande maioria das vezes está furada (o que não impede de copiarem muita porcaria de lá). Não é raro ouvir alguém do juridico falar ‘CF tem mais de uma centena de emendas, americana tem 27’. Pois bem, Constituição Americana tem 7 artigos, não os duzentos e tantos da tupiniquim. Uma emenda constitucional por lá tem que ser votada por dois terços do Congresso. Depois tem que ser votada pelas ‘Assembleias Legislativas’ de 38 estados (tres quartos) para ser ratificada. É uma federação.

  5. Invasão do Capitolio (6 de janeiro) foi, até prova em contrario, uma coisa do momento. Não era para ‘impedir a posse’, era uma ratificação pró-forma do resultado eleitoral. Posse de Slow Joe foi dia 20 de janeiro. Trata-se de uma criação de narrativa para criminalizar Trump (que poderia ser investigado por outras coisas, só que não é midiatico) com finalidade de evitar uma nova candidatura na proxima eleição presidencial. Sem susto, vermelhos vão fazer exatamente a mesma coisa no Brasil uma vez no poder. Molusco com L., o honesto, já disse que vai colocar Pazuello na cadeia utilizando o relatorio da CPI de Renam. Como se fosse dono do judiciario.

  6. Quem cria expectativas irreais tende a se frustrar com facilidade. Mais ‘democracia’ e ‘cidadania’ são conceitos abstratos para a grande maioria, é preciso tempo e disposição para despender com abstrações. EUA banca a policia do mundo quando alguns grupos politicos estão no poder. Parte da população não concorda. Pior, predisposição é utilizada como ferramenta eleitoral. Não bastasse a confusão na Ucrania criaram uma narrativa de invasão de Taiwan pela China. Ocorreu movimentação de porta-aviões de ambos os lados.

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