Por Pedro Pereira
Enquanto para alguns o prestígio é alcançado por meio de títulos e conquistas essencialmente coletivas, outros conseguem transformar o sucesso individual em algo benéfico para o grupo. O lendário jogador e fundador do Santa Maria Soldiers, Vinícius Zanon, é um destes exemplos.
O atleta, além de ser a razão da camisa número 94 ter sido aposentada na equipe santa-mariense, está marcado na história do futebol americano gaúcho. Nas funções de defensive end e defensive tackle, acumula convocações para o Brasil Onças – Seleção Brasileira de Futebol Americano -, sendo o único a ser chamado para representar o país fazendo parte de uma equipe do Rio Grande do Sul.
O início no futebol americano e o crescimento com os Soldiers
Diferentemente de grande parte da comunidade do futebol americano no Brasil, Zanon não assistia à NFL (liga norte-americana da modalidade) antes de começar a praticar. Foi em um dia aleatório do ano de 2006, quando estava andando pelo campus da UFSM, em Santa Maria, que viu um grupo de pessoas arremessando bolas e resolveu participar da brincadeira.
Em 2008, depois de dois anos aprendendo e treinando com esse mesmo grupo de admiradores do esporte, se tornou técnico em Eletrotécnica pelo CTISM e conseguiu uma vaga de estágio em Foz do Iguaçu, no Paraná. Lá, passou a fazer parte de uma equipe local chamada de Black Sharks, onde disputou a segunda partida na categoria full pads (com o uso dos equipamentos de proteção) da história do Brasil.
Zanon lembra da vivência em outro Estado com muita satisfação. “Foi bem legal ter essa experiência. Eu era bem novo, tinha 18 anos (hoje são 32). Faltava bastante coisa no time, claro, tudo estava só começando. Mas a gente tinha boas projeções. Tínhamos equipamento e uma galera assistindo”, comentou.
Retornou, em 2009, para o Coração do Rio Grande e ajudou a estruturar o, enfim, Santa Maria Soldiers que os torcedores conhecem até hoje – e já teve sua história contada AQUI, em março deste ano. Ainda que os Soldados tenham encontrado um rival forte no Porto Alegre Pumpkins nas origens do cenário gaúcho, Zanon conta que o elenco santa-mariense sempre teve destaque em solo estadual.
“Talvez por ter essa galera que gostava muito, eu incluso, criamos uma super base nos Soldiers que, desde que nos solidificamos, o Rio Grande do Sul ficou para trás. A gente começou a ser muito mais relevante que os outros times do Estado”, relembrou o cofundador do time de Santa Maria.
Aventuras em solo catarinense em meio a anos de ouro no RS
De 2009 até 2014, quando saiu dos Soldiers, venceu dois Campeonatos Gaúchos, em 2011 e 2013. Com o surgimento de rumores da criação de uma liga profissional de futebol americano no Brasil, com sede da “conferência da região Sul” em Florianópolis, deixou Santa Maria rumo ao São José Istepôs (atual Istepôs FA) a fim de conseguir um lugar relevante na elite da modalidade.
Porém, o projeto foi um fracasso e a ideia da “grande liga nacional de futebol americano” foi deixada para trás, por seus criadores. No Istepôs, jogou em 2014, 2015 e 2016 e, na primeira temporada que disputou, conquistou o título do Campeonato Catarinense. Em 2017, viu o sucesso do elenco de Santa Maria – que havia, recentemente, vencido a grande final do Gauchão disputado no Estádio Beira-Rio, do Sport Club Internacional -, e voltou a integrar o time que ajudou a fundar. Chegou, com os Soldados, à final da Conferência Sul daquele ano.
“Foi uma temporada fantástica, o time jogou muito bem. Pegamos as equipes top da região, perdemos por um ponto do Rex, que hoje é, disparado, o melhor time do Sul. A gente foi para a final da Conferência contra o Coritiba Crocodiles. Naquele dia, o quarterback deles estava inspirado, e perdemos o jogo. Acho que foi o maior avanço dos Soldiers na história”, declarou Zanon sobre a histórica evolução dos Soldados, na temporada de 2017.
Além das campanhas em campeonatos de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul possui em seu currículo a fundação de duas equipes de flag football feminino: o Desterro Atlantis, em 2016, e a Divisão Feminina dos Soldiers, em 2017. No ano de 2018, seguiu com os santa-marienses e, em 2019, retornou ao Istepôs, equipe em que atua até hoje.
A missão de representar o país
A primeira partida oficial do Brasil Onças – Seleção Brasileira de Futebol Americano – aconteceu em 2007, contra a Seleção Uruguaia, chamada de Uruguay Charrúas. Entretanto, foi apenas em 2015 que Vinícius Zanon iniciou sua história na equipe, quando foi convocado para disputar uma revanche contra os “hermanos” sul-americanos. Satisfatoriamente, começou a trajetória com vitória: 49 a 0 para os brasileiros.
O fundador da equipe santa-mariense conta que, na época que foi selecionado para as Onças, foi ovacionado por sua “bolha”. “A primeira convocação foi indescritível, ‘abalou o mundo’. Na época, foi algo muito grande. Eu lembro de ir para a faculdade e a galera me cumprimentar. O futebol americano era tudo para mim na época e, ser reconhecido como alguém que podia chegar nos melhores do Brasil, foi algo incrível. Foi, talvez, o grande evento que fez eu ficar tão imerso no esporte por tanto tempo”, confessou o jogador.
No ano seguinte, voltou a ser chamado para a Seleção Brasileira no classificatório da Copa do Mundo de 2015, em janeiro daquele ano, quando o time venceu da Seleção Panamenha de Futebol Americano por 26 a 14, e no próprio torneio mundial, disputado em julho, nos Estados Unidos. Nesta competição, por outro lado, os resultados foram diferentes: os brasileiros somaram duas derrotas, para a França e para a Austrália, e uma vitória contra a Seleção Sul-Coreana.
A última vez que integrou o Brasil Onças foi em 2017, no amistoso jogado contra a Seleção Argentina, conhecida como Argentina Halcones, realizado no Estádio Mineirão. Sobre esse período, Zanon avalia que existia muita esperança de levar mais jogadores do elenco santa-mariense para participar – embora isso não tenha acontecido, no fim das contas.
“Tinha um senso de comunidade. A gente pensava em botar a galera dos Soldiers que merece estar lá e vamos jogar com um coach que sabe muito do esporte, com estrutura e tudo. Foi uma crescente, um absurdo”, disse o atleta.
Um mar de possibilidades para o futuro
Nesta temporada de retorno após as paralisações das atividades em decorrência da pandemia de Covid-19, Zanon fez parte do Istepôs e da equipe de flag football masculina, Floripa Ghosts. Assim, reside em Florianópolis e, fora das quatro linhas, é instrutor de inglês e torcedor do Dallas Cowboys, famosa franquia da NFL.
Ativo no cenário de futebol americano há mais de 10 anos, o jogador acredita que está chegando a hora de “pendurar o shoulder” (equipamento de proteção), principalmente em função dos grandes riscos de ferimentos que os jogadores correm. “Eu tô me aproximando de um processo de aposentadoria, tô flertando com isso. Nos últimos treinos do ano eu fui tackleado (empurrado), acabei caindo e tive que fazer uma cirurgia no ombro. Foi uma lesão não esperada. Esse desgaste físico começa a pesar nos pensamentos”.
Da mesma maneira, crê que sua vontade de praticar o esporte não é a mesma que já foi, alguns anos atrás – ainda mais pelo fato de que, para voltar a jogar, precisará esperar, ao menos, 4 meses, devido à lesão que sofreu.
“Talvez eu seja um pouquinho mais pessimista com a realidade do futebol americano no Brasil. Antes eu tinha muito otimismo, eu estava muito envolvido e agora, pessoalmente, eu vejo que é um esporte difícil de fluir e ser algo grande. É complicado, a gente sabe que esportes amadores, no geral, são complicados”, contou Zanon.
Neste momento, está analisando suas opções do futuro. Apesar de continuar jogando ser uma possibilidade, não descarta se tornar membro da comissão técnica de uma equipe. Sua única certeza é que seguira na capital de Santa Catarina, uma vez que já formou sua vida em Florianópolis. “Mas nada muito certo”, completou.
Enquanto descansava neste período de recuperação, continuou acompanhando a campanha do Santa Maria Soldiers e formulou sua opinião sobre os impasses da equipe que fundou no Rio Grande do Sul. “Me parece que o problema dos Soldiers é igual o que a gente tinha em 2016: a linha ofensiva, que precisa de gente grande e é difícil conseguir. É complicado encontrar atletas que tenham muito tamanho e estejam a fim. Imagina achar e fazer elas jogarem”.
Perto de finalizar sua carreira, afirma não ter nenhum arrependimento. Todavia, tem metas que não conseguiu bater – ainda que não se preocupe tanto com isso.“Eu nunca fui campeão nacional, mesmo que eu sempre tenha chegado muito perto disso, e com muita possibilidade de vencer. Sinceramente, não é uma coisa que não me move. Eu tô bem satisfeito com meu legado e com o que fiz para a comunidade. Eu dei muito suor e sangue pelo esporte”.
O Istepôs FA ainda não terminou a temporada de 2022, embora tenha caído para o Santa Maria Soldiers nas semifinais da Conferência Sul da Liga BFA. Neste ano, ainda disputa a Taça Brasil Futebol Americano, competição organizado pela empresa de marketing esportivo Brasil FA.
O formato do campeonato não foi inteiramente divulgado. Todavia, a equipe de Santa Catarina estreou com derrota, na tarde do último sábado (5), para o gaúcho União da Serra. Para 2023, espera-se que aconteça a primeira edição do Campeonato Catarinense desde 2019, visto que a organização não retomou a competição neste ano.
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