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A democracia não se curvará aos agentes do ódio, do golpe e do terror – por Valdeci Oliveira

Diante do grotesco episódio produzido em Brasília no último domingo – e que passará para a História do país como uma mancha e uma vergonha testemunhadas pelo mundo inteiro -, não há como não pensar no conceito elaborado por Thomas Hobbes (1588-1679), que descreve os seres humanos quando em seu “estado de natureza”. Nele, no estado de natureza, os homens podem todas as coisas. E para concretizar esse desejo não medem esforços nem meios.

A História da civilização humana nos mostra que a frase cunhada pelo filósofo inglês, a de que o homem é o lobo do próprio homem, ou seja, que são maus por natureza e donos de uma capacidade de violência ilimitada, não é mera formulação de um dos maiores pensadores da teoria política, das relações, organizações e estruturas sociais. Para quem se encontra no estado de natureza, o céu é o limite. Não existem regras a serem cumpridas nem barreiras que protejam o outro de ser agredido ou as coisas tomadas. É a lei do porrete, do mais forte.
 
Esse sentimento dá o direito a entrar numa festa e assassinar o aniversariante por este pertencer a um determinado partido; permite parar o carro e agredir uma mulher na calçada que segura a bandeira de um adversário político; esse sentimento faz com que se pratique tiro com a foto do rival e o ameace de morte. Esse sentimento permite bloquear rodovias, incendiar veículos e espancar motoristas que se recusem a aderir ao movimento; esse estado de natureza resulta em colocar bombas em viadutos e em caminhões abarrotados de querosene em aeroportos, derrubar torres de transmissão de energia e tocar o terror queimando carros e quebrando tudo que estiver pela frente.

Isso que temos visto tomar corpo aos poucos sempre existiu em nosso meio, apontam estudiosos e pesquisadores sociais. Faltava apenas o amálgama, a cola que juntasse esses diferentes e variados ímpetos autoritários e a eles desse uma forma, se não única, o mais próximo disso. E como nos últimos anos os elementos de “unificação” dessas pautas foram oferecidos em abundância – de forma oficial como também subterrânea -, esta parcela da população se sentiu no direito de exigir o que não lhe cabe, o que não pode ser posto em prática sem que a barbárie não venha junto. Passou a exigir o que não merece estar numa sociedade verdadeiramente plural, democrática e socialmente justa.

É inaceitável e repugnante ver o caos instalado a partir de ilegitimidades, ver o terror causado por uma catarse coletiva em que os autores da insensatez, bestializados e ensandecidos, fazem questão de registrar ao vivo o seu “balé de violência”, o qual tem no ódio uma figura onipresente, seja nos olhos, nos gestos e nas vozes. Neste cenário sombrio, a ignorância e o desprezo pelos padrões civilizatórios andam de mãos dadas com o horror, emitindo um recado claro de que é aquilo ou nada.
 
O que aconteceu na Praça dos Três Poderes em Brasília – repudiado por governos estrangeiros e organismos internacionais – precisa ser dito com todas as letras pelos que acreditam nos valores humanistas e democráticos: foram atos de terrorismo perpetrados por hordas golpistas, organizadas, conscientes, financiadas e que não aceitam o resultado das urnas. Com o uso de violência e da coação, atacaram a alma da democracia brasileira ao invadirem e espalharem a destruição junto a símbolos máximos da nossa República. Ao tentarem destruir o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal deixaram claro que não há um mínimo de apreço pelas leis ou pela pátria, por mais que digam que tudo é em nome dela.
 
Invocaram a Democracia para, desgraçadamente, atingi-la no seu coração e sob os pretextos mais esdrúxulos, conspiracionistas, negacionistas e autoritários. Usaram – como usam – as cores da bandeira brasileira, o nome de Cristo e da família para impor a sua vontade sobre a de milhões.
 
Mas as Instituições brasileiras não sucumbiram às mostras do caos a que segmentos da sociedade são capazes de criar e dispostas a fazer. Pelo contrário, a sociedade, pelo menos a parcela amplamente majoritária, está atuando unida, articulada. Respostas estão sendo dadas, as participações apuradas e as responsabilizações, sob o manto da lei, aplicadas. E neste cenário, reafirmo aquilo que por mim foi externado em nota no mesmo dia dos ataques à nossa democracia: a Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul não se calará diante de tentativas de ruptura constitucional e tampouco silenciará diante dos que buscam subjugar, na base da violência e da coação, a vontade soberana do povo brasileiro, a qual foi expressa nas urnas, em outubro.
 
Como presidente do Parlamento gaúcho, desde o início desses repudiáveis acontecimentos, tenho mantido contato com o governador, com secretários de Estado e com as forças estaduais de segurança pública. A Casa do Povo está atenta aos desdobramentos locais e firme na disposição de defender implacavelmente o Estado Democrático de Direito, posição esta corroborada pela Comissão Representativa do Parlamento, composta pela pluralidade de partidos políticos com representação no Legislativo estadual. 

Democracia, sempre!

(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria. É também o atual presidente da Assembleia Legislativa gaúcha.

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