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O Brasil sobe a rampa – por Marta Tocchetto

“Simbologia da entrega da faixa não poderia ter sido mais representativa”

A simbologia da entrega da faixa presidencial não poderia ter sido mais representativa e emocionante

A diversidade e a pluralidade do povo brasileiro subiram a rampa do Planalto outorgando um terceiro mandato ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, com a missão de reconstruir e unir o Brasil. A Amazônia subiu a rampa na representatividade do gigante Cacique Raoni. Novos ventos sopram em direção ao meio ambiente, ao combate à invasão de terras, à criminalização dos desmatadores, dos grileiros e dos garimpeiros ilegais. Subiram a rampa trabalhadores, professores, mulheres, crianças, negros, indígenas, idosos, jovens, ativistas. Subiu a rampa o povo brasileiro na sua mais simbólica representatividade.

A simbologia da entrega da faixa presidencial não poderia ter sido mais representativa e emocionante. Uma catadora de materiais recicláveis passou a faixa colocando fim ao autoritarismo, ao ódio, ao obscurantismo, à mentira, ao terror, à desigualdade, ao medo, ao plano de destruição do país e ao apagamento da alegria do povo brasileiro. Mulher preta e catadora que, certamente, tem sua história marcada pelo preconceito. Preconceito estrutural que exclui mulheres, negros e trabalhadores, em especial, os que lidam com resíduos tratando-os como descartáveis, cidadãos de segunda classe. A passagem da faixa trouxe mais uma vez, a simbologia ambiental à cerimônia. Valorização e dignificação estiveram explícitas na escolha. Foi uma cena intensa e emocionante que, certamente, levou às lágrimas muitos brasileiros que se viram representados e retratados nesses novos tempos.

Marina Silva e o Ministério do Meio Ambiente que, passa a se chamar Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas, sinalizam o fim do negacionismo climático que dominou os quatro anos anteriores. É o fim do desmatamento e da impunidade que autorizou a destruição e a derrubada da floresta, o envenenamento dos rios, o extermínio dos povos originários e dos defensores do meio ambiente, como uma política para o Brasil. O país com a maior biodiversidade do planeta fechou os olhos para a conexão com a natureza e instituiu a destruição como sinônimo de desenvolvimento. Sofrimento de quatro anos com um governo que, até o último instante, se manteve comprometido com a crueldade e com a morte.

O revogaço começou e certamente, vem mais e, precisa vir mais. Ainda no domingo, o presidente eleito revogou o decreto que incentivava o garimpo ilegal na Amazônia, em terras indígenas e em áreas de proteção ambiental. Assinou decretos para o restabelecimento do Fundo Amazônico permitindo a utilização de 3,3 bilhões de reais doados pela Alemanha e pela Noruega para projetos sustentáveis. O Conama, Conselho Nacional do Meio Ambiente e o Ibama, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, desmontados e desautorizados no governo anterior tiveram os respectivos decretos revogados. O Brasil volta à cena ambiental mundial deixando a posição de pária negacionista para o protagonista que, até então, sempre havia ocupado.

Há muito o que fazer para a reconstrução ambiental. Nunca se viu em outros tempos, tanta liberação de veneno protagonizado por um modelo de agronegócio concentrador e devastador que não produz comida, produz comodities e leva a morte ao prato dos brasileiros com substâncias banidas pelo mundo fora. Um novo modelo de produção em harmonia com meio ambiente não é apenas necessário, é exigência global. Os mercados estrangeiros estão se fechando cada vez mais para produtos que desrespeitam a natureza e não enxergam a produção, como parte de um sistema vivo que tem limites e que responde às agressões promovidas.

É impossível e inaceitável ver com naturalidade a fúria da natureza ceifando vidas, destruindo histórias e consumindo conquistas. A natureza responde às agressões sofridas com, no mínimo, a mesma intensidade. Notícias da semana trouxeram que Santa Maria está novamente sofrendo com a estiagem. Há três anos, o fato se repete. Há três anos, só se vê reações posteriores às perdas de safra e à escassez. Há três anos, as medidas não passam da decretação de situação de emergência que visa exclusivamente, liberação financeira; liberação caminhões pipa para abastecer as regiões mais castigadas; flexibilização para perfuração de poços, como se a água do subsolo não dependesse da regularidade do regime de chuvas e da própria água superficial.

Quando a cidade trabalhará para recuperação de nascentes e ampliará as áreas de conservação? Quando a cidade desenvolverá um projeto para o enfrentamento das mudanças climáticas abandonando o velho modelo gerador de gases de efeito estufa (GEE)? Quando a cidade irá planejar juntamente com os produtores e pesquisadores, a transição para uma agricultura e uma pecuária de baixo carbono? Quando a cidade vai desenvolver um projeto para uma melhor destinação do resíduo orgânico visando o aproveitamento energético dos GEE, em vez de ficar apenas contribuindo com a carga expressiva de dezenas de cidades da região depositada em aterro? Quando a coleta seletiva será uma prática integrada ao gerenciamento de resíduos urbanos? São muitas perguntas que, infelizmente, permanecem sem resposta. O pior, muitas consequências que permanecem sem ação nas causas, limitando-se essencialmente à reação dos efeitos desastrosos.

Tenho a esperança de que a preocupação com as mudanças climática, não se limite apenas ao nome do Ministério do Meio Ambiente, mas catalise ações proativas em nível não apenas federal, mas estadual, municipal e individual, pois todos somos responsáveis, indistintamente, pelos cuidados com o meio ambiente sem o qual, não há economia, tampouco vida. Não esperemos apenas que 2023 traga novos tempos. Os novos tempos dependem de melhores e novas atitudes. A construção é de cada um de nós. Esperança, união e (re)construção são as palavras eleitas para os novos tempos que já começaram.

(*) Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.

Nota do editor: a foto que ilustra este artigo (da subida da rampa do Palácio do Planalto, pelo Presidente Lula), é de Tânia Rêgo, da Agência Brasil)

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11 Comentários

  1. Molusco com L., o honesto, não vai unir o Brasil porque é uma figura divisiva (obvio). Novos tempos? Alguém lembra o ‘novo normal’? Se os vermelhos carecem tanto de união que abracem um pé de tuna.

  2. Há outros fatores que influem o clima, assunto é mais complexo. Ciclos Milankovitch por exemplo. Ficar papagaiando o que se lê na midia (lugares comuns e chavões) não ajudam. Alas, UFSM tem curso de meteorologia e o pessoal só aparece quando é para acontecer algum toró ou neve no inverno.

  3. ‘Quando a cidade […]’. Cidade é muita gente. Que tem afazeres. Poder publico faz pouco ou nada, ganha muito bem, deveria estar fazendo isto. ‘Competencia’ por lá é só receber todo mes, fazer anuncios e promessas. Não conseguem nem arrumar o Calçadão (praça do hospital foi 99% iniciativa privada) e, para tudo, tem uma ‘desculpa’.

  4. ‘Os mercados estrangeiros estão se fechando cada vez mais para produtos que desrespeitam a natureza […]’. OK. Cite 5 mercados que foram fechados. Sim, porque o pais vive de exportação de commodities, impacto na balança comercial aconteceria. Não é o que se vê.

  5. Foreign Affairs da sinais que esta na hora da cobrança. Novembro de 2022. ‘O que o retorno do Molusco com L., o honesto, signfica para a Amazonia’. O destino da floresta tropical brasileira tem implicações globais.’ Só dinheiro para ONG’s, ajuda da imprensa ‘cumpanhera’ e decretas pelo jeito não vão ser o bastante. Revista tem outros artigos, ‘O Brasil pode atrasar o relógio? O retorno de Molusco com L., o honesto, pode ser o mais recente exemplo da armadilha de nostalgia latino americana’.

  6. Dia de Natal o Wall Street Journal publicou um artigo de opinião ‘The Return of Lula and the Judicial Threat to Brazil’s Democracy’. O retorno do Molusco com L., o honesto, e a ameaça judicial para a democracia brasileira. Subtitulo ‘The leftist ex-president takes office again Jan. 1 as the Supreme Court tries to limit Congress’s power.’ O ex-presidente esquerdista assume o cargo novamente em 1ª de janeiro enquanto o STF tenta limitar os poderes do Congresso. Autora é uma editora do jornal. Gostem ou não é lida por muita gente e por investidores.

  7. Revista Wired britanica alertou em dezembro que o El Niño uma hora volta e o mundo esta despreparado. O que lembra a ponte que ruiu perto de Agudo matando alguns. Muitas pontes no RS precisavam de inspeção. Agora as aguas estão baixas, propicio para inspeção. Esta acontecendo? Obvio que não.

  8. La Niña é fenomeno climatico conhecido, para ser relacionado com mudanças climaticas falta tempo. Mas é tradição na aldeia, medicos e advogados falam de ‘chips’ quando os unicos que conhecem são os da Elma Chips. Ou seja, ‘carteiraço academico’ não falta.

  9. Ninguém vive de imagem, algo dificil para alguns com dificuldades cognitivas assimilar. Como diria Freud, ‘simbolico é o K7’. Mais da metade dos eleitores (nulos e brancos também contam) não votou no Molusco com L., o honesto. Menos gente foi na posse (e no show que seguiu) do que os que passaram no velorio de Edson Arantes do Nascimento. Obvio. Para quem não se convenceu basta comparar com as fotos (sem Photoshop) da primeira posse em 2003. ‘A diversidade e a pluralidade do povo brasileiro subiram a rampa do Planalto[…]’. Onde estavam os japoneses (asiaticos em geral)? E os descendentes de polacos? Descendentes de alemães? E de italianos? Busilis é simples, um grupo politico se arvora no direito de dizer o que é ‘brasileiro’ ou não é. Alas, ato falho, professores e trabalhadores não se confundem. Alas, precisamos ‘aumentar a diversidade’ entre os serventes de pedreiro, pessoal que senta tijolo é muito pouco ‘diverso’.

  10. ‘Reconstruir’ o Brasil, narrativa (para ser elegante). ‘Golpe’, narrativa. Alas, discurso já mudou, objetivo é lascar o Cavalão e o ‘motivo’ escolhido foi a pandemia. Pessoal que desviou grana dos respiradores ja teve os malfeitos empurrados para debaixo do tapete e alguns até tem parentes no ministerio.

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