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Como separar o blefe da verdade no bate-boca entre Lula e Campos Neto? – por Carlos Wagner

A maneira como a imprensa vem fazendo a cobertura do bate-boca entre o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o presidente do Banco Central do Brasil (BC), o economista Roberto Campos Neto, 53 anos, reforça a ideia entre os leitores de está acontecendo uma disputa entre dois poderes. E que o pano de fundo dessa disputa é o ressurgimento da polarização entre Lula e o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), que foi a marca registrada da eleição de 2022. Não é nada disso. O Banco Central é uma autarquia federal que tem autonomia para trabalhar nos assuntos monetários. É ligado ao Ministério da Fazenda e presta contas aos senadores e aos deputados federais. A lei não permite que o presidente da República simplesmente demita o presidente do BC ou de qualquer uma das outras 10 principais autarquias federais – matérias disponíveis na internet. Agora, é do jogo Lula pressionar o Banco Central para que baixe a taxa Selic de juros, atualmente em 13,75%. A Selic é o principal instrumento monetário utilizado pelo BC para controlar a inflação (prevista em 5,48% para 2023). Campos Neto defende o atual patamar da taxa de juros. Vamos conversar sobre o assunto.

Abro o papo dizendo que bate-boca entre o presidente da República e os presidentes de autarquias não são exclusividade de Lula e Campos Neto. Acontecem com regularidade. Lembro que logo que assumiu o governo, em 2019, o então presidente Bolsonaro atacou com fogo pesado os presidentes de várias autarquias. Vou citar um dos casos, que considero o mais relevante. Aconteceu em 2020. Bolsonaro apoiou e trabalhou pela eleição do contra-almirante da Marinha e médico Antônio Barra Torres para diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em janeiro de 2020, Barra Torres assumiu o cargo na Anvisa, com mandato até dezembro de 2024, em meio a um vendaval. O cenário era o seguinte: a população brasileira vivia dias angustiantes porque o país estava mergulhando na pandemia causada pela Covid. E o então presidente da República havia tornado o seu negacionismo em relação ao poder de contágio e mortalidade do vírus em política de governo. Dentro da estratégia do negacionismo era fundamental para o governo federal ter o apoio da Anvisa. Principalmente na questão da cloroquina e outras drogas que não têm efeito sobre o vírus, mas que faziam parte de um “kit covid” recomendado pelo Ministério da Saúde para ser usado contra a doença – há matéria na internet. Na época, eu era um entre tantos jornalistas que tinham desconfiança sobre o trabalho de Barra Torres na Anvisa. Pelo fato dele ser militar e seguidor de Bolsonaro, inclusive participando de manifestações públicas. Eu estava errado. Barra Torres não só foi contra o “kit covid” como manifestou publicamente o seu compromisso com a ciência. Claro, Bolsonaro não gostou da posição do seu ex-aliado e o atacou pelas redes sociais. Toda essa história está contada nas 1,3 mil páginas do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado sobre a Covid-19 (CPI da Covid), que colocou as digitais do governo Bolsonaro nas mais de 700 mil mortes causadas pelo vírus no país.

Entre o negacionismo de Bolsonaro, Barra Torres ficou do lado da ciência e com isso muitas vidas foram salvas. O caso de Campos Neto é outra história. Mas que igualmente definirá o futuro do Brasil. E o rumo que essa história vai tomar será influenciado pela exatidão das informações que colocarmos nas nossas matérias. Uma correção que precisamos fazer e que considero importante. Não é de hoje. Mas desde que comecei a trabalhar como repórter, em 1979, tratamos em nossas matérias a avaliação de economistas e de operadores do mercado como se fossem uma sentença definitiva. Não são, porque a economia não é uma ciência exata. Simplificando a explicação, ela é formada por várias linhas de pensamentos econômicos. Nada é definitivo. Tudo pode ser mudado pela ação do homem. O que acontece na discussão dos juros? Neto defende uma linha de pensamento da economia. Lula defende outra. Recomendo aos leitores e colegas jornalistas, em especial os jovens que estão envolvidos na cobertura do dia a dia das redações, a assistirem uma entrevista dada pelo economista Pérsio Arida, 73 anos, no último domingo (12/02), ao programa Canal Livre, da Band. Ele é um dos idealizadores do Plano Real, que tirou o Brasil da hiperinflação, e transita no exercício da sua profissão entre o setor público e o privado. É uma das pessoas que melhor explica, de maneira muito didática, o bate-boca entre Lula e Campos Neto. Como vai acabar essa história? Vamos saber nas próximas semanas.

Ainda sobre essa história. Há uma pergunta que vamos ter que responder ao nosso leitor. Qual é peso na discussão dos juros nas ligações políticas de Campos Neto com o ex-presidente Bolsonaro? O que sabemos de concreto é que ele fez o mesmo que dezenas de executivos fizeram. Foi lá e festejou o então recém-eleito presidente da República para conseguir um cargo no governo federal. É do jogo. Agora, isso não significa que atualmente esteja recebendo ordens do ex-presidente, que vive em Orlando, nos Estados Unidos, para sacanear Lula. Campos Neto está ocupando o cargo mais importante na sua carreira de economista. Ele é mais ligado ao ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, do que a Bolsonaro. Mais ainda. O fato de ter atraído a atenção de Lula o colocou na vitrine nos mercados ao redor do mundo. Por quê? Lula assumiu a Presidência há menos de dois meses e tem sido festejado e convidado para conversar com grandes líderes mundiais, como o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (democrata). E Bolsonaro? O nome dele é associado aos atos terroristas praticados por bolsonaristas radicalizados em 8 de janeiro em Brasília (DF). E às imagens de crianças, mulheres e homens da tribo yanomami transformados em pele e osso pela fome causada pela invasão de suas terras por garimpeiros, consequência da desastrada política ambiental do seu governo. Para arrematar a nossa conversa. Há dois grandes problemas no Brasil que precisam ser resolvidos de imediato: há mais de 30 milhões de brasileiros passando fome. E mais de 10 milhões desempregados. Os repórteres da economia precisam falar menos a linguagem dos economistas e operadores de mercado e serem mais atentos às urgências da população. Para encontrá-las, basta olhar pela janela da redação.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

*O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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9 Comentários

  1. Detalhe importante, o CEO anterior que ficou 20 anos no cargo, um tal de Miguel Gutierrez, deste não se ouve falar. Ou o CFO anterior. No mais segue o baile. Alas, há um documentario, ‘The corporation’, que explica uma coisa que muitos não entendem. Pessoa juridica. Por que as empresas quebram e os donos não perdem o patrimonio? Porque na legislação falimentar a desconsideração da pessoa juridica é exceção e não regra. A pessoa juridica existe justamente para proteger o patrimonio dos empresarios. Caso contrario seria muito arriscado. Pessoas quebram e vivem para empreender novamente. Conceito estranho para politicos que nunca têm que construir nada e para herdeiros que pegam o bonde andando. Alas, ninguem recebe negocio de herança e de um dia para o outro toca o negocio. Alas, empreendedorismo de alto nivel não se aprende em cursinho Walitta ministrado por servidores publicos. É vegano ensinando a carnear uma vaca. Não rola.

  2. Buenos, bancões já provisionaram a divida no balanço (provisão de devedores duvidosos), um 30%, Bradesco 100% (4,5 bilhões). Dizem que ja dificultam linhas de credito para outras empresas da 3G. Dai vem as mentiras deslavadas, ‘acionistas majoritarios receberam dividendos e os minoritarios não’. Obvio que é lorota porque seria ilegal. ‘Lemann inflou os lucros, recebeu dividendos e quebrou a empresa’. Outra lorota, fizeram as contas e os dividendos foram algo como 700 milhões. Empresa valia uns 11 bilhões, um terço disto é mais de 3 bilhões. Conta não fecharia. Alas, se o lucro foi inflado pagaram tributos a mais, governos irão devolver o dinheiro? Presão é para os ricaços colocarem mais dinheiro na coisa. Para ‘salvar’. Operações da empresa já não iam bem das pernas. Colocar dinheiro bom em cima de dinheiro ruim é contra a religião de muitos.

  3. Juros leva a varejo que leva a Americanas. Lojas de diversas marcas andaram trabalhando como financeiras. Compravam (é a narrativa que anda por ai) dos fornecedores e tinham prazo para pagar (90 dias era normal; há acusações de calote, mas ninguém botou a boca no trombone porque todos ganhavam). Cobravam do cliente em 12 vezes (por exemplo). Juros estavam baixos, financiavam com os bancos, cobravam juros a mais dos clientes e todo mundo ganha (o cliente ganha mas é no traseiro, outro assunto). O que teria acontecido nas Americanas? Divida com os bancos teria sido lançado na divida com os fornecedores (não muda o valor do passivo). Toda instituição financeira que olhava tinha percepção que a divida bancaria era pequena, risco pequeno, dinheiro barato. Corrigido o problema a empresa esta super alavancada.

  4. Slow Joe tem seus problemas. Alguns balões que derrubaram eram de pesquisas atmosfericas e não chineses. Um era de um clube amador de balonismo. Enquanto isto um trem descarrilhou. Tudo de bom, inclusive benzeno em alguns vagões. Outros tinham cloreto de vinil. Que é toxico (pode causar insuficiencia respiratoria e parada cardiaca) e é altamente toxico. E inflamavel. Resolveram direcionar para uma vala e queimar tudo. Resultado? Fosgenio (arma quimica) e cloreto de hidrogenio (que vira acido em contato com a agua). Matou plantas, animais e peixes. Aparentemente contaminou o lençol freatico. Tudo de bom. O que tem uma coisa a ver com a outra? Pessoal esta dizendo que os balões eram cortina de fumaça (não toxica) para o descarrilhamento. Alas, CNN é 24 horas metendo o pau no Cavalão. Nos EUA fizeram o mesmo com o Trump e estão quase quebrando.

  5. Encontro com Biden são para ingles ver. Querem encher o saco de Campos Neto (que não precisa daquilo) até ele pedir para sair. Taticas petistas do Capitão Nascimento. Botam um jaguara no lugar e a economia desanda. Não vai ser Campos Neto que vai segurar a economia, a propensão para c@g@d@as é muito grande, mas ajuda. Yanomamis ninguem sabia que estavam na m. (população em geral), cumpriram a missão e agora voltam ao esquecimento. ‘Mercado’ não é o conjunto de operadores da bolsa como a narrativa que estão pregando. Querem que a população pense que não passam de gente que passa o tempo no ar condicionado vendo numeros em telas de computadores.

  6. Cumulo da jaguarice, PT foi contra o Plano Real. Alas, Cavalão votou contra também. Basta ler os jornais da epoca. Molusco com L., o honesto e dilmo: ‘Esse plano de estabilização não tem nenhuma novidade em relação aos anteriores. Suas medidas refletem as orientações do FMI. O fato é que os trabalhadores terão perdas salariais de no mínimo 30%. Ainda não há clima, hoje, para uma greve geral, mas, quando os trabalhadores perceberem que estão perdendo com o plano, aí sim haverá condições’. Estadão 1994. ‘”O povo tem que aprender que ninguém pode viver de fantasia o tempo inteiro” Folha 1998. São fatos.

  7. Quem deu entrevista não foi Persio Arida, foi André Lara Resende. Participou do Plano Real é verdade. Mas por isto não vira dono da verdade e nem ‘3,1415927K das Galaxias economicas’. É o velho truquezinho de pinçar ‘especialistas’ a favor. Conforme o caso ‘empresarios a favor’ ou ‘banqueiros a favor’. Vira uma generalização, ‘economistas são a favor, empresarios são a favor e banqueiros a favor’. Sorte é que os ‘mágicos’ são incompetentes ate para aniversarios infantis.

  8. O fato de acontecer com regularidade bate bocas entre mandatarios e presidentes de autarquias não torna o fato ‘normal’ e muito menos desejavel. É muito bom para a imprensa, poupa trabalho. Governo Cavalão acabou. Dois erros não fazem um acerto (chavão). Busilis é que para grande parte da população importa o que está acontencendo não os pleitos vindouros, a ‘luta pelo poder’ não faz parte da solução dos problemas.

  9. Primeiro: Andrade é um poste e Molusco com L., o honesto e dilmo, é quem manda de verdade. Este ultimo é um apedeuta, entende mais de bebidas alcoolicas do que economia. Selic é uma média (explicação foi feita num comentario anos atras), governo emite titulos (ou seja, para fechar a conta contrata um emprestimo) com ‘vida diferente’ (5 anos, 10 anos) e taxas diferentes. Quanto menor a vida, maior os juros. Como cartão de credito que é feito para emprestimos de curta duração sem apresentação de garantias. Estabelecimento da media a ser perseguida é feito pelo Conselho Monetario. Um dos componentes é risco, obvio.

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