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A Agenda Nacional do Trabalho Decente na Reconstrução do Brasil – por Leonardo da Rocha Botega

As condições necessárias para ‘resgatar a dignidade dos trabalhadores’ do País

Os resgates dos trabalhadores em situação análoga à escravidão, ocorridos nas últimas semanas em Bento Gonçalves e Uruguaiana, trouxeram novamente à tona uma questão fundamental para os debates sobre os rumos do Brasil no atual cenário de mudanças: qual a agenda política, econômica e social para a garantia do trabalho decente no país?

Apesar dos debates sobre o direito ao trabalho digno estarem presentes na longa duração das lutas e reivindicações dos trabalhadores e das trabalhadoras, foi somente em 1999 que a Organização Internacional do Trabalho formalizou um conceito de trabalho decente. Segundo tal conceito, trabalho decente é aquele que é “adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna”.

Uma noção que se apoia em quatro pilares estratégicos: a) respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e direitos fundamentais do trabalho (liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação); b) promoção do emprego de qualidade; c) extensão da proteção social; e d) diálogo social.

No Brasil, a promoção do trabalho decente passou a ser compromisso do Estado a partir de junho de 2003, quando o governo brasileiro, no primeiro mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva, assinou um Memorando de Entendimento com a OIT prevendo “o estabelecimento de um Programa Especial de Cooperação Técnica para a Promoção de uma Agenda Nacional de Trabalho Decente, em consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores”. Foi a partir desse Memorando de Entendimento que, em 2006, foi elaborada a Agenda Nacional de Trabalho Decente, bem como, o Programa Nacional de Trabalho Decente.

A Agenda Nacional do Trabalho Decente definiu três grandes prioridades do Estado brasileiro: 1) gerar mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades de tratamento; 2) erradicar o trabalho escravo e eliminar o trabalho infantil, em especial suas piores formas; e 3) fortalecer os atores tripartites e o diálogo social como um instrumento de governabilidade democrática.

Infelizmente, nenhuma dessas prioridades foram consolidadas como políticas de Estado, sobretudo, na última década. Corroboraram para isso dois fatores: 1) os efeitos tardios da crise mundial sobre a economia brasileira sentidos; e 2) o golpe de 2016.

Os efeitos tardios da crise mundial sobre a economia brasileira interromperam um pequeno ciclo de crescimento, o chamado “Milagrinho Brasileiro”, iniciado em 2006. Um ciclo contraditório que, ao mesmo tempo em que foi positivo para a geração de emprego e a valorização do salário mínimo, também foi acompanhado pelo crescimento de formas que fragilizavam as garantias do trabalho como, por exemplo, o crescimento da pejotização.

O golpe de 2016, por sua vez, resultou na transformação das políticas de austeridade e de incentivo à precarização em políticas de Estado com adoção do chamado “Teto dos Gastos”, as Reformas Trabalhista e da Previdência e o desmonte dos órgãos públicos e dos mecanismos de fiscalização das práticas laborais.

O resultado desses processos tem sido um “novo” mercado de trabalho caracterizado pelo forte crescimento da informalidade e das formas flexíveis de contratação. Hoje, o trabalho informal atinge cerca de 39 milhões de brasileiros e brasileiras, ou seja, 40% das ocupações. Dessas, 60% são sazonais. O que resulta no fato de aproximadamente 23,4 milhões de brasileiros e brasileiras trabalharem sem saber se terão uma ocupação no próximo dia ou na próxima semana.

Ao mesmo tempo, o aumento da produtividade do trabalho, argumento principal utilizado quando da aprovação da Reforma Trabalhista, não ocorreu. Tampouco houve melhoras na renda dos trabalhadores. A conclusão é: o que foi vendido como “modernização” transformou, na verdade, o mercado de trabalho brasileiro em algo mais inseguro, mais precário e mais suscetível ao aumento de práticas que remetem à barbárie como o trabalho análogo à escravidão.

A mudança dessa realidade é condição sine qua non para a Reconstrução do Brasil. O retorno do Ministério do Trabalho foi um passo importante nesse sentido. Porém, por si só não basta. É urgente e necessário o resgate da Agenda Nacional do Trabalho Decente. Um resgate que começa pela revogação das Reformas Trabalhista e da Previdência e pelo reforço dos mecanismos de combate ao trabalho precário. Somente a partir desses primeiros passos é que a luta pela dignidade dos trabalhadores e das trabalhadoras poderá ser, mais uma vez (e esperamos que de forma menos contraditória), elevada à condição de política de Estado.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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8 Comentários

  1. Alas, antigamente (a empresa já foi vendida para outra maior) no nordeste de SC havia uma cia que ocupava 8 andares de um predio, um deparatamento por andar (não lembro o numero correto mas era parecido com isto). La pelas tantas fizeram uma cisão, cada departamento virou uma empresa separada e umas prestavam serviço para as outras. Os gerentes e funcionarios mais antigos viraram ‘socios’ e os bagrinhos continuaram CLT. Resumo da ópera: discurso pode ser bonito, no Brasil sempre há um ‘jeitinho’.

  2. Alas, causidicos e contadores não ganharam o MEI do Molusco com L., o honesto. somente. Supersimples. Menor tributação até 4,8 milhões. Se falar para eles vão largar um ‘abre um CNPJ também!’. Alas, é possivel, para quem tem grana, abrir uma holding para pagar menos tributos na hora da sucessão (em vida, inventario é coisa de pobre).

  3. O que leva a mentiras que estão sendo ditas por aí. MEI foi criado em 2006, governo Molusco com L., o honesto. MEI tem limite de faturamento. Para este ano é algo como 81 mil. Para um trabalhador seria algo como 6 mil reais por mes sem os direitos trabalhistas. Mas existe uma pegadinha (ou duas). Se a situação fatica ‘encaixar’ na CLT, serviço de natureza não eventual, periodo definido, recebimento de ordens e recebimento de dinheiro, é burla e o empregador vai acabar pagando os direitos trabalhistas e multa. Empresas contratam MEI’s a torto e direito? As de comunicação gostam da pratica. Alas, tem empresa (BH, tecnologia da informação) que no recrutamento colocou como requisito inscrição como MEI e levou TAC do MPT.

  4. Trabalho analogo a escravo. Ainda. Basta olhar a jurisprudencia para ver que o art. 149 andou sendo ‘ampliado’ via interpretação. Trabalhos forçados, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho, restrição de locomoção por conta de divida, cerceamento do meio de transporte, vigilancia ostensiva no local de trabalho, retenção de documentos ou objetos pessoais do trabalhador. Dai ampliaram para ‘violações repetidas e graves ao direito do trabalho’, o que aumentou o grau de subjetividade. Quem acompanhar o assunto quando não for a ‘polemica’ da semana vai ver casos do MPT fiscalizar um determinado estabelecimento e achar tudo OK. Na semana seguinte o Ministerio do Trabalho aparecer e declarar trabalho analogo a escravo. Na base do ‘mata-se todo mundo, Deus que separe os bons dos ruins’. Viva a Republica!

  5. Trabalho analogo a escravidao. Vide o caso da Serra. Esculhambaram com a imagem das cooperativas vinicolas. PF vai lá e não encontra indicios da participação delas. Alguns defendem que deveriam ‘fiscalizar’ (ou seja, fazer o trabalho para o qual o Estado é pago para fazer). Fora das proprias instalações e numa pousada. Pagaram os direitos trabalhistas porque tinham responsabilidade subsidiaria, é o que a lei preve na terceirização. Quanto a condenação de ‘juristas’ e MPT, os primeiros são vermelhos e a opinião não conta e o segundo tem função de acusar e não julgar.

  6. Estado não gera empregos, no maximo gera cabides. Não é necessario ser um genio para ver que as ultimas mudanças tecnologicas irão causar mudanças importantes no mercado de trabalho (revolução industrial acabou faz tempo). A informatização já causou. Alas, não é uma nem duas criaturas causidicas que reclamam ‘sempre que tinha algum probleminha eu chegava no cartório e falava com um servidor que era meu peixe e quebrava o galho’ Obvio que assim fica feio, privilegios, logo o discurso é ‘falta o fator humano, o humanismo, mimimi’.

  7. O que os burocratas decidem no ar condicionado pouco importa. Quem necessita de empregados vai, toda vez que mudarem as regras, ver o que cabe no bolso. Depois vai demitir tantos quantos forem necessarios para equilibrar as contas. Simples assim.

  8. Bueno, para começo de conversa o autor é servidor publico, ou seja, peixe de aquario querendo regular como devem se comportar os peixes que vivem no mar. Simples assim. Depois há que se ver a cascata. Desemprego hoje é pouco menos de 8,5%. No ano do ‘golpe’, 2016, era 12%. Com viés de alta, 2017 bateu nos 13%. Daí se conclui que para os vermelhos ‘reconstruir’ é aplicar golpes de marreta. Novilingua.

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