“As paredes falaram quando ninguém se atrevia” – por Michael Almeida Di Giacomo
As acusações contra um afamado intelectual, Boaventura de Souza Santos
Boaventura de Souza Santos, Professor Catedrático da Universidade de Coimbra, em artigo assinado por três ex-pesquisadoras da universidade, Lieselotte Viaene, Catarina Laranjeiro e Miye Nadya, foi denunciado por prática de assédio moral e sexual.
As autoras, na obra “Sexual Misconduct in Academia: Informing na Ethics Of Care in the University” (Má conduta sexual na Academia – Por uma Ética de Cuidado na Universidade) – a partir de depoimentos anônimos, expuseram uma realidade que, segundo matérias veiculadas na mídia portuguesa, há muito vem permeando as conversas no ambiente da Universidade de Coimbra.
O intelectual português, um expoente internacional, com inúmeras obras publicadas e honrarias recebidas, em sua defesa diz que é vítima de “cancelamento”, “difamação vil”, “incitação ao linchamento”.
E, por fim, ao pedir suspensão de suas atividades do Centro de Estudos Sociais (CES) – para que seja realizada uma investigação independente – afirmou que ajuizará ação contra as autoras do artigo.
Contudo – como em todas as denúncias de abuso sexual – bastou uma fagulha para que o Todo viesse à tona. A partir da publicação do artigo, outras pesquisadoras tornaram públicas situações de assédio ocorridas no passado e que nunca foram investigadas pela direção da universidade.
É o caso da brasileira Bella Gonçalves, atual deputada estadual em Minas Gerais, a relatar fatos ocorridos nos anos de 2013 e 2014, ou seja, há dez anos. E da argentina Moira Millán, ativista indígena, ao afirmar que foi sujeita a um episódio de assédio no ano de 2010, entre outras mulheres.
Após ler sobre as denúncias, lembrei de um artigo publicado na revista “ LE MONDE diplomatique Brasil”, sob a letra de Juliana Aggio e Silvana Ramos, e que faço questão de citar, pois parte de uma ponderação que no mínimo nos deve fazer pensar a respeito, veja:
“Talvez a grande maioria dos professores já tenha cometido um ato de assédio sexual sem ter se dado conta de que o cometera. Há, contudo, aqueles que o cometem, sabem que o cometem e continuam no seu lugar confortável de poder sobre a assediada silenciada e de proteção conivente de seus colegas”.
É, sem dúvida, um contexto que reproduz no meio acadêmico o poder masculino dominante em nossa sociedade – patriarcal.
Infelizmente, ainda é esse tipo de situação que ocorre na maioria dos espaços de convivência laboral, científica, política, cultural, públicos ou privados, entre outros, independentemente da posição geográfica do país.
É importante pensar a respeito; mais importante ainda é agir para que não aconteça.
PS: “The walls spoke when no one else would” – Título do artigo. Em tradução livre: “As paredes falaram quando ninguém se atrevia”. É uma referência ao fato de que os muros da universidade foram pichados por alunas com os dizeres: “Fora Boaventura, Todas Sabemos”.
(*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15. Ele escreve no site às quartas-feiras.
Abaixo, na íntegra, o original da obra que traz o texto referido pelo autor deste artigo:
Boaventura Souza Santos ganhou notoriedade na esquerda depois de fazer tese de doutorado nas favelas do RJ na década de 70. Uma das observações mais engraçadas que ouvi dele, estavam no tal Forum Social Mundial e estourou a Primavera Arabe. ‘A revolução está acontecendo sem nós!’. É para dar muita risada! No mais, eles são vermelhos, eles que se entendam. Tribunais stalinistas sobre acontecimentos (reais ou imaginários) acontecidos decadas atrás não é algo com o que se perca tempo.