Reproduzido do jornal eletrônico SUL21 / Reportagem assinada por Luciano Velleda
A imagem de uma paisagem árida, de animais magros ou mortos, do homem do campo desolado, com dificuldade para se alimentar e até mesmo sem água para consumo próprio, durante décadas simbolizou a dureza da vida no agreste. Ao que tudo indica, tal exclusividade não pertence mais apenas ao Nordeste.
A crise da estiagem que afeta o Rio Grande do Sul levou à criação, em fevereiro, da Comissão de Representação Externa Especial da Assembleia Legislativa para analisar os impactos do fenômeno e propor alternativas para o futuro. Após 30 dias de atuação, o relatório da comissão foi entregue na última terça-feira (4) ao presidente da Assembleia, deputado Vilmar Zanchin (MDB). O documento comprova que, depois dos últimos três anos, as agruras da estiagem também fazem parte da realidade dos gaúchos.
O fenômeno, antes esporádico, tem sido cada vez mais frequente e intenso. A seca que afeta o estado desde 2020 está aí para acabar com qualquer dúvida que alguém ainda pudesse ter sobre a nova realidade do RS. A situação não é isolada e está diretamente conectada com a crise climática que abala o planeta. As consequências são cada vez mais mensuráveis, tanto em aspectos econômicos quanto sociais e, porque não dizer, inclusive na saúde mental de quem sofre as mazelas da seca.
Em março, a Emater/RS apresentou um diagnóstico dos impactos causados pela estiagem somente na safra 2022/23. Os dados, embora não sejam definitivos porque as lavouras ainda não foram finalizadas, já são suficientes para dar a dimensão do problema na agropecuária, base da economia do Rio Grande do Sul. Segundo o órgão, a quebra na produção do milho grão está em 41%, e da soja, em 31%. No milho silagem, usado para alimentação de animais, a quebra é de 40,5%. Além dessas culturas, a estiagem afetou fortemente muitas outras, como feijão, arroz, frutas e hortaliças.
A Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande do Sul (FecoAgro/RS), que representa 42 cooperativas agropecuárias, com 173 mil produtores associados, também divulgou nota sobre as perdas referentes à estiagem. Dados da Rede Técnica Cooperativa, em levantamento realizado no dia 6 de março com 21 cooperativas, prevê quebra de produção e perdas estimadas em 43% na soja e de 56% no milho.
No caso específico da soja, a previsão inicial da safra no Rio Grande do Sul era de 22 milhões de toneladas. Ao plicar 43% de perda sobre esse montante, a quebra fica em torno de 9,46 milhões de toneladas. Considerando o preço de R$ 3 mil por tonelada, o prejuízo é de cerca de R$ 28,3 bilhões. Símbolo da perda econômica causada pela estiagem, a lavoura de soja está no centro do debate da crise devido ao custo ambiental de sua expansão em território gaúcho.
Sem milho grão e milho silagem, a produção de leite foi igualmente impactada pela seca, pois os animais dependem do produto para a pastagem. A reação é como um efeito dominó. A falta de milho bagunçou também as cadeias produtivas de aves e suínos, já que o produto é o principal grão para a alimentação desses animais. Sem milho, o jeito foi comprar o produto em outros estados e então aumentar os custos de produção, fato que reverbera na ponta, com o aumento do preço ao consumidor.
O resultado final na economia foi a queda do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul em 5,1% em 2022. A estiagem que castigou o estado no ano passado, principalmente nos meses de verão, é apontada como a principal causa do PIB baixo devido ao resultado da agropecuária, que caiu 45,6% em 2022.
Os prejuízos econômicos da agricultura e da pecuária são relatados no relatório final da Comissão Externa da Assembleia, assim como o das comunidades quilombolas e de pescadores artesanais. Rios e lagoas baixaram seus níveis, dificultando a pesca e o tamanho do peixe. Plantações para a subsistência das famílias secaram.
Água para quem precisa
Durante os trabalhos da Comissão da Assembleia, técnicas de armazenagem de água das chuvas e novos projetos de irrigação estiveram no centro do debate. Em termos gerais, há consenso entre os diferentes atores envolvidos sobre a importância da criação de uma política pública permanente de irrigação que beneficie os diferentes tipos de agricultores, do maior ao menor.
Para alguns grupos, entretanto, faltou discutir o que eles avaliam ser o essencial: a preservação e a produção de água. Representante da Rede Sul de Restauração Ecológica na Coalisão pelo Pampa, Rodrigo Dutra afirma que a supressão dos campos nativos do Pampa tem jogado toneladas de carbono na atmosfera. Segundo o MapBiomas, em média 125 mil hectares de campos nativos têm sido anualmente convertidos em lavoura.
O zootecnista explica que o sequestro de carbono, no caso do Pampa, está no subsolo, acumulado nas raízes dos campos. A conversão dos campos nativos em lavoura, portanto, libera esse carbono na atmosfera e contribui para o aquecimento global, além da perda da biodiversidade. “Esse é o primeiro problema a contribuir para as mudanças climáticas”, diz Dutra.
O problema se agrava na medida em que muito da supressão de campos nativos ocorre em zonas de recarga de aquífero, ou seja, que recebem e acumulam água subterrânea. Igualmente grave é quando a supressão atinge zonas de nascentes de água e áreas úmidas de banhados, em ambos os casos afetando a produção de água no Rio Grande do Sul. A questão é paradoxal, ele pondera, pois o campo nativo é convertido em lavoura e depois não há água para abastecer a plantação.
Em meados de março, membros da Coalisão pelo Pampa entregaram ao presidente da Comissão que avaliou os impactos da seca no RS, deputado Zé Nunes (PT), um documento com sugestões do que fazer para enfrentar as próximas estiagens – que certamente virão. Os ambientalistas destacaram que, enquanto se sofre com a seca, a proteção aos elementos da natureza que produzem água está ausente do debate público. Em certa medida, há vozes do debate que apontam como solução um caminho que ambientalistas dizem ir no sentido contrário: a criação de barragens em cima de banhados, córregos e Áreas de Preservação Permanente (APP), como forma de reservar água.
O problema da ideia, explica Dutra, é reservar a fonte de água de uso comum para o uso de alguns poucos. “A reserva de uns pode ser a falta de água de outros”, critica. “Só se fala em reservação de água e não se fala em proteção, e muitos menos em recuperação e restauração das nascentes e córregos que foram destruídos nas últimas décadas.”
O bioma Pampa representa mais de 60% do território do Rio Grande do Sul. O zootecnista avalia que o governo estadual reconhece os problemas climáticos no discurso, diz publicamente querer avançar nas soluções, mas não discute a supressão dos campos nativos do Pampa…”
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Estiagem vai continuar? Até quando?