Para pisar mais leve – por Marta Tocchetto
A ONU definiu 30 de março como Dia do Resíduo Zero e da Conscientização
Quanto mais duras forem nossas pisadas sobre o Planeta, maior será o impacto. Nosso consumo não está fora dessa lógica, nem a Páscoa.
A Páscoa tem um expressivo sentido de religiosidade. A morte e a ressureição de Jesus simbolizam para os cristãos o milagre da vida, da união, da ressureição. A Páscoa tem igualmente um forte apelo comercial. O ato de presentear, especialmente, com chocolates, ovos, bombons e outros doces leva os comerciantes, a cada edição, estenderem a data e as promoções para aumentar as vendas. O verdadeiro sentido de união, vida e ressurgimento perde-se em meio, a quase obrigatoriedade, de presentear.
O incentivo à voracidade de comprar, consumir, presentear conduz, muitas vezes, à aquisição de produtos desnecessários e de baixa qualidade, inclusive nutricionais. Os preços elevados, assim como o custo de vida cada vez mais difícil, conduzem às escolhas de menor preço que certamente sacrificam outros atributos.
As embalagens coloridas e muito enfeitadas, mais do que proteção, são projetadas e escolhidas para chamar a atenção do consumidor, atraindo-o para a compra. São papéis de todos os tipos e de todas as cores. Plásticos sem economia na quantidade, no colorido, na textura. O tamanho dos papéis sem preocupação com o desperdício apresenta generosas sobras para serem amarradas com grandes laços, ainda mais coloridos e brilhantes. O papel metalizado usado nos produtos de Páscoa não é reciclado, pois as opções para encaminhamento à reciclagem praticamente inexistem, em especial na nossa região, Santa Maria (RS).
Na ausência de voltar ao ciclo, na melhor das hipóteses, esses materiais são encaminhados para aterro urbano no qual passam por um longo processo de degradação. Se refletirmos sobre os riscos desses resíduos acabarem no meio ambiente, têm-se o impacto das tintas usadas nas estampas e dos microplásticos contaminarem o solo, a atmosfera, a água e a biodiversidade como um todo. O momento de festa e de comemoração não pode estar dissociado dessas preocupações tanto por parte de quem produz, como de quem comercializa, de quem consome e de quem devia regular e fiscalizar. Substituir a visão linear pela circular é essencial para um planeta que dá testemunhos diários de sobrecarga.
Dia 30 de março foi escolhido pela Organização Mundial das Nações Unidas, Dia Internacional do Resíduo Zero e da Conscientização. O objetivo é incentivar e promover em todo o mundo um consumo menos insustentável e mais responsável, rumo às iniciativas que contribuem para o avanço da agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. O reconhecimento ocorreu em dezembro de 2022 pela Assembleia Geral da ONU.
Resíduo zero, em termos conceituais, se relaciona com a possibilidade dos materiais serem reutilizados, reciclados ou compostados. Significa eliminar as alternativas de descarte para aterro ou a destruição em incineradores. A data remete à importância de reduzir a quantidade de resíduos que geramos e de trabalharmos em direção a um mundo livre de descarte e de desperdícios.
O alcance desses objetivos se relaciona intimamente com as mudanças de postura e de comportamento em relação ao meio ambiente, em especial a geração de resíduos. Para tanto, repensar a necessidade de comprar, a forma de produção e a ética das empresas em relação às matérias primas, aos trabalhadores e à sociedade em que atuam são de grande relevância na redução da nossa pegada ecológica.
Estas mudanças contribuem para a redução da poluição, para mitigação da crise climática, para conservação da biodiversidade, para o aumento da segurança, inclusive alimentar e para a promoção de melhorias à saúde das populações, sobretudo a humana.
Os números assustam não apenas pela quantidade, mas representam a urgência das transformações que precisamos adotar em nosso dia a dia – a cada ano no mundo são coletadas 11,2 bilhões de toneladas de resíduos sólidos. O desperdício de alimentos totaliza 931 milhões de toneladas. Em 2040, a estimativa é de que 37 milhões de toneladas de plásticos sejam descartadas nos oceanos. É aterrorizador que nosso consumo desconsidere o tamanho e a gravidade desses números.
Até quando vamos tratar o planeta como uma grande lata de lixo capaz de receber tudo o que não queremos mais e que desperdiçamos? Até quando vamos crer que os bens naturais são inesgotáveis? Nossas escolhas são decisivas. Não há mais tempo para acreditar em oferta e capacidade ilimitadas.
O planeta é um sistema vivo do qual somos parte e que responde à intensidade das nossas ações. Quanto mais duras forem nossas pegadas, maior será o impacto. Temo que estejamos caminhando em direção à irreversibilidade e quando nos dermos conta da beira do abismo não seja mais possível recuar.
“O branco acha que o ambiente é recurso natural, como um almoxarifado onde retira todas as coisas. Para o indígena, a natureza é um lugar no qual você deve pisar suavemente, porque ela está cheia de presenças”.
As palavras cheias de sabedoria são de Ailton Krenak, liderança indígena, ambientalista, filósofo e escritor. Elas nos levam à reflexão sobre a importância da conexão do homem com a natureza e da necessidade de mudança de postura frente aos bens que necessitamos para nossa sobrevivência. A natureza os oferece de forma amorosa, como uma grande mãe que nada pede em troca, a não ser cuidado e respeito.
(*) Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.
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