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Dos filhos destas solos – por Leonardo da Rocha Botega

Cerca de 15% dos domicílios do Brasil são chefiados por mães solos. E então...

No último domingo, 14 de maio, comemorou-se no Brasil o Dia das Mães. A origem da data nos remete a diferentes momentos da História. As reverências as figuras maternas eram comuns nas sociedades clássicas, principalmente nas festas primaveris gregas e romanas, onde eram homenageadas as deusas Reia, a mãe dos Deuses gregos, e Cibele, a deusa mãe romana (a Magna Matter). No século XVII, os ingleses instituíram o Mothering Day, dia em que os operários ganhavam folga para visitar suas mães.

Nos Estados Unidos, a celebração foi oficializada a partir de 1914, porém as pressões para a sua institucionalização nos remetem às ações desenvolvidas por Anna Jarvis, filha de uma ativista defensora das mães trabalhadoras que desde 1905, quando da morte de sua mãe, promovia campanhas pela valorização da figura materna. No Brasil, o primeiro Dia das Mães foi comemorado em 1919 pela Associação Cristã dos Moços, sendo oficializado pelo governo Getúlio Vargas em 1932.

Para além das comemorações e justas celebrações, das homenagens, dos presentes, das reuniões familiares e de toda a mística que compõe o segundo domingo do mês de maio, a data deve servir também para despertarmos para uma realidade presente na sociedade brasileira: a realidade das mães solos.

Segundo o Instituto de Economia da Fundação Getúlio Vargas, a partir de pesquisa realizada pela economista Janaína Feijó, o Brasil possui hoje 11 milhões de mulheres que criam seus filhos e suas filhas sozinhas. Destas, 72,4% não possuem uma rede de apoio próxima. Mais de 50% não possuem ensino superior ou ensino médio completo, pois tiveram que interromper os estudos em razão da maternidade solo. Cerca de 15% dos domicílios brasileiros são chefiados por mães solos.

No que tange aos rendimentos mensais, mães solos recebem cerca de 20% a menos do que mulheres casadas com filhos e 39% a menos que os homens casados com filhos. Quando procedemos o recorte étnico-racial, os dados demonstram que 90% das mães solos brasileiras são negras. Estas recebem 39,2% a menos do que as mães solos brancas. 31% das mães solos negras estão fora do mercado de trabalho, cerca de 5% a mais do que o mesmo número de mães solos brancas (26,6%). Somente 9% das mulheres negras que criam filhos e filhas sozinhas possuem ensino superior.

Para além dos dados, a realidade das mães solos é marcada por uma série de questões que não podem ser mensuradas quantitativamente. A exclusão de atividades de lazer e culturais, a exaustão física e emocional, a falta de tempo para si e a solidão, são alguns exemplos. Porém, a mais dura das questões, conforme a maior parte das mães entrevistadas em diferentes pesquisas, é o preconceito sofrido não apenas por ela, mas também pelos filhos e filhas.

O preconceito contra as mães solos não se revela apenas nos próprios dados do mercado de trabalho revelados acima. Estão presentes em um conjunto de violências simbólicas que a institucionalização do patriarcado impõe às mães solos. No olhar das vizinhas, na religião, na escola dos filhos e das filhas, no meio familiar, nas humilhações impostas na luta pelo pagamento das pensões atrasadas. Dessa forma, Estado e significativos setores da sociedade civil se unem no Brasil no julgamento das mães solos.

As mães solos não precisam de opiniões ou de julgamentos. Precisam de estudo, de emprego, de renda, de creches, de acesso ao lazer, de acesso à cultura. Precisam das mesmas condições que qualquer mulher, mãe ou não, necessita. Precisam de equidade! Precisam de políticas públicas, que são as maiores demonstrações de afeto, de amor e de carinho que uma mãe pode receber de uma sociedade e de um Estado.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964)

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