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E o amor? – por Orlando Fonseca

Segunda-feira não é um dia muito apropriado para a data, mas é o que temos para este ano. O Dia dos Namorados acontece neste primeiro dia útil da semana, comumente usado para outros fins menos românticos. Véspera do dia dedicado ao santo padroeiro, no Brasil, deveria inaugurar os festejos juninos que parecem não ter empolgado por aqui (onde estão aquelas bandeirinhas coloridas que um conterrâneo, Carlos Scliar, tornou ícone da arte brasileira?). Mas, vá lá, o requisito fundamental para as celebrações da efeméride, não está arrolado entre as coisas úteis mesmo. Estou falando do Amor. Essa coisa misteriosa da qual, em pleno século XXI, ainda nos perguntamos a respeito, sem dar conta de sua definição, de sua localização ou da sua efetiva eficácia. Apesar de nos entusiasmarmos com ele, dedicarmos um dia para celebrá-lo, e para sofrer também, se despedaçar, correr atrás dele, lamentar tê-lo perdido quando se pensa tê-lo encontrado, e ter esperanças de reavê-lo, vê-lo surgir do nada outra vez. Os dias atuais andam muito esquisitos: impermanência e instabilidade são marcas dos nossos tempos líquidos – como diria aquele sociólogo polonês, Zygmunt Bauman, pouco lido e muito citado. Mas não me ocorre metáfora mais apropriada para o que vivenciamos na atualidade. As relações, as convenções, os princípios, os protocolos, os conceitos, tudo escorre por entre os dedos, (pensando em alguma coisa concreta) sem nos deixar mais do que algumas gotas do que foram, pouco anúncio do que pode vir a ser. Dentre tudo o que se desmancha no ar, pensando num outro frasista famoso, os casamentos ainda se dão por amor? Com a ocorrência absurda de tantos feminicídios, nos perguntamos se o afeto é alguma coisa que ainda une um homem e uma mulher (considerando a formação tradicional para este tema). Pesquisas recentes apontam para o fato de que, nesta questão, assim como se configuram outros modos de união, a expectativa já não é mais a que mobilizou amantes, ao longo dos séculos passados.

Se tomarmos como referência o romance clássico, no simbolismo de Romeu e Julieta, vamos perceber que, no século XVI, é quando surge o ambiente ideal para a existência de algo que poderíamos chamar de casamento (união) por amor. Shakespeare se baseou, no entanto, em uma narrativa oral que ambienta o drama vivido pelos pombinhos no século XIII, quando se supõe ter iniciado este, digamos, costume de se unir por amor. Lembremos que, em plena Idade Média, estava em vigência o feudalismo. Os casamentos, via de regra, eram arranjos para preservar o poder do Rei, do Imperador, dos Príncipes, os senhores feudais. Nas sociedades tribais anglo-saxãs, por exemplo, o casamento era uma forma de estabelecer alianças e conquistar aliados, constituindo relações diplomáticas e laços econômicos. Com o surgimento da burguesia, em uma nova ordem econômica, social e cultural no mundo, o “casamento burguês” visava a preservação do direito patrimonial, com todos os protocolos do patriarcado. Seu efeito colateral, o machismo, tem influências vistas ainda hoje, pelo qual o corpo da mulher se configura entre itens do espólio pós-separação a ser administrado. Somente em meados do século XIX, na Europa, o casamento deixou de ser um ato exclusivamente religioso, passando a ser possível a união civil, ainda que pessoas não católicas ou de outras religiões se casassem de acordo com seus próprios preceitos.

No cotidiano atual, a crise das relações afetivas começa quando se vira a chave do modo “namoro” para o modo “casamento”. Como disse, segundo pesquisas, já não perdura, no imaginário dos jovens enamorados, a ideia idílica criada pelos contos de fadas. O início de uma relação não visa mais o “felizes para sempre”. Parafraseando o nosso Poetinha, no amor é possível criar uma situação tal que “seja infinito enquanto dure”. Felizes, sim, mas o para sempre está relativizado. Pode parecer, numa crônica despretensiosa, sugestão de “influencer”, mas o segredo de uma relação – ao menos – saudável é tornar permanente o estágio do namoro. E estender o significado deste Dia dos Namorados pelas próximas semanas, meses e anos.

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7 Comentários

  1. ‘[…] sugestão de “influencer”’. Obvio que não. Até porque influencers não escrevem cronicas. E o publico dos influencers majoritariamente não leem cronicas. Naquele base, ‘é so dizer que temos/fazemos a mesma coisa para sermos a mesma coisa’. Vide os municipios por ai, se orgulham das suas ‘start-ups’. Alguém ja viu as estatisticas ianques? Investopedia. Até 2021 20% falhavam no primeiro ano (no Brasil existem incubadoras com dinheiro publico, problema resolvido), 50% falharam em 5 anos e 65% em 10 anos. Dois terços nunca apresentaram resultado positivo. Alas, todo mundo parte do principio ‘start up é bom’. Sem problema. Web (e midia tradicional) aceita tudo. Tem até gente que afirma que Noé colocou um Tiranossauro Rex vegano dentro da Arca.

  2. ‘[…] influências vistas ainda hoje, pelo qual o corpo da mulher se configura entre itens do espólio pós-separação a ser administrado’. Exceções, não a regra. O que contradiz a ‘resposta ideologica’. Há obviamente outros fatores.

  3. Na Idade Média a legitimidade para governar vinha de laços familiares com um fundo religioso (direito divino dos reis?). Algo que muda no Renascimento. Total zero. Os Habsburgo praticavam casamento endogamico. Da mesma maneira que os Faraós do Egito. O que acarretou problemas de saúde. Logo assunto está longe da simplicidade.

  4. Visão marxista do casamento. Lembrando que literatura e historia são disciplinas diferentes. No Direito Romano havia meia duzia de modalidades (depende da epoca). Era aliança politica nos andares de cima. Havia o casamento cum manu (o marido mandava) e o sine manu (status da mulher era igual). Efeitos patrimoniais diferentes, dote, etc. Havia o ‘usus’, casamento por mutuo consentimento e cohabitação prolongada (ou seja, união estável). Imperio Romano caiu e ficou a Igreja Catolica. Papel da familia, e a propria definição da mesma, mudou. Pobres também casavam, obvio. Sem poder ou patrimonio.

  5. Brasil teve algo como 1,4 mil feminicidios em 2022 (pouco mais de uma por 100 mil mulheres?). Uns 40 mil homicidios e uns 45 mil mortos no transito. População uns 215 milhões, mais da metade mulheres. Qual o problema mais grave? Esquerda tem fetiche pelas minorias. Que devem ter seus direitos respeitados, mas não deveriam ocupar destaque que merecem problemas mais graves. Viram cortina de fumaça. Alas, midia disfarça campanhas de ‘conscientização’ como se noticias fossem. ‘Companheiro mata mulher em São João do Passa Cinco’. Maioria não sabe onde fica o local e não está interessado no que lá acontece. Problema? Nenhum. Existem muitas alternativas e quem precisar de audiencia que se vire depois.

  6. Bauman faleceu em 2017. Até ele já se tornou parcialmente liquido. Foi ‘moda’ no Brasil, la fora nem tanto porque existem muitos outros e a cultura é diferente. Alas, tupiniquins são adeptos da ‘erudição de um autor/livro só’. Até porque é mais fácil fingir erudição, a verdadeira dá muito trabalho. Alas, há os memorizadores de livros, Carnais e Cortelas. Para tudo tem uma citação, mas sem a minima possibilidade de falar algo minimamente original. Alas, moda recente foi Harari, escreveu um resumão e um monte de previsões que já furaram. Não importa, continua em voga. Talvez por outros motivos.

  7. Para Carlos Scliar tive que usar o Google. Perda de tempo, adquirir informação que inevitavelmente voltará ao esquecimento. Amor? Um excesso de oxitocina (ou ocitocina) no cerebro que diminui com o tempo e as pessoas descobrem que a rapadura é doce mas não é mole. Efemeride foi criada por João Dória, o pai, um publicitário. E politico. Forte odor de picaretagem. Alas, como uma data comercial consegue influir em relacionamentos individuais e até em parte da patuléia sem relacionamento nenhum?

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