O que aconteceu entre as quatro paredes nos últimos dias do governo Bolsonaro? – por Carlos Wagner
Resposta é a base “para se entender o que acontecerá na política brasileira”
O que aconteceu entre as quatro paredes do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no dia seguinte a sua derrota nas eleições de 2022 para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)? Tenho fé que alguém conseguirá escrever essa história, porque os personagens andam por aí e há uma abundância de informações contidas nos inquéritos da Polícia Federal (PF).
Pensei nisso na quarta-feira (7/06), quando foi manchete nos noticiários a informação de que a perícia da PF encontrou o texto da minuta de um decreto golpista e o esboço de um estudo para dar apoio logístico a um golpe de Estado no celular do tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. O texto é de um Decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Essa minuta é diferente do decreto golpista encontrado, em janeiro, na casa do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública do ex-presidente, o delegado da PF Anderson Torres, que tinha como objetivo instaurar estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As duas minutas tinham o mesmo objetivo. Armar uma confusão e chamar as Forças Armadas para garantir a ordem pública e levar Bolsonaro de volta à Presidência da República. Só conseguiram armar confusão.
No dia 8 de janeiro, bolsonaristas radicalizados invadiram a Praça dos Três Poderes, em Brasília, e destruíram tudo que encontraram pela frente nos prédios do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF).
O golpe falhou. Na opinião de muitos, entre eles o ministro do STF Alexandre de Moraes, “foi uma ‘Operação Tabajara’, o nome criado pelos humoristas do antigo programa Casseta & Planeta, da Rede Globo, para se referir a alguma coisa que dava errado ou não funcionava. A lista de motivos para explicar o fracasso dos golpistas é enorme, vou citar o que considero o principal.
Eles partiram do princípio de que fazendo uma arruaça em Brasília conseguiram envolver as Forças Armadas e o resto da população se curvaria para o que acontecesse, e baixaria a cabeça e iria para casa. Qualquer estrategista em início de carreira sabe que não é assim que as coisas funcionam. Lembro que o golpe militar de 1964 não conseguiu se consolidar até o seu fracasso, em 1985. Mesmo tendo o apoio militar, econômico e principalmente político dos Estados Unidos.
O que aconteceria hoje? O Brasil é país totalmente diferente: a maioria da população é urbana, a economia está entre as 10 principais do mundo e as dimensões do território são continentais. E os demais países, entre eles os Estados Unidos, não apoiam golpes militares. Portanto, haveria uma reação, significaria que os aviões de caça e bombardeiros da Força Aérea Brasileira (FAB) atacariam as cidades, colunas de tanques entrariam nas capitais e os soldados de infantaria trocariam tiros com os civis.
Dá para imaginar uma situação dessas? Claro que não. Jamais as Forças Armadas embarcariam em um barco desses. Os bolsonaristas radicalizados acreditaram que teriam o apoio do alto comando dos militares.
Aqui é o seguinte. Pelo que já se conhece do perfil dos mais de mil presos na ocasião do quebra-quebra, a maioria acreditava que poderia fazer tudo que não teria problemas – há material publicado disponível na internet. Por isso, fizeram o que fizeram, como mostram as imagens. Surpreenderam-se quando foram presos, processados e tiveram seus bens bloqueados.
Se esse episódio fosse um prédio de três andares, essas pessoas pertenceriam ao andar de baixo. No andar do meio encontramos pessoas como o ex-ministro Torres, que foi preso preventivamente em janeiro e em maio ganhou liberdade provisória (usa tornozeleira eletrônica e obedece a uma série de restrições, como não sair à noite). E o tenente-coronel Cid, que foi preso preventivamente no dia 3 de maio e está em uma cela de uma guarnição do Exército.
Estamos falando de um tenente-coronel das Forças Armadas e de um delegado da PF. Duas pessoas altamente qualificadas tecnicamente. Como eles foram acreditar na história do golpe? Colocando as suas carreiras e famílias em um grande rolo. Não entraram nessa por ingenuidade e muito menos por ideologia. Entraram porque foram convencidos por alguém do andar de cima de que teriam grandes vantagens financeiras ocupando cargos importantes.
Pelo menos é nesse sentido que a investigação está apontando. A grande dificuldade dos investigadores é conseguir provas contra o pessoal do andar de cima, porque toda a operação foi montada de maneira compartimentada. O que significa que foram apagados os rastros das ligações políticas, econômicas e outras entre os grupos que participaram da operação.
Dependendo dos rumos que o trabalho da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do 8 de janeiro tomar, o trabalho dos investigadores da PF pode ser facilitado, porque sempre sobra alguma informação durante um depoimento que serve como uma ponte para explicar um acontecimento que até então não tinha autoria.
Como disse no começo da nossa conversa, a história do aconteceu entre as quatro paredes do governo Bolsonaro no dia seguinte à vitória de Lula é fundamental para se entender o que vai acontecer na política brasileira nos próximos anos. Lembro que as 1,3 mil páginas do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado sobre a Covid-19 (CPI da Covid) colocaram as digitais do governo Bolsonaro nas mais de 740 mil mortes de brasileiros pelo vírus.
Esse relatório é um documento que está circulando o mundo devido a riqueza das suas informações para ajudar a compreender o que aconteceu no Brasil. Se o relatório da CPMI do 8 de janeiro ajudar a entender o que aconteceu entre as quatro paredes nos últimos dias do governo Bolsonaro certamente terá o seu lugar na história.
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
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