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O ensino em recuperação – por Orlando Fonseca

É preciso recuperar “o tempo perdido com negacionismos e a falta de noção”

Temos grandes problemas educacionais no Brasil, e não é de agora. Contudo, o que foi deixado de ser feito no passado – décadas em que ficamos patinando com os excessos de uma ditadura militar, décadas com uma recuperação democrática cheia de sobressaltos – só serve agora para pensarmos a grave crise no setor, e as perspectivas do futuro.

Tenho lido muitas sugestões de solução para os problemas, algumas com fundamentação, outras sem bases para se construir algo sólido e sustentável. Como a proposta, surgida durante o governo Bolsonaro, com as escolas cívico-militares. Em boa hora o atual governo desmonta o projeto, pois, na minha opinião, não traz nada de novo que possa corrigir os defeitos históricos do sistema, a fim de aprontar a escola para os desafios do presente e do futuro (especialmente do futuro).

Além do famigerado desgoverno do último período (falando em projetos para a educação), tivemos uma pandemia que provocou protocolos de distanciamento por dois anos, e ainda provoca efeitos colaterais no sistema. Isso porque não foram apenas as vacinas que atrasaram, mas não houve também um programa de recuperação dos alunos, que agora padecem de graves defasagens em seu progresso escolar.

Este talvez seja o maior dos problemas, que está a exigir imediata ação das administrações públicas, para nivelar a falta de alfabetização na idade certa, e a recuperação de conteúdos fundamentais para o avanço dos estudos. Não será um programa que se resolva sem aporte de recursos, tanto materiais quanto de pessoal especializado, envolvendo solidariamente as esferas federal, estadual e municipal.

Estamos sendo, já há algumas décadas, afetados pelas novas tecnologias, que têm impacto decisivo sobre as gerações que estão na escola e nas universidades no momento. Todos os modelos pedagógicos em uso foram pensados e desenvolvidos ao longo do século passado. Portanto, lançando mão de ferramentas e métodos que consideravam as habilidades de leitura e de expressão baseadas no livro impresso.

Hoje, não há na escola e nas universidades, crianças e jovens que já não tenham nascido em uma sociedade totalmente conectada, e isso tem implicação decisiva sobre os modos de aquisição de conhecimento. E vai muito além da capacidade de relacionar conteúdos, processar informações e interpretar textos. São ferramentas novas que têm o poder de modelar o pensamento e os modos de argumentação.

Logo, estudar já não é mais o que quase a totalidade dos professores em atividade aprenderam sobre o assunto; o que condiciona a metodologia quanto ao quesito ensinar. Temos um profundo abismo entre professores e estudantes no ambiente escolar. E isso é outro imenso problema a ser resolvido com a máxima brevidade possível.

Não consigo entender em que medida as escolas cívico-militares poderiam contribuir melhor para dirimir estes problemas, do que o modelo de escola que temos por todo o país (e no mundo). O militarismo não é uma disciplina a ser disseminada pelos cidadãos, e a civilidade pode muito bem ser ensinada e estimulada com o modelo escolar vigente.

Temos problemas no quesito respeito à autoridade, mas isso não é problema exclusivo da escola, nem a disciplina militar seria a fórmula salvadora a ser implantada na mente dos jovens. É preciso, sem dúvida, trabalhar esta noção no cotidiano de crianças e adolescentes, para que sejam disciplinados no desenvolvimento de hábitos de estudo mais consistentes, mais consequentes. No entanto, assim como já existem métodos no seio das famílias, também para os programas curriculares temos modelos eficazes.

Por isso tendo a concordar com o Ministério da Educação, que entende como uma medida necessária o encerramento do programa, e aplicação de verbas e recursos na recuperação do tempo perdido com negacionismos e falta de noção que imperou no MEC por um tempo. E aí sim, atacando os reais problemas que os novos tempos têm trazido para o ambiente escolar, para encaminhar sua recuperação.   

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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9 Comentários

  1. Alas, falando em cabideiro. Novo programa Mais Médicos. ‘Fica o Poder Executivo federal autorizado a instituir a Agência Brasileira de Apoio à Gestão do SUS (AGSUS), serviço social autônomo, na forma de pessoa jurídica de direito privado […] com a finalidade de promover, em âmbito nacional, a execução de políticas de desenvolvimento da atenção à saúde indígena,’ ‘A AGSUS é composta de:[…] O Conselho Deliberativo[…] Diretoria Executiva é órgão de gestão[…]’. ‘Os servidores da administração pública federal direta, autárquica e fundacional poderão ser cedidos […] para o exercício de cargo de direção ou de gerência’. Um dos problemas do SUS, ‘muito cacique para poucos indios’. Burocratas, Que consomem recursos. Esta é BSB.

  2. Ministerio da Educação é um cabideiro de um governo chefiado por um apedeuta. É só marketing e discurso furado. Vide queimadas na Amazonia, aumentaram e são devidamente acobertadas pelo consorcio de midia.

  3. Escolas civico-militares, não vou morrer nesta coxilha. O ‘Não consigo entender[…]’ já esta devidamente evidente. ‘[…] já existem métodos no seio das famílias, também para os programas curriculares temos modelos eficazes.’ Cite cinco. Sim, porque balelas genericas é para engambelar trouxas. Alas, se o ensino está como está também existe parcela de culpa dos que dele cuidam. A parte operacional. Simples assim.

  4. No mais discurso de militante cujo governo não tem nada para apresentar logo para encher linguiça fica malhando o governo anterior. Visão sempre no espelho retrovisor.

  5. Não é mimimi. São dados. Alas, os mesmos que tiveram ensino no nivel baixo de 2015 a esta altura do campeonato já terminaram a graduação. Muitos são docentes. Alguns já terminaram o mestrado e começaram o doutorado. Que não recuperam tempo perdido. Simples assim.

  6. Negacionismo? Falta de noção? Exame PISA. Lugar do Brasil em 2000 no topico matematica: 35. Lugar do Brasil no mesmo topica em 2015: 68.

  7. Negacionismo? Falta de noção? Exame PISA. Lugar do Brasil em 2000 no topico leitura: 36. Lugar do Brasil no mesmo topico em 2015: 62.

  8. Negacionismo? Falta de noção? Exame PISA. Lugar do Brasil em 2006 no topico ciencias: 49. Lugar do Brasil em 2015 no mesmo topico: 66.

  9. Regime militar não teve grandes influencias na educação. Antes da reforma do inicio da decada de 70 o ensino, ao menos a impressão, era melhor.

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