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Vestibular, a volta – por Orlando Fonseca

Sábado passado, à noite, passeando pela cidade, percebi a sua movimentação inusitada. Parecia o forte do verão, e o tempo estava mais para chuva e frio. Mas as ruas do centro tinham movimentação de dia da semana; bares e restaurantes lotados, locais de festa com muita gente jovem reunida. Até mesmo o motorista do aplicativo comentou que a noite de Santa Maria estava bombando, sinal de um bom faturamento. Ainda comentou: este pessoal, em vez de estudar pra prova, está se divertindo. Sim, o vestibular da Federal está de volta à cidade, e isso mexe com todo mundo. Comentei com o amigo motorista que, a poucas horas de realizar o exame, não adianta muita coisa. Ele não se deu por vencido: é mas um esqueminha, pra refrescar a memória é bom. Talvez, eu emendei, mas acho que eles fazem bem em estar por aí, relaxando antes de enfrentar a prova. Tá bom é pra ti. Ele riu, e complementou: ah, isso é mesmo.

Nestes pontos, em síntese, é que gostaria de centrar minhas considerações a respeito do retorno do vestibular na UFSM. Embora a cidade tenha outras grandes instituições, a universidade federal é a que atrai todas as atenções. Desde o seu início, ou mais especificamente, a partir da realização do chamado vestibular unificado. Com a implantação da primeira universidade pública no interior do país, lá no início da década dos 1960, a cidade começou a ganhar a feição de espaço universitário. Naqueles anos, malgrado o obscurantismo de uma ditadura militar, experimentou-se por aqui uma efervescência juvenil que contaminou mentes e corações. Isso fez com que a municipalidade entendesse que um rebuliço (revolução era uma palavra proibida) cultural tomava conta do ambiente citadino. Vai daí que, para o aparecimento de toda sorte de espaços comerciais, bares com música, grupos de teatro, as salas de cinema, foi um salto. Isso sem falar no mercado imobiliário, na indústria da construção civil – a que mais cresce, pelo que ainda se vê. A impressão do motorista do aplicativo, na noite de sábado, não é por acaso. Santa Maria deve muito ao movimento que as provas de vestibular trazem para as suas ruas. A economia local, com certeza, faz coro ao que disse um amigo, na sexta-feira: estava com saudade da mobilização que tem o vestibular. Melhor assim, tem gente que aplaudiu quando um ministro tratou o ambiente universitário como “balbúrdia”.

Segundo a gestão da UFSM, não é por estas razões que promove no momento a volta do vestibular. Até posso entender que, por escassez dos recursos para a educação nos últimos – governos Temer e Bolsonaro – a UFSM e, de resto, as IFES por todo o país tenham sofrido para manter seu funcionamento. Nessa conta se pode colocar a Assistência Estudantil, o que leva à evasão, não porque um estudante tenha vindo do nordeste. Até mesmo um jovem que tenha vindo da Quarta Colônia pode ter dificuldade de se manter em Santa Maria. Isso quer dizer que, mesmo com a volta do vestibular, será preciso muito recurso público para manter os cursos, e bancar a permanência de alunos na instituição. Por isso a volta do processo seletivo próprio.

Preciso considerar, contrapondo o sistema promovido pelas provas do ENEM com o que significam as provas de vestibular. Este último, por seguir a “teoria clássica do teste”, avalia o volume de conhecimento, privilegiando a memória em detrimento do raciocínio. Já o modelo da Teoria da Resposta ao Item (TRI), do ENEM, verifica a capacidade do candidato em dar respostas, o que privilegia o raciocínio em vez de decoreba. Para a educação, a meu juízo, o modelo adotado pelo ENEM é menos perverso. Pesquisas apontaram que tirar o primeiro lugar nas provas do vestibular não é garantia de que será um aluno brilhante no decorrer do curso. Depois de alguns anos usando somente o sistema do ENEM (algumas universidades mantiveram em conjunto o seu vestibular), não entendo o retorno do antigo modelo de processo seletivo como avanço. No entanto, tendo a concordar com meu amigo que estava com saudade da movimentação, e me solidarizo com a satisfação do motorista, que, ao menos sábado à noite e, pelo que me disse, domingo antes das oito, faturaria bem mais do que vinha percebendo nos últimos dias.

(*)Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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12 Comentários

  1. Vermelhos gostam de concentração tanto de poder quanto de dinheiro. Economia ‘planejada’. Adoção somente do Enem foi um erro. Feito por motivos ideologicos (o mundo real que se exploda). Retorno do vestibular é o que é, não é avanço e nem retrocesso. Não é nem o maior ou mais importante problema da educação no municipio.

  2. ‘Pesquisas apontaram que tirar o primeiro lugar nas provas do vestibular não é garantia de que será um aluno brilhante no decorrer do curso’. Quais pesquisas? Publicadas onde? Alas, ‘[…] aluno brilhante no decorrer do curso’ não garante que será um bom profissional depois. Se a criatura for muito teorica caminho da academia é o mais promissor (generalizações, obvio). Alas, muita gente que leciona nas universidades publicas fez a graduação, o mestrado e o doutorado na mesma instituição. Ou seja, vida toda numa bolha. O que ensina vem de livros textos que muitas vezes estão desatualizados, são mal traduzidos, são muito básicos e contém erros. As aparas serão retiradas no mercado de trabalho depois. Dos que conseguirem uma vaga. Alas, procupação de muitos docentes vai até a colação de grau. Alas, de muitos é só a disciplina que lecionam.

  3. Baboseira do ‘teoria classica do teste’. O mundo está funcionando. Bons médicos e causidicos da aldeia prestaram vestibular elaborado com a teoria classica. Simples assim. O Enem não acabou com os cursinhos, eles simplesmente tiveram que adaptar o ‘treinamento’ para a ‘Teoria da Resposta ao Item’. Simples assim. Neste meio tempo a educação pré-universitaria andou de lado ou regrediu na qualidade. Simples assim.

  4. Donde se chega na falsa dicotomia formar o profissional/formar o cidadão. Parece que um completo imbecil andou falando por ai que a ‘lavagem cerebral’ seria importante se’ melhorasse a condição das mulheres na sociedade’. E que isto seria mais importante que ‘saber qual a raiz de 2’. Somente as faculdades de jornalismo, RP e similares produzem este nivel de ‘genialidade’.

  5. ‘[…] por escassez dos recursos para a educação nos últimos – governos Temer e Bolsonaro […]’. Que não acordaram num belo dia e resolveram ‘irei cortar recursos da educação’. Alas, algo que os vermelhos não entendem, a ‘memoria’ é inesgotavel. Dilma, a humilde e capaz, tirou 10 bi e meio da educação em 2015 (fonte UOL). Só um exemplo.

  6. ‘[…] um ministro tratou o ambiente universitário como “balbúrdia”’. Em alguns lugares as vezes é balburdia. Que é justificada as vezes. E as vezes não é. Fatos, não ‘discurso’.

  7. ‘A economia local […] estava com saudade da mobilização que tem o vestibular’. Conjuntura mudou e muito. Não é o faturamento de dois ou tres finais de semana que alteram alguma coisa.

  8. ‘Com a implantação da primeira universidade pública no interior do país, lá no início da década dos 1960, […]’. Isto hoje em dia tem zero importancia. De suma importancia atualmente é para onde vai a UFSM, qual o futuro da instituição no meio de tantas mudanças e desafios. Quem vive de passado são os velhos, justamente porque não lhes resta muito futuro.

  9. Casas Eny é da decada de 20 do século passado. Teatro 13 de Maio da virada do século XIX. Mariano da Rocha era professor da Faculdade de Farmácia de Santa Maria em 1938 (faculdade fundada por um tio do mesmo). Não é negar a importancia da UFSM para a aldeia, simplesmente este papinho ‘nunca antes na historia’ não corresponde a verdade, deseduca quem lê.

  10. Para uns estudar no dia anterior não funciona, para outros não se joga tempo fora. Depende do curso, depende do estado emocional da criatura. Duas generalizações erradas.

  11. Partindo da hipotese que a movimentação nas ruas era esta mesmo (ao contrario da maioria me reservo a prerrogativa de não acreditar prima facie em ninguém; principalmente vermelhos), não havia um evento unico na urb durante o final de semana. Ocorria também uma formatura e a feira dos comunas.

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