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Braço político do crime organizado do Rio sabe quem mandou matar Marielle? – por Carlos Wagner

A investigação jornalística tem deixado muito a desejar na cobertura da execução da vereadora Marielle Franco (PSOL), do Rio de Janeiro. Ela foi morta na noite de 14 de março de 2018 por rajadas de metralhadora disparadas contra o seu veículo pelo miliciano Ronnie Lessa, que estava sentando no banco traseiro de um Chevrolet Cobalt. No atentado, morreu também o motorista da parlamentar, Anderson Gomes, e ficou ferida uma das suas assessoras. Lessa e outros envolvidos no crime estão presos. Falta a investigação policial descobrir quem mandou matar Marielle? A recente parceria entre a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em busca do mandante da execução tem trazido evoluções importantes investigação – há matérias na internet.

Uma das evoluções trazidas na investigação aponta para o lado das milícias, que são grupos formados por policiais da ativa e aposentados fora da lei que operam em várias favelas cariocas. É preciso explicar melhor essa história das milícias e outras organizações criminosas que atuam no Rio para os leitores e os jovens repórteres que trabalham nos noticiários do dia a dia. O Rio de Janeiro é o berço do crime organizado no Brasil, que nasceu com os bicheiros – há sobre o assunto livros, trabalhos de pesquisa e muitas reportagens disponíveis na internet. Por muitos anos, os donos das bancas de bicho deram as cartas no Rio. As milícias nasceram nos anos 60, quando os comerciantes contratavam policiais da ativa e aposentados como segurança de suas lojas. A facção Comando Vermelho (CV) nasceu em 1979, no presídio da Ilha Grande. Essas três organizações criminosas têm as suas diferenças e disputas por territórios decididas a rajadas de metralhadoras. Mas também fazem alianças para defender interesses comuns, principalmente em negócios como a construção de prédios clandestinos e a prestação ilegal de serviços de internet (popularmente conhecida como “netgato”), transporte coletivo, comércio de gás, drogas e armas. E têm negócios legais montados para lavar dinheiro. E o que considero muito importante. Ao contrário de outras organizações criminosas espalhadas pelo Brasil, as do Rio têm um braço político que foi montado pelos banqueiros do jogo do bicho e nos dias atuais é compartilhado com outras quadrilhas. Vou lembrar uma história que sintetiza o que falei. Adriano Magalhães Nóbrega, ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope), aquele do filme Tropa de Elite, foi expulso da Polícia Militar do Rio de Janeiro por estar envolvido na prestação de serviços de segurança para os banqueiros do bicho. Ele tornou-se miliciano e criou o Escritório do Crime, que aceitava a encomenda de execuções. Em agosto de 2020, morreu em um tiroteio com policiais no interior da Bahia. O miliciano era amigo da família Bolsonaro – há matérias na internet. Nos últimos quatro anos, falei por diversas vezes sobre o assunto nos meus posts, vou citar o mais recente: Todos os homens perigosos do presidente Bolsonaro, publicado em dezembro de 2022.

Somando todas as informações conhecidas até agora da investigação policial que busca encontrar os mandantes da morte de Marielle, a conclusão é existe a possibilidade real de que a vereadora tenha sido executada por ter contrariado os interesses de algum negócio ilegal que reunia as organizações criminosas do Rio. Para avançar mais nesse terreno é necessário ter trabalho jornalístico em campo. Por que faço essa afirmação? As quatro décadas que atuo com jornalismo investigativo me ensinaram que sempre que os investigadores policiais estão lidando com um trabalhado da envergadura do caso Marielle eles usam os jornalistas para espalhar “balões de ensaio”. Como acontece? Os suspeitos são todos grampeados – escutas telefônicas autorizadas pela Justiça. Os policiais contam então uma historinha para o repórter, que a publica, e ficam monitorando a troca de mensagens e as conversas por telefone e outros aplicativos a respeito da reportagem. É do jogo. Mas é sempre bom evitar ser usado pela polícia. Uma das maneiras do jornalista escapar da influência das fontes policiais, do Ministério Público e de outros órgãos governamentais é fazer a sua apuração própria dos fatos. Fazer uma investigação própria é cada vez mais difícil para o repórter porque as redações foram reduzidas ao mínimo de pessoal necessário para a operação do jornal. Dentro dessa realidade, a investigação jornalística vem cada vez mais se reduzindo à publicação de documentos oficiais inéditos. Ou o repórter ter a sorte de esbarrar em um personagem que participou do episódio e que esteja disposto a contar a sua versão.

Na época das máquinas de escrever nas redações sempre que um repórter tinha essa sorte a edição do jornal se esgotava nas bancas. Nos tempos atuais, há um aumento considerável de acessos à edição virtual do jornal e a outras plataformas de notícias. Ou seja, desde a época que os jornalistas escreviam as suas reportagens molhando a ponta de uma pena no tinteiro, a reportagem exclusiva mexe com a redação e com os leitores e desperta inveja nos concorrentes. No final da década de 90, algum gênio da direção dos grandes jornais teve a ideia de varrer a cobertura policial para publicações populares, que são vendidas a preços baixos. Nos últimos cinco anos, a cobertura policial começou voltar a ocupar espaço nos grandes jornais. Por quê? Teve, continua tendo e sempre terá um alto índice de leitura. Leitores de todas as classes sociais se interessam em acompanhar o dia a dia desses casos. Em outros tempos, os grandes jornais teriam uma força-tarefa de repórteres e editores se dedicando a descobrir quem mandou matar a vereadora Marielle. Esse crime foi notícia global, saiu nos principais jornais e noticiários do mundo. A imprensa brasileira, em especial a do Rio de Janeiro, vem fazendo o trabalho de não deixar o assunto desaparecer do noticiário. Mas é preciso fazer mais. Pouca coisa tem sido publicada a respeito do braço político das organizações criminosas do Rio de Janeiro. Esse terreno é campo minado para a investigação policial. Mas não para a investigação jornalística.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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13 Comentários

  1. Resumo da opera. Acredito que já se sabe (ou se tem uma boa ideia) de quem matou a vereadora. Acredito ainda que a dificuldade está em arrumar provas. ‘Jornalistas’ dificilmente vão investigar muito a fundo por um motivo simples, é muito perigoso. O problema principal é que o assassinato de vereadora é um sintoma e não a doença. Situação no RJ tende a deteriorar e irradiar más influencias pelo resto do pais. Não é impossivel de haver um choque com a principal facção de SP. Se isto ocorrer as forças de segurança terão que intervir e não vai ser pouca gente que vai morrer. Uma coisa é certa, não é problema que se resolva ‘conversando’.

  2. ‘O miliciano era amigo da família Bolsonaro […]’. Existia alguma relação com Flavio Bolsonaro. Em 2005 o então deputado estadual condecorou o capitão PM. Estava respondendo preso por homicidio. Solto envolveu-se com os bicheiros. Definição de ‘amigo’ para uns é muito ampla, para mim é quem frequenta a casa e eventualmente divide refeições. Cavalão estava em BSB desde 91. Sem juizo de valor, não há ‘santos’. Busilis é que a midia vermelha (e o Consorcio de Ajuda Eleitoral) criaram ‘narrativas’ com base em quase nada. Motivação é influenciar a opinião publica com finalidade eleitoral, algo que antigamente não deveria ser função do ‘jornalismo’, ao menos escancaradamente.

  3. Conta a lenda que havia um esquemão na Assembleia Legislativa do RJ. Alguem do PSOL teria cantado a pedra para as autoridades. Resultado, dizem, é que haveria um desejo de vingança contra o partido. Alvo preferencial seria o Freixo. Não aconteceu porque a segurança dele é muito reforçada. Teria sobrado para Mariele. Já ouvi esta historia de duas pessoa diferentes em contextos diferentes. Em 2018, ha materias na Internet, Freixo cobrou a investigação de deputados do MDB por suposto envolvimento no caso. Já em 2023, no mesmo podcast, Freixo afirmou que a motivação do assassinato teria sido politica.

  4. Adriano Magalhães Nóbrega foi ‘convidado’ a se retirar do BOPE. Acabou cedido a Policia Civil e lá se envolveu com o pessoal da Contravenção Zoologica. Quando aconteceu o caso Mariele, grosso modo, todos sabiam que havia umas quatro pessoas que poderiam ter feito o serviço. Uma estava presa, uma estava fora do RJ no dia e sobraram Adriano e Lessa. Um morto e outro preso (não li o inquerito, sem comentarios). Macalé, o que teria encomendado o ‘serviço’, tinha (ou teve) ligações com a milicia. Foi executado.

  5. Mais um ponto importante, milicias, jogo do bicho (pelo que se sabe estes) tem ligações com politicos. Bicheiros tem ligação com o Carnaval. Dizem que em certos camarotes durante os desfiles encontram-se gente do crime, politicos, patrocinadores, pessoal da midia e gente da ‘cultura’.

  6. ‘Corretores zoologicos’ também é modo de falar. Maquinas caça-niqueis, bingos ilegais, etc. dão mais dinheiro. Detalhe importante, são extremamente violentos. Um filho de bicheiro acabou morto por uma bomba no carro anos atras, artefato que era para o pai. Que partiu para a vingança, obvio.

  7. Marcelo Freixo esteve num podcast notra semana (FLow). Em 2006 ocorreram ataques das milicias, contexto é governo Cabral e Mariano Beltrame secretário. Freixo, que é bem razoável, falou na CPI das Milicias. Duzentos e tantos foram parar na cadeia. Disto pode-se verificar (já sem relação com a conversa do podcast) que não há vacuo. As milicias viraram balaio de gatos na maioria dos lugares. Muitas são lideradas por ‘traficantes’ dissidentes. Os ‘traficantes’ das facções adotaram (mais esta) as ‘fontes de renda’ das milicias. Gatonet, venda de gas, etc. Por que ‘traficantes’? Porque as drogas já não são a unica fonte de renda. Cigarro contrabandeado, roubo de carga, roubo de celulares, assaltos, diversificaram o ‘negocio’. Detalhe importante, em todos os territorios criminosos do RJ existem ‘corretores zoologicos’ e ninguem os importuna, nem a policia, nem milicianos e nem ‘traficantes’.

  8. ‘[…] milícias, que são grupos formados por policiais da ativa e aposentados fora da lei que operam em várias favelas cariocas.’ Já foi assim, agora só em algumas regiões da zona oeste do RJ. A historia verdadeira é que a partir dos anos 2000 policiais, bombeiros e guardas municipais (com participação menor de outras categorias) começaram a prestar segurança na vizinhança em que moravam. Contra o trafico, obvio. Existia um problema para prestarem este serviço tinham que deixar de lado os bicos que ajudavam no orçamento. Logo começaram a pedir ‘contribuições’ para não ficar no prejuizo e deu no que deu.

  9. ‘O Rio de Janeiro é o berço do crime organizado no Brasil, que nasceu com os bicheiros […]’. Obvio que não. Comprovado através de registros, o cangaço precede o jogo do bicho em pelo menos 20 anos. Este ultimo só foi proibido na decada de 40 junto com outros jogos de azar.

  10. Há matérias na internet para tudo. Desde disco voador até o Pé Grande. E se tem uma coisa que não prova absolutamente nada é um ou mais jornalistas assinando uma matéria. Muitos tem comprimento ideologico, muitos tem problemas cognitivos e a grande maioria tem problema de tempo, algo tem que ser publicado, o espaço tem que ser preenchido.

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