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Ex-diretor da PRF é elo fraco na cadeia de comando golpista de 8 de janeiro? – por Carlos Wagner

“Não existem mais segredos. O que facilita a ação da investigação policial”

Levou décadas para se conhecerem os bastidores do golpe 64. Já o episódio de 8 de janeiro foi transmitido online (Foto EBC)

Foi uma ofensa à inteligência dos brasileiros a fala do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, delegado da Polícia Federal (PF), na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre o 8 de janeiro (CPMI do 08/01). Durante mais de oito horas, ele tentou convencer os parlamentares, os jornalistas e o público que não teve nada a ver com o que aconteceu em 8 de janeiro, quando bolsonaristas radicalizados quebraram tudo que encontraram pela frente no Congresso, no Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília (DF).

Em junho, o ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques, 48 anos, também depôs na CPMI do 08/01 e durante mais de oito horas ficou contando histórias fantasiosas com o objetivo de convencer que não teve nada a ver com as batidas feitas às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais nas rodovias das cidades nordestinas onde o então candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tinha 75% de preferência dos votos contra o seu adversário, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que concorria à reeleição.

Na última quarta-feira, dia 9, os agentes federais da Operação Constituição Cidadã prenderam preventivamente Vasques e cumpriram uma dezena de mandados de busca e apreensão em três estados. A operação aconteceu depois que os peritos da PF encontraram provas (planilhas, ordens de serviço e mapas de votação) nos celulares dos policiais federais rodoviários indicando os locais das barreiras e os motivos pelos quais deveriam ser feitas.

Se for condenado, Vasques terá a sua aposentadoria (R$ 18 mil) cassada. A exemplo dele, Torres também tentou enganar os parlamentares da CPMI do 8 de janeiro. Ele terá o mesmo destino? A situação do delegado é bem mais complicada. Vou explicar. Para começo de conversa, o ex-diretor da PRF era comandado por Torres, já que a instituição é subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Essa história das barreiras não saiu da cabeça de Vasques. Fazia parte de um esquema para reeleger Bolsonaro, montado dentro do ministério, como ficou comprovado pela investigação feita pelos agentes da PF.

Não deu certo – há matérias e documentos na internet explicando os detalhes do assunto. Vamos focar a nossa conversa no delegado Torres. No dia seguinte à posse de Lula, Torres foi nomeado secretário da Segurança Pública do Distrito Federal (DF). Houve uma gritaria nos jornais contra a nomeação. Mas o governador Ibaneis Rocha, do DF, a manteve. O delegado assumiu no dia 6 de janeiro e viajou com a família para tirar férias em Orlando (EUA). Voltou no dia 10 e se entregou para a PF, permanecendo preso durante 40 dias. Atualmente, está em liberdade vigiada.

Ele tem batido na tecla de que nada sabia sobre o golpe e que a minuta de um decreto golpista encontrado pelos agentes da PF na sua casa é uma bobagem. As provas que os agentes da PF encontraram nos celulares dos policiais da PRF mostram que o delegado não só sabia que havia uma tentativa de golpe em andamento como foi um dos seus articuladores.

Aqui quero lembrar o seguinte. Logo que assumiu o governo, Bolsonaro disse que era mais importante desmontar na máquina administrativa federal as estruturas deixadas pela esquerda, como o controle de armas e a proteção da Floresta Amazônica, do que construir alguma coisa. Essas estruturas foram substituídas por uma cadeia de comando que tinha como objetivo um golpe de estado. O ex-ministro da Justiça e o ex-diretor da PRF são elos dessa cadeia de comando.

Todos os ministros e ocupantes de cargos de chefia do governo Bolsonaro sabiam que o então presidente estava se preparando para continuar dirigindo o país pelo voto ou na marra. Perdeu no voto e o golpe não deu certo. Agora é a hora de ajustar as contas com a Justiça. Uma advertência que julgo necessária. O que escrevi não é opinião. São fatos que temos publicado.

Voltando a nossa conversa. Se o ex-ministro da Justiça resolver falar poderá levar ao chefe da cadeia de comando golpista. Há muito tempo temos sugerido que no comando dessa cadeia está o ex-presidente. Mas as coisas não são tão simples assim. Ele não fez tudo isso sozinho. É impossível perante a complexidade e o tamanho do Brasil. Portanto, quem estava ao lado de Bolsonaro organizando o golpe?

O delegado pode esclarecer essa questão. Por hora, tanto ele quanto o seu subordinado, o ex-diretor da PRF, estão focados em tentar vender para a opinião pública uma versão de que o governo Lula sabia o que iria acontecer em 8 de janeiro e deixou rolar para prejudicar o ex-presidente. Na opinião de renomados advogados, ao insistir nessa estratégia estão perdendo tempo, porque, à medida que a investigação avança, vão sendo reunidas provas que levarão aos nomes de quem estava na ponta da cadeia de comando golpista.

Uma das razões dessa insistência é que existe a tese entre as lideranças dos bolsonaristas raiz de que quanto mais acusações forem feitas contra o ex-presidente, mais isso ajuda a consolidar a sua posição política, a exemplo do que acontece com o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano).

Não é bem assim. A legislação eleitoral dos Estados Unidos é diferente da brasileira. Uma das diferenças é que aqui existe a Lei da Ficha Limpa. É por essa e outras razões que Bolsonaro foi considerado inelegível por oito anos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os bolsonaristas raiz apostam que se na próxima eleição presidencial o prestígio do ex-presidente estiver nas nuvens, ele derrubará a condenação do TSE?

Por tudo que temos publicado, essa crença é uma fantasia. Claro, tudo é possível na disputa política. Mas há os seus limites. Vou citar um desses limites. A imprensa levou três décadas para descobrir o que aconteceu nos dias que antecederam e que se seguiram ao golpe militar de 1964. A demora aconteceu por várias razões, sendo que a principal foi a censura à imprensa.

Nos dias atuais, a conversa é outra. Hoje, a liberdade de imprensa, somada à diversificação e proliferação de jornais (sites) e das várias outras plataformas de comunicação, colocam as informações online na mão dos leitores. Portanto, não existem mais segredos. O que facilita a ação da investigação policial. Todos os envolvidos em 8 de janeiro sabem dessa realidade.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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