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“Sobre a terra há de viver sempre o mais forte” – por Leonardo da Rocha Botega

“Nesse país, lutar pela terra (por direitos sociais) sempre foi caso de polícia”

“Sobre a terra há de viver sempre o mais forte”. É com essa frase cheia de significados que Itamar Vieira Junior termina “Torto Arado”. O livro, publicado em 2019 e traduzido em mais de uma dezena de idiomas, conta a história das irmãs Bibiana e Belonísia, que tiveram suas vidas marcadas por dois acontecimentos: um acidente na infância e uma vida marcada pelas condições de trabalho análogo à escravidão em uma fazenda no sertão da Chapada Diamantina.

À medida que a história é contata tais marcas vão ganhando sinais de fortalecimento das personagens. O acidente de infância se transforma em laços de solidariedade e cumplicidade. Das condições de trabalho análogo à escravidão vai se produzindo a consciência da luta pela terra e pelo direito à dignidade dos quilombolas. Da retidão da vida simples emergem as sementes da esperança por dias melhores. A cada frase escrita vamos percebendo que Bibiana e Belonísia estão muito além de personagens literários.

A consciência que adquirimos com Bibiana e Belonísia é a mesma que adquirimos quando exercitamos a escuta daqueles que lutam uma das mais árduas lutas desta nação incompleta chamada Brasil: a luta pela terra! A luta que, para alguns, é pelo direito a ter um lugar para produzir o alimento que tanta falta faz na mesa de trinta milhões de brasileiros e brasileiras. A luta que, para outros, é pelo direito ao local onde se realiza o encontro com a sua ancestralidade.

Historicamente, a terra no Brasil nunca foi inserida em um projeto de inclusão social, voltado ao direito à alimentação digna dos brasileiros e das brasileiras. No Período Colonial, a terra servia para a reprodução do poder da coroa e das redes de clientela que sustentavam o status quo escravista. No Império não foi diferente. Quando a liberdade começou a “abrir as assas” para os escravizados e as levas de imigrantes apontavam a demanda por espaços, os senhores de escravos, através da Lei de Terras, reservaram o quinhão de suas descendências.

Em uma República (nem tão Res e nem tão pública assim), os donos do poder, dos cafezais, dos bois e dos engenhos, no afã de seguir com o branqueamento da população e com a preservação de suas posses, transformaram os territórios indígenas e quilombolas em “terras devolutas”. Nessas terras roubadas em nome do Estado se forjou uma falsa “reforma” cujo principal resultado, em boa parte do território nacional, foi transformar o indígena e o quilombola no maior inimigo do branco minifundiário.

Enquanto o andar de baixo é colocado a se digladiar, o andar de cima aguça a guerra dos pobres reforçando o desejo de extermínio sobre o que eles consideram “tudo que não presta”. Nesse trágico roteiro real de reprodução da desigualdade social secular que assola esse que foi um dos últimos países que aboliu a escravidão (mas que manteve a covardia), cabe até o moralismo dos calhordas, como temos visto na CPI do MST. Uma CPI em que o relator é nada mais nada menos que um investigado por participação em esquema de exportação ilegal de madeiras.

Nesse país, lutar pela terra (por direitos sociais) sempre foi caso de polícia. O que nunca foi são os assassinatos daqueles que lutam. Desde a Redemocratização, em 1985, 92% dos casos de assassinatos em casos de disputa de terras seguem sem solução. Enquanto isso, o principal órgão da justiça brasileira segue postergando a decisão de cumprir a Constituição e enterrar de vez a irracional tese do Marco Temporal. A definição de terra improdutiva então nem se fala.

É por isso que os movimentos dos quilombolas, dos povos indígenas e o Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Sem Terra são tão necessários no Brasil. Para demonstrarem que, para que de fato sobre a terra se viva sempre o mais forte (e o mais forte é aquele que vive do que produz), primeiramente, há de se eliminar do Estado brasileiro o lobby dos herdeiros do status quo escravista.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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6 Comentários

  1. Brando,
    Você não consa de seguir sendo um covarde?
    Sai do anonimato vem pro debate público!
    Também se pode falar essas estupidez sem esconder a cara!
    Vamos lá! Você consegue!

  2. MST não passa de um braço ideologico dos vermelhos. Não querem resolver problema nenhum, basta ver o discurso de guerra de classes do texto. No mais cortina de fumaça.

  3. MST é o grupo que fazia segurança do Rato Rouco quando visitou a UFSM no desgoverno Burmann. Um professor aposentado foi agredido.

  4. 2013, governo Dilma, a humilde e capaz, Gilberto Carvalho para defender a diminuição no ritmo de desapropriações afirmou: “É real e, infelizmente, verdadeiro que no Brasil há muitos assentamentos que se transformaram quase que em favelas rurais” e “A presidente Dilma fez uma espécie de freio do processo para um ‘repensamento’ dessa questão da reforma agrária e, a partir daí, tomarmos um cuidado muito especial em relação ao tipo de assentamento que a gente promove”. Isto depois de 8 anos de governo Molusco com L., abstemio, honesto e famigerado dirigente petista.

  5. ‘[…] direito a ter um lugar para produzir o alimento que tanta falta faz na mesa de trinta milhões de brasileiros e brasileiras […]’. Isto é outra lorota. Economia solidaria, Produção familiar. Muito mais do que obvio, com todo o subsidio que recebe, esta mais para subsistencia do que outra coisa. Não tem escala para ‘acabar a fome no mundo’. Qualquer pessoa que não passe a vida esfregando a barriga numa mesa no ar condicionado sabe disto.

  6. ‘Torto Arado’ é uma obra de ficção transformada em peça de propaganda. Não faltará algum(a) imbecil para afirmar um ‘é assim mesmo que acontece’ ou um ‘a vida imita a “arte”‘. Truquezinho velho.

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