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Prima (nem tanto) vera – por Orlando Fonseca

E então ‘a estação vai estender o inverno atípico que o El Niño nos presenteou’

Se havia alguma expectativa com a chegada da nova estação, as manchetes não deixaram dúvida e botaram muita água fria nas esperanças. As previsões meteorológicas não são nada animadoras: primavera será abafada e chuvosa; cenário demanda cuidados na agricultura da região. Entrou setembro e a boa nova não se espalhou pelo campo, como anunciava o cantor em uma esquina, de um certo clube de Minas Gerais.

Naquele tempo, ao que tudo indica, as primaveras eram mais comportadas e previsíveis. Os verões eram quentes, mas acolhedores com seu sol generoso sobre todas as peles, escuras ou claras. Aqui mesmo, em nosso estado, o inverno nos identificava, rigoroso e temido, mas dentro da normalidade de suas geadas cobrindo de noiva os galhos da pitangueira, como poetava um Coronel, não farroupilha, e lírico.

Com as novas tecnologias de satélites e inteligência artificial, as previsões do tempo se tornaram menos imprecisas. Contudo, tiraram de nosso imaginário a surpresa da chuva inesperada. E nem é por culpa dos meteorologistas e seus gráficos. A natureza segue impávida em seus caprichos. Ok, muito por conta das provocações que nós, reles mortais, temos lhe feito.

E para nos colocar no devido lugar, manda de vez em quando o seu filho mais irrequieto, o El Niño, que além de tudo tem um nome gringo pra nos lembrar do que fizemos para estender nossas fronteiras brasileiras.

O inverno se retirou do cenário cabisbaixo, nem tanto por estar muito descaracterizado, pela sensação de abafamento e com cara de verão fora de época. Mas porque deixou um rastro de comunidades arrasadas por ciclones extratropicais e enchentes de rios que, até ontem, eram tranquilos e comportados.

O Rio Grande do Sul, ainda vivendo as sequelas da estiagem no início do ano, passou dias de pouco frio e muita umidade, como se o tempo quisesse compensar – sem muito critério – a falta de água da estiagem violenta. Quase nem chegamos a tirar dos cabides os trajes típicos da estação, e olha que tivemos dias de sol suficiente para tirar o cheiro de guardados de casacos de lã, sobretudos e mantas.

Neste finalzinho de estação, já em setembro, aconteceram chuvas com mais de 500 mm em nossa cidade: a maior chuva da história no mês, conforme os registros da meteorologia. E aí a notícia que desmente a chegada da primavera: em outubro, deve prosseguir o mesmo padrão, com eventos extremos de bastante chuvas.

Queremos a primavera, que chegou ao hemisfério sul neste sábado (23) às 3h50min, e que seja a estação das flores, com seus aromas e cores. Que os cenários de destruição do último período sejam amenizados pela delicadeza de suas pétalas faceiras. Que o pólen – ainda que irritadiço para os alérgicos – seja espalhado por abelhas e vespas, para que os campos, a beira do caminho, os canteiros, se encham de colorido e esperança.

No entanto, o equinócio da primavera – quando o dia e a noite têm a mesma duração – também anuncia que o tempo feio e os dias bonitos podem ter a mesma duração. Ao contrário de antecipar o verão (como nos explica a etimologia do seu nome derivado do Latim), neste ano a primavera vai estender o inverno atípico que o El Niño nos presenteou mais uma vez.

Dizem-nos os especialistas, que o cenário muda a partir da segunda quinzena de novembro, quando chegarão as “chuvas de verão” pela tarde. O que também não muda muita coisa, pois afetam as culturas do período e que identificam a vocação agrícola do solo gaúcho. O agricultor rio-grandense aprendeu com o tempo, recebeu como herança os conhecimentos de povos originários, e desenvolveu habilidades para reconhecer as intempéries e suas variações.

Precisa aprender outra vez com as lições do tempo, e entender que, se não mudar de hábitos produtivos e tratar a natureza com respeito, tende a manter o estado de coisas – e as previsões não são nada alentadoras.

Não se trata de uma ação isolada, claro, tanto os habitantes do meio rural, quanto os do urbano, assim como todos os humanos do planeta, precisam operar em favor de uma primavera generosa e permanente para todos. Esta é boa nova que precisa se espalhar pelos campos: a solidariedade e os cuidados com o ambiente natural.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Nota do Editor: a foto que ilustra esta crônica é de Marcello Casal Jr, da Agência Brasil.

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7 Comentários

  1. ‘[…] precisam operar em favor de uma primavera generosa e permanente para todos.’ Não ‘precisam’, tanto que não irão. Obvio. ‘Esta é boa nova que precisa se espalhar pelos campos: a solidariedade e os cuidados com o ambiente natural.’ Idem. Palavras bonitas a parte, os que cuidam da coisa publica na verdade so pensam nos proprios interesses, gastam o que querem, quanto querem, onde querem. A grande maioria, o ‘coletivo’, é ‘democraticamente’ convidada a pagar a conta. Logo a rotina é cada um só pensa nos seus problemas. Exceção ocasiões de grande comoção publica. Basico.

  2. ‘[…] recebeu como herança os conhecimentos de povos originários,[…]. Não parece ser o caso. Rebeu outras coisas, o chimarrão por exemplo. Alas, o povo gaucho é miscigenado com os povos originarios, a propria definição de gaucho. Alas, um estudo fica para quando sobrar dinheiro, o perfil genetico da população do estado.

  3. ‘[…] que além de tudo tem um nome gringo […]’. Andaram ressuscitando o colonialismo. Sim, porque a academia já teve uma moda de ‘pós-colonialismo’. O discurso de esquerda, por motivos obvios, não consegue se atualizar, ficam tentando encaixar fatos presentes em teorias do passado. Questão toda é que ‘gringo’ no RS é o descendente de italiano. No resto do pais por influencia de enlatados ianques chamam os americanos (Ianquelandia é chamada ‘a Gringa’) de gringos, denominação utilizada pelos mexicanos nos filmes. Adotar o termo seria uma dupla colonização, primeiro dos ianques no resto do pais e depois do resto do pais sobre a gauchada.

  4. O que lembra o Efeito Borboleta e o caos. Edward Norton Lorenz. Matematico e meteorologia. Algo como ‘as equações não-lineares que governam as condições metereologicas têm uma sensitividade tão grande as condições iniciais que uma borboleta batendo as asas no Brasil pode causar um tornado no Texas’. Lembra um livro popular na decada de 80, ‘Caos Fazendo uma nova ciencia’ de James Gleick. O que traz a memoria outra coisa, os matematicos preocupados com seus empregos, a IA vem ai.

  5. Previsões se tornaram menos imprecisas com satelites e computadores mais potentes. Tornaram possiveis a utilização de modelos matematicos e resultados de simulação em prazos mais adequados. IA é algo recente.

  6. Daquele tempo a memoria não ajuda. Na decada de 70 um saguzinho passageiro caindo do ceu na aldeia. Na de 60 algo mais pesado ali pelo pinhal. Se as chuvas são as maiores desde 1916 significa que naquele ano choveu bastante. Misterio é quem estava medindo no inicio do seculo passado. Sem falar na enchente que atingiu POA na decada de 40.

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