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Brasil veio de guerra – por Orlando Fonseca

Ontem, caminhando com minha filha pela calçada, ela usou o vocativo “véio”, pra se dirigir a mim. Mas em seguida fez uma correção, dizendo que não estava me chamando de velho. Que era apenas uma maneira carinhosa de dizer. Como se eu não soubesse. A verdade é que, do alto de seus treze anos, era a primeira vez que falava assim. Tudo bem, segundo as informações divulgadas pelo IBGE sobre o Censo 2022, o Brasil está envelhecendo mais rápido. Muito em breve será tão normal a convivência entre pessoas idosas, que será redundância falar “velho”, como vocativo. O estado do Rio Grande do Sul está no topo desta estatística, e a cidade com o maior índice é gaúcha. Ah, e tem mais mulheres que homens, inclusive aqui em Santa Maria – como já era possível identificar empiricamente, passeando pelos bares e baladas da cidade. Quando atingir a idade adulta, a minha filha provavelmente terá o convívio de mais mulheres.

Nesta última década, o envelhecimento da população brasileira foi mais rápido do que vinha acontecendo nas décadas anteriores. Os números deste último Censo, de acordo com pesquisadores, apontam que o país caminha para o “superenvelhecimento” e precisará de políticas voltadas aos idosos. Com uma média de idade de 80 anos, teremos uma grande população que vai demandar cuidados. Como os dados indicam, vai haver menos membros na família para atender aos mais velhos, portanto, é necessário criar e implantar políticas de cuidados, que demandam planejamento de longo prazo e recursos. O alerta vem sendo dado por especialistas, como Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Outra pesquisadora, esta do IBGE, Izabel Marri, destaca que ao “longo do tempo, a base da pirâmide etária foi se estreitando devido à redução da fecundidade e dos nascimentos que ocorrem no Brasil.” Isso permite que se verifique, ao longo dos anos, “uma redução da população jovem, com aumento da população em idade adulta no topo da pirâmide até 2022”.

Esse quadro também está associado ao fato de haver uma maior taxa de mortalidade dos homens em todos os grupos etários. As mulheres são mais resistentes, desde a fase neonatal, até as idades mais longevas, com uma sobrevida maior do que a população masculina. Esta, também, apresenta maior número de mortes por acidentes ou pela violência urbana. Mas este não é um dado isento dos efeitos da exclusão social: uma mulher negra, que desde criança cuida do irmão, e mais tarde cuida dos filhos, não tem uma grande expectativa de vida. Já, no caso da população indígena, verifica-se uma idade média mais baixa que a da população branca. Por isso, indicam os especialistas, é preciso investir na redução da desigualdade, e criar uma cultura de cuidados para os homens, resistentes a exames e trato consciente da saúde.

Os números mostram uma população que envelheceu (majoritariamente branca e feminina), mas é preciso olhar para quem não envelheceu, a fim de elaborar as políticas públicas necessárias. Temos, no Brasil, um sistema previdenciário baseado no modelo solidário: quem está na ativa sustenta os que já se aposentaram. No entanto, pelo que esses indicadores alertam, a conta vai ficar maior, tanto na Previdência Social (com menos jovens e adultos no futuro para sustentar as aposentadorias), quanto nos gastos com saúde, uma vez que a população que está envelhecendo também vai aumentar a escala de demandas em todos os níveis de atendimento, do básico ao complexo.

Eta Brasil veio de guerra, eu diria, fazendo coro ao modo como a minha filha se dirigiu a mim. Tenho esperança de que as autoridades encontrem saídas para mais este problema social. No entanto, não pode ser acionando o modo “jeitinho brasileiro”. Será preciso fortalecer o sistema, resolver ou diminuir as assimetrias sociais, dar sustentabilidade para a economia, para que haja empregos e progresso (econômico, social e cultural). Como dizem os amigos, a alternativa ao não envelhecimento não é desejável. Talvez eu nem esteja aí para ver os resultados de um programa consistente, mas a minha filha estará, e isso me preocupa desde já.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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8 Comentários

  1. Bueno, aldeia e provincia. Santa Maria, RS tem problemas semelhantes, não tem postos de trabalho devido a caracteristicas economicas. Pior, urb ao inves de abraçar a vocação tenta copiar ‘exemplos de sucesso’ de outros lugares com caracteristicas e cultura diferentes. Se é um ‘cidade de passagem’ que seja a melhor cidade de passagem possivel. Divago. Nascidos aqui e alhures formam-se nas faculdades e emigram em busca de emprego. Acabam constituindo familia noutro lugar. O que também piora a situação por aqui.

  2. ‘Tenho esperança de que as autoridades encontrem saídas para mais este problema social’. Autor tem ‘esperança’ demais. Autoridades continuarão fazendo o que sempre fizeram. Da educação a saúde tudo meia boca. No maximo uma maquiagem midiatica, muitos anuncios, aumento de tributos cujos recursos nunca chegarão, majoritariamente, onde são necessarios. Simples assim. Como diz o outro, se nada muda, nada muda.

  3. ‘Temos, no Brasil, um sistema previdenciário baseado no modelo solidário: quem está na ativa sustenta os que já se aposentaram.’ Obvio que é um esquema de piramide e a conta não fecha. As pessoas terão que se aposentar mais tarde e receber menos. Alas, aposentadoria funciona bem para uma casta de servidores publicos. Massa da população acaba jubilando-se e continuando a trabalhar. Porque a conta não fecha. Mais, servidores publicos diletantes ainda ocupam vagas no mercado de trabalho. Mais atrapalham do que ajudam. Não dão espaço para quem é jovem, aumentam a desigualdade!

  4. ‘[…] é preciso investir na redução da desigualdade […]’. Sim, a politica vai obliterar a Curva de Gauss. Toda chance disto acontecer.

  5. ‘[…] uma mulher negra, que desde criança cuida do irmão, e mais tarde cuida dos filhos, não tem uma grande expectativa de vida.’ Isto é um chute, não há estatistica que mostre isto. A ‘realidade’ imaginada no ar condicionado. Bastante comum na politica, em rodas de conversa da classe media (principalmente causidicos(as) e alguns ‘programas de debate’ por ai.

  6. Problema esta muito longe de ser novo. População envelheceu porque esta vivendo mais. Até pelos avanços na medicina. Taxa de mortalidade dos homens historicamente sempre foi mais alta.

  7. ‘[…] o país […] precisará de políticas voltadas aos idosos’. ‘[…] é necessário criar e implantar políticas de cuidados, que demandam planejamento de longo prazo e recursos […]’. ‘[…] a fim de elaborar as políticas públicas necessárias.’ Ou seja, não tem a menor idéia do que deve ou pode ser feito. É o ‘saco sem fundo’ das politicas publicas. Alguém deve fazer alguma coisa.

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