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Vingança – por Orlando Fonseca

“Só o diálogo é capaz de construir a paz e manter a essência da humanidade”

A respeito da guerra, uma autoridade da ONU, semana passada, declarou-se estarrecida com a proporção que tomou a reação de Israel, no ataque à Faixa de Gaza, movido pela vingança. Assim como este membro do alto comissariado, vendo as fotos de prédios arrasados e gente ferida sendo carregada para hospitais abarrotados, muita gente também se indigna.

Israel tem o direito de se defender da ação terrorista do Hamas, no entanto, é desproporcional a força usada para ocupar os territórios dos palestinos. A sanha em exterminar os membros do Hamas lembra outras tragédias descritas pela literatura e pelos livros sagrados.

No drama “As traquínias”, escrito por Sófocles, mais de quatro séculos a.C., sabemos que o herói mítico, Hércules, arrasou uma cidade inteira movido pela vingança. Êurito, rei de Ecália, “o mais hábil no arco entre os mortais”, desafiou a Grécia inteira, prometendo a mão de sua filha Íole a quem o vencesse. Hércules resolveu competir e o venceu. Mas o rei não cumpriu a promessa, temendo que o herói enlouquecesse (como já havia ocorrido antes) e matasse Íole e os filhos que dela tivesse.

Hércules então invadiu a cidade e incendiou-a, após matar Êurito e seus filhos, carregando Íole para ser sua concubina. Por que temos uma tragédia neste infausto acontecimento? Pela desmedida. Quando cometeu o ato de invadir e arrasar Ecália, o herói não estava louco, mas a força desproporcional da vingança dimensiona e define a ação trágica.

Foram os gregos, também, que nos legaram o nome Palestina, derivado do povo que ali vivia, os filisteus (Philistia). Terra que também aparece nos relatos bíblicos do Velho Testamento (a Torá, para os judeus). Sansão foi traído por Dalila, a qual tencionava ajudar o seu povo, contra a força descomunal do guerreiro.

No livro de Juízes, podemos ler que, após ter cortado o cabelo de Sansão (razão de sua força), Dalila chamou os filisteus, “que o pegaram e furaram os seus olhos. Então o levaram para Gaza e o prenderam com correntes de bronze. E o puseram para trabalhar na prisão, virando um moinho.”

Assim que o cabelo de Sansão voltou a crescer, ele pediu para ser levado ao templo, “agarrou as duas colunas do meio, que sustentavam o templo (…) jogou todo o seu peso contra elas e gritou:  que eu morra com os filisteus! (…) o templo caiu sobre os governadores e todas as outras pessoas.

E assim Sansão matou mais gente na sua morte do que durante a sua vida.” Um detalhe importante na alegoria bíblica: Sansão estava cego, e assim não podia ter misericórdia dos que matava (sem ver) com seu gesto de vingança.

Em Gaza, nestes 30 dias de guerra, já são mais de 11 mil mortos, com quase a metade de crianças. Em sua fala, conclamando uma reunião de países em favor da paz, o presidente da França comentou: “de fato, hoje, civis estão sendo bombardeados. Estes bebês, estas mulheres, estes idosos são bombardeados e mortos. Portanto, não há razão para isso nem legitimidade. Por isso, pedimos a Israel que pare”, disse Macron.

Também o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, se manifestou, após visita à Índia: “Não haverá parceiros para a paz se forem consumidos por uma catástrofe humanitária e alienados por qualquer indiferença aparente em relação à sua situação”, afirmou. 

Na ONU, os diplomatas lamentaram a morte de palestinos em apenas um mês de conflito, ressaltando que crianças, mulheres e idosos representam 75% das vítimas fatais: “o número de crianças palestinas mortas em Gaza em apenas três semanas ultrapassou o número anual de crianças mortas nas zonas de conflito do mundo desde 2019”, afirmaram na reunião.

Esta é a narrativa atual, que pela “desmedida”, dá uma dimensão trágica do que se vive na realidade, como se ainda estivéssemos vivendo em tempos lendários e míticos. É estarrecedor e impossível admitir que a falta de racionalidade suplante o humanismo que a civilização levou milênios para forjar. Estar cego pelo desejo de vingança só tem levado às catástrofes que conhecemos da literatura. Autoridades, nações e instituições precisam abrir os olhos para enxergar o óbvio: só o diálogo é capaz de construir a paz e manter a essência da humanidade.  

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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11 Comentários

  1. ‘[…] só o diálogo é capaz de construir a paz e manter a essência da humanidade.’ Há que ensinar isto para os terroristas. Uns ‘coitadinhos’ podem barbarizar, outros ficam de mãos atadas, só podem ‘dialogar’ para ‘salvar a civilização’? É o mesmo problema da PM do RJ, o traficante não tem limites, a policia tem todas as limitações e presunção de culpa ainda por cima.

  2. Desejo de vingança é natural no ser humano. Acontece todos os dias no Brasil, só não é noticia porque a midia escamoteia. Como as mais de 2500 tentativas de linchamento anuais.

  3. ‘[…] a falta de racionalidade suplante o humanismo que a civilização levou milênios para forjar.’ Primeiro, não ha ‘falta de racionalidade’. Israelenses vão passar o rodo em Gaza. Pode-se não concordar com o raciocinio, mas foi planejado e sera em certa medida executado. Simples assim. Segundo, forjou o quê cara palida? Noticia de agosto, 500 crianças morreram de fome (foram mais, este é o numero oficial) no Sudão em agosto. Pelo menos duas duzias num orfanato mantido pelo Estado. Existem barcos de pesca na asia onde os trabalhadores são escravos. É a brincadeira de ignorar o que contradiz as ideias para não admitir que são furadas.

  4. ‘[…] como se ainda estivéssemos vivendo em tempos lendários e míticos.’ Natureza humana não muda rapidamente. Há o dogma ideologico de que a humanidade progride linearmente da barbarie para um estado mais civilizado. Realidade não tem compromisso com a ideologia de ninguem.

  5. Fica parecendo que é tatica para poupar os terroristas. Atacam, barbarizam, eles proprios filmam e regozijam. Esperavam, talvez, que a opinião publica mundial diminuisse o impeto israelense. Não levaram em conta, nesta linha de raciocinio, a polarização politica e o impacto imagético das barbaridades

  6. ONU só conseguiu provar sua irrelevancia até agora. ‘[…] com quase a metade de crianças.’ ‘[…] ressaltando que crianças, mulheres e idosos representam 75% das vítimas fatais:[…]’. Muitas crianças morrem, é fato. Mas estão inflando os numeros, obvio, por motivo de propaganda.

  7. ‘Foram os gregos, também, que nos legaram o nome Palestina, derivado do povo que ali vivia,[…]’. Egipcios antes. Os ‘Peleset’, parte dos ‘Povos do Mar’ que invadiram a região no final da Idade do Bronze. Não distante no tempo da Guerra de Troia. Cidade (que são 9 camadas) que foi arrasada. Gerando mortos, refugiados e escravos. Alas, os filisteus da Biblia tem genetica compativel com o sul da Europa. Para quem não sabe, existe um negocio chamado ‘arqueologia’.

  8. ‘[…] lembra outras tragédias descritas pela literatura e pelos livros sagrados.’ Que são ficção. Alexandre, o grande, mandou arrasar Tebas. Quem sobreviveu foi vendido como escravo. Numa cidade cuja população erar grega mandou matar todos. Um seculo antes teriam ficado do lado dos persas nas tentativas de invasão da Grecia. Romanos arrasaram Cartago. Sobreviventes, como praxe, vendidos como escravos.

  9. ‘[…] é desproporcional a força usada para ocupar os territórios dos palestinos.’ O que seria uma ‘força proporcional’? Um burocrata da ONU com uma planilha falando para os comandantes militares ‘o total é 1400, voces pegar duzentos e tantos refens, matar 100 crianças com tiros na cabeça, queimar vivas duzentos, estuprar 150 mulheres…’.

  10. ‘[…] muita gente também se indigna.’ Muita gente não são todos. Grande maioria toca a vida. Cuida dos perrengues pessoais.

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