Abraço não é presente – por Orlando Fonseca
O Natal “é um momento de celebrar a vida com alegria, leveza...”
O cancioneiro natalino tem tesouros que tocam todos os corações, desde os hinos entoados nas cerimônias religiosas, até as canções populares que tocam no rádio (e nas plataformas digitais). Álbuns especiais são lançados, em especial na indústria americana, desde o início do século passado. Dentre este repertório atual, uma que me chama atenção, pela alegria contagiante, é a canção “All I Want For Christmas Is You” composição e interpretação de Mariah Carey.
Seu refrão repete de modo insistente: “Não quero muita coisa nesse Natal/Tudo que eu quero de Natal é você” (em tradução livre). E nesta construção poética, a autora faz uma associação interessante entre presente – presença, ambas as palavras com a mesma raiz etimológica. No entanto, e para isso o estranhamento proposital do título: por mais que sejamos especiais para nossos familiares e amigos, a correlação objetiva entre o afeto e o ato de se doar, perdura um objeto que materializa, neste ritual, o sentido maior da relação presença/presente.
A narrative mítica dos Evangelhos, a respeito dos eventos da Natividade, nos diz que os Magos foram pessoalmente entregar os presentes ao Menino. Poderiam ter mandado por Sedex (se houvesse), ou por um mensageiro de alguma caravana (comum à época) que passaria pela região da Judeia. No entanto, os três reis orientais não foram levar apenas um beijinho ou um abraço ao Menino. Chegados, poderiam dizer, “a gente passou aqui pra desejar um Feliz (bem, ainda não existia a data) Momento, afinal os pais estavam felizes com o Bebê.
Só que não, e a Natividade trouxe um aditivo e tanto para a essência da cristandade. Não vieram de mãos vazias, traziam Ouro, Incenso e Mirra, na alegoria mais impressiva da data que se comemora nos dias atuais. O objeto material que concretiza o subjetivo do ato, diretamente ligado ao coração, ao sentimento nobre de amor.
José e Maria, pelo que se pode ler nos evangelistas não disseram: mas não precisavam trazer nada! Receberam os presentes e agradeceram. Ou seja, só posso entender que um abraço valha como presente de Natal por humildade de quem recebe. Valor que não deve ser explorado por quem doa. Até entendo uma situação de carestia, não qual quem deve doar não tem, mas, nesse caso, até mesmo o recebedor estará sem expectativas.
Também é o caso recente pelo qual a pandemia não apenas nos afastou, mas também restringiu os gestos de aproximação, apertos de mão, beijos e abraços. Ao mesmo tempo se formava na sociedade brasileira uma praga ainda maior: a polarização política, que afastou amigos de longa data, criou cizânia no seio das famílias, e chegou a tragédias tão lamentáveis quanto as mortes pelo Covid 19.
Filhos e pais se afastaram, irmãos partiram para as vias de fato, amigos viraram a cara e se foram cada um para seu canto, o que, convenhamos, não condiz com o espírito natalino, que é de aproximação e de doação. As sequelas ainda estão por aí, com potencial patológico capaz de atrapalhar a alegria das festas.
Abraço é obrigação, entre humanos, nem deveria estar na lista de Natal, pois deveria ser algo tão cotidiano, praticado o ano inteiro, que seria um contrassenso, um absurdo chegar na casa de alguém e dizer: este ano só vou dar um abraço (salvo nas condições supracitadas). Seria como chegar na festa com um quilo de alimento não perecível (exceto nos casos da Campanha Natal sem Fome – que também deveria ser algo a ser praticado o ano inteiro).
O Natal só perde para o Dia das Mães nas viagens que reúnem famílias, segundo agentes do turismo. É um sintoma de doença social o fato de que perduram famílias desunidas pela polarização política, pois o tensionamento de grandes temas sociais deveriam ser tratados com urbanismo. Mas é sempre bom e recomendável que o humanismo permeie as relações, seja nos lares, como nos bares (onde quer que seja).
É um momento de celebrar a vida com alegria, leveza, com disposição de se fazer presente. É o futuro da humanidade, e a festa Magna da Cristandade traz a lição: ir até o outro, com o coração aquecido (não a cabeça) os braços abertos, e um presente que materialize ao irmão todo este sentimento de amor e vontade de paz. Feliz Natal!
(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.
É de se questionar se Santa Maria fica no Brasil ou na Bruzundanga. Mas aí é outra historia.
Semelhanças, que não são poucas, as vezes são engraçadas. ‘A Constituição da Bruzundanga proíbe as acumulações remuneradas, mas as leis ordinárias acharam meios e modos de permitir que os doutores acumulassem. São cargos técnicos que exigem aptidões especiais, dizem. A Constituição não fez exceção, mas os doutores hermeneutas acharam uma’.
Famoso é um politico do tal pais. Um tal Karpatoso. Num ano afirmou ‘Os governos não devem pedir às populações que dirigem, em matéria de impostos, mais do que elas possam dar,[…] . A nossa população é
em geral pobríssima e nós não devemos sobrecarregá-la fiscalmente’. Apesar disto propos aumento do imposto de importação do bacalhau da Noruega porque ‘há produto semelhante na faixa costeira do pais’. Relator do orçamento ‘mudou de idéia’, disse ‘É missão dos governos modernos, em países de fraca iniciativa individual (o nosso o é), fomentar o aparecimento de riquezas novas, […]’. De liberal a ‘desenvolvimentista’, lembra Terra Brasilis.
Constituição da República dos Estados Unidos da Bruzundanga é bem peculiar. Tem um artigo “Toda a vez que um artigo desta Constituição ferir os interesses de parentes de pessoas da ‘situação’ ou de membros dela, fica subentendido que ele não tem aplicação no caso”. Dizem que a constituinte aprovou porque todos achavam que virariam ‘situação’. ‘Se algum recalcitrante, à vista de qualquer violação da Constituição, apelava para a Justiça (lá se chama Chicana), logo a Corte Suprema indagava se feria interesses de parentes de pessoas da situação e decidia conforme o famoso artigo’.
Lima Barreto visitou a República dos Estados Unidos da Bruzundanga perto de um século atras. ‘Em todos os tempos os homens de letras, maus ou bons, geniais ou medíocres, ricos ou pobres, gloriosos ou ratés, sempre se julgaram inspirados pelos deuses e confabulando intimamente com eles. A vida dos escritores, poetas, comediógrafos, romancistas, etc., está cheia de episódios que denunciam esse singular orgulho deles mesmos e da missão da arte de escre ver a que se dedicam’.
‘[…] não condiz com o espírito natalino, que é de aproximação e de doação.’ Invertebrados acham que é ‘legal’ ser invertebrado. O mesmo se pode afirmar da ‘vanguarda iluminista’. No final se resume a uma questão de valores (não monetarios, obvio). Alas, como em certos circulos da aldeia, vamos ‘fingir civilização’ frente a frente e falar mal pelas costas. Simples assim. Como diria Paulo Santana, ‘as brigas são verdadeiras, as reconciliações é que são falsas’.