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Boas festas – por Orlando Fonseca

“Precisamos reavivar nossa capacidade de inventar a felicidade...”

Então é Natal, e logo, logo chega o Ano Novo. Época de se desejar aos familiares, amigos e conhecidos um tempo de paz e felicidade. Quando se deseja Feliz Natal, esse adjetivo que acompanha a data refere-se ao tempo. Esse tempo é uma construção cultural, misturando fé e fantasia. Um parêntese no tempo cósmico – que de resto pouco entendemos – para que se tenha a ilusão de momento especial. No tempo é que vivemos em circunstâncias, para além do eu. 

Portanto, o qualificativo na saudação não significa, em primeiro lugar, que os votos são de “que você seja feliz”, mas que neste dia “faça alguém feliz”. Esta é a magia, esta é a mensagem deste tempo, e que nos remete à construção antiga, tanto da civilização, quanto da cristandade e do humanismo. Se o Feliz Natal for arranjado em sua mente e seu coração desse modo, você estará envolvido com a felicidade de um momento para ser vivenciado coletivamente.

E temos um ano cheio de altos e baixos para passar a limpo neste momento, às vésperas de um novo. Outra ilusão que criamos para termos a impressão de que, em sua passagem, o tempo nos permite alternativas para virar páginas, mudar narrativas, viver outras experiências – ou antigas, renovadas. Na verdade, não conseguimos, o mais das vezes, sequer dar consequência às resoluções, e ainda somos surpreendidos por situações que estão para além de nosso alcance.

Uma das pautas recorrentes, na imprensa, são as previsões lidas e interpretadas por visionários, nos astros, nas cartas, nos búzios – não sei se os algoritmos já têm previsões, talvez fosse preciso invocar o ChatGPT. Mas nem sempre os oráculos são claros, e o que anunciam não conseguem dar conta do espanto que temos ao sermos surpreendidos com eventos grandiosos.

Lembro que, ao final de 2019, eu mesmo deixei consignado em crônica minhas grandes expectativas com o ano que chegava. Um ano em sua expressão numérica harmônico: 2020. Jamais me passaria por minha cabeça, naquele momento, que dois meses depois o mundo inteiro seria sacudido por uma pandemia avassaladora. Até porque, em minha experiência de vida, jamais havia observado tal coisa, e talvez a maioria da população mundial.

Não haveria possibilidade de que alguém, com idade suficiente para entender, tivesse vivido o temido 1919, na terrível epidemia da Gripe Espanhola, e ainda estivesse vivo para ver outra praga mais terrível ainda. Também não houve notícias vinda do cosmos, nem cartas ou búzios alertando.

Eu estava na praia, quando começaram a aparecer notícias de que da China estava se irradiando um vírus letal, mas havia cautela no que se informava, e que só se confirmou no início de março, e parou tudo a partir do dia 12. Por dois anos de mortes, protocolos sanitários rígidos e incertezas sobre a capacidade de debelar o mal do temido SARS-CoV 2.

Suas sequelas estão aí, através de variantes, exigindo cuidados e tratamentos de toda ordem, em razão da Covid longa. Também servindo de alerta, para que a humanidade – as pessoas, as corporações, as autoridades – tenha uma relação de cuidado muito maior para com a vida.

Da mesma forma, no início deste ano que finda, não se imaginava que houvesse a irrupção de um conflito, na já conflagrada região do Oriente Médio. Até porque já havia uma guerra que se estendia mais tempo do que o previsto, no Leste Europeu. Aliás, o braço armado da luta dos palestinos, o grupo Hamas, iniciou o ataque exatamente de surpresa, pois sabia do poderio israelense no revide.

O resto já é uma história triste de violência e destruição, muito ao revés do que preconiza o tempo e o espírito natalino. Antes de pensar, portanto, no ano que vai nascer, precisamos reavivar nossa capacidade de inventar a felicidade. Ela não existe, apenas decorre do que fazemos em sua busca, e tanto maior quanto a abrangência que damos em sua celebração em conjunto.

Solidariedade e fraternidade são palavras que se complementam nesta busca coletiva pela paz entre os humanos de boa vontade. Para o ano que vai nascer também podemos olhar ainda com os lampejos da festa, na busca por tempo melhor, por uma vida mais justa e digna a todos.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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