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Papai Noel Grilo – por Marcelo Arigony

“Cabeludo, tipo diabo loiro. Até tá meio gordinho como o Noel, mas...”

Véspera de Natal. Resolvi dar uma sesteada à tarde, pra estar bem desperto na hora daquele amigo secreto de roubar presente, à meia-noite. Pode ser que neste ano eu escape do carpim. E da cueca…

Aí acordei com uma voz me chamando. Era alta madrugada. Me passei no horário. Perdi a ceia. Por que não me chamaram. E quem é esse louco que tá me chamando e essa hora? Espio pela janela… é o Papai Noel.

Mas peraí! Esse Papai Noel tá meio estranho. Cabeludo, tipo diabo loiro. Até tá meio gordinho como o Noel, mas a bunda não dá um pastel. Alguém já viu Papai Noel com bunda de grilo? E trançudo?! Não deve ser ele não. É golpe! Vou ignorar e voltar a dormir.

Mas o cara continuava me chamando. Vou lá! Abri a porta. Olhei de perto. Esfreguei os olhos.

– Peraí. Eu te conheço. Só não lembro de onde.

– Sim, sim, claro que a gente se conhece irmão.

– Agora lembrei. Eu era guri e paguei um pila pra te ver. Naquele tempo em que o dinheiro valia alguma coisa, naquele ginásio que tinha nome de prefeito. Faz muitos anos. Um real comprava um showzaço. Era dinheiro pacas. Me lembro até hoje daquele show. E do show da banda Os Eles no ATC. Tinha aquela música silicone… que tempo bom. Mas por que tu ta vestido de Papai Noel?

– Assim ó. Peguei essa boca aqui pra ficar meio escondido. To meio confuso. Confusão de sentimento. Morou? Tão querendo me dar uma missão aí. Difícil. Às vezes acho que era hora. Pra fazer pelo pivete, por essa gente que passa frio, pra tentar resolver o problema da miséria. Essa tristeza no olhar. Ajudar a mostrar que não vale a pena se importar com tanto luxo, com tanta festa. 

– Mas por outro lado, não sei se consigo. O sistema é foda. Este país não faz sentido, e tudo é levado tão normal. Nós aprendemos uma falsa história que nos contam. E esses sistemas do novo tempo. Queria fazer pela cultura, sabe… Mas é difícil de encarar. Fico pensando… que ainda existe uma chance, um lugar. Em outros tempos era fogo neles! Ferro neles! Já era! É nós! Por nós!

– Mas eu não sou mais guri. E a maturidade mostra que o caminho pode ser outro. Parece que dois mil anos se passaram, sem o homem compreender… de saber que tá errado. Ou quem sabe sou que to lento. 

– Aí vim aqui te perguntar, tu já passou por isso. Já quiseram te botar na missão…

– Ouça o conselho do amigo. É fácil trocar o rumo. Difícil é nele voltar. Somos passageiros de um eterno momento. Que não sabem onde podem parar…

Aí, quando tava firme no desenlace da conversa com aquele Papai Noel grilo, a patroa me chama: – Hei, hei, Hein tu, que vive a vida.  Tá na hora de acordar…

(*) Marcelo Mendes Arigony é titular da Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP) em Santa Maria, professor de Direito Penal na Ulbra/SM e Doutor em Administração pela UFSM. Ele escreve no site às quartas-feiras.

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Um Comentário

  1. D. H. Lawrence escreveu ‘O amante de Lady Chaterley’. Também escreveu algo como ‘Eu nunca vi um ente selvagem com pena de si mesmo/Um passarinho cai morto e congelado de um galho sem nunca ter sentido pena de si mesmo’.

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